Cátia Mateus e Sónia M. Lourenço, in Expresso
Retribuição Compensação que o Governo vai dar às empresas pelo acréscimo de custos resultante do aumento do salário mínimo pode constituir um travão a aumentos salariais e valor da remuneração nos novos contratos, alertam economistas
O salário mínimo sobe €30 por mês no próximo ano, para os €665, e o Governo vai compensar as empresas pelo acréscimo de custos decorrente do aumento. O problema é que o apoio anunciado pelo Executivo pode ter um efeito perverso nos restantes salários, alertam economistas ouvidos pelo Expresso. Muito vai depender da forma como a medida será desenhada em concreto.
Na última quarta-feira, em reunião de concertação social, o Governo comunicou a sindicatos e patrões a intenção de aumentar o salário mínimo nacional em €30 mensais em 2021. Um valor superior aos €23,75, em linha com a média da anterior legislatura, inicialmente previstos. A medida beneficiará um universo de 742 mil pessoas que recebem nesta altura o salário mínimo, segundo a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Certo é que, apesar dos aumentos nos últimos anos, o salário mínimo em Portugal continua a ser dos mais baixos da Europa (ver gráfico).
Para atenuar o efeito desta subida na estrutura de custos das empresas, numa altura em que a situação económica do país continua muito débil, avançou também com medidas de compensação. À hora de fecho desta edição ainda não se conhecia o desenho final destas medidas, mas o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, deu à comunicação social, em conferência de imprensa no final da concertação, pistas sobre o seu desenho.
São três os eixos de apoio do Governo às empresas. O primeiro é a devolução do aumento de encargos perante o Estado decorrente desta subida do salário mínimo. Siza Vieira reconheceu que o Governo “ainda está a trabalhar sobre como se processará” o mecanismo de devolução. Mas adiantou que a ideia é transferir para as empresas, durante o primeiro trimestre de 2021, um valor fixo de montante “aproximado ou mesmo a totalidade do encargo adicional que as empresas terão perante o Estado com o aumento do salário mínimo”. E esclareceu que será feito num único pagamento, relativo à totalidade do ano de 2021. Em causa está, em particular, o aumento das contribuições sociais por via da taxa social única. Será esse aumento a ser devolvido às organizações.
É aqui, precisamente, que está o busílis da questão, apontam os economistas. É que “a formulação desse apoio pode constituir um travão a aumentos salariais dos trabalhadores que estão um pouco acima do salário mínimo ou a contratações por um valor também um pouco acima desse patamar”, alerta Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego e professor do Queen Mary College (Universidade de Londres). Isto porque, “pagando o salário mínimo, as empresas têm esse apoio e se pagarem acima isso já não acontece”, explica. E reforça: “Em sectores onde uma grande fatia dos trabalhadores ganha o salário mínimo e as remunerações constituem uma grande parcela dos custos haverá pressão para o não aumento dos restantes salários.”
DESENHO DA MEDIDA É CRUCIAL
Também Francisco Madelino, ex-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissionais (IEFP) e professor do ISCTE-IUL, alerta para a importância de balizar de forma clara o apoio. “Se forem criados benefícios ou isenções, as organizações podem tender a enquadrar nessa franja salarial os trabalhadores, e isso pode ter um efeito nefasto nos salários.” O economista reforça a importância de clarificar se este apoio abrangerá apenas os trabalhadores que já auferem o salário mínimo ou se será extensível a novas contratações que possam vir a ser realizadas dentro desta franja salarial. E acrescenta: “Se formos por aí [abrangendo as novas contratações], poderá ser problemático, já que a tendência será nivelar por baixo os salários”, avisa.
O segundo eixo de apoio passa pela atualização automática dos preços inscritos nos contratos com a Administração Pública. Essa atualização está já prevista numa norma do Orçamento do Estado e abrange tanto empresas que prestam serviços à Administração Pública (por exemplo, de limpeza) como instituições sociais. E o terceiro eixo é uma linha de crédito destinada às empresas exportadoras. Estas estão mais expostas à concorrência externa e, no caso do turismo e da indústria transformadora, têm “grande incidência do salário mínimo e mais dificuldade de repercutir o seu aumento nos preços praticados”, realçou o ministro. Com esta linha, as empresas poderão receber €4000 por cada posto de trabalho (seja de salário mínimo ou não), com possibilidade de conversão de 20%, no final de 2021, em subsídio a fundo perdido, caso os postos de trabalho se mantenham.
A reunião na concertação social foi acalorada, apurou o Expresso junto de vários parceiros sociais. Por um lado, as centrais sindicais exigiam um aumento robusto. Por outro, os patrões recusavam qualquer aumento.
A posição transversal das confederações patronais foi de que, numa altura em que a situação da economia é muito complicada, não faz sentido falar de aumentos salariais, que podem empurrar mais empresas para a falência, aumentando o desemprego. Por isso defendem que é preciso esperar até pelo menos ao segundo trimestre de 2021 para avaliar se a esperada recuperação da economia se concretiza.
A preocupação é partilhada pelos economistas. “No atual contexto, parece-me errado aumentar o salário mínimo”, defende Pedro Martins. Francisco Madelino alerta também pata que “esta crise não é como as anteriores e uma subida do salário mínimo pode levar a que as empresas não consigam acompanhar e despeçam”.
QUE PROFISSIONAIS VÃO BENEFICIAR COM O AUMENTO?
A subida do salário mínimo nacional para os 665 euros em 2021 vai beneficiar 742 mil trabalhadores, segundo os últimos números fornecidos pelo Ministério do Trabalho. Em causa estão sobretudo trabalhadores de sectores como o alojamento, restauração e similares, construção e atividades de saúde humana e apoio social. Em 2019, segundo os últimos dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a parcela de trabalhadores que nestes sectores auferiam o salário mínimo era de 39,2%, 32,3% e 31,1%, respetivamente. Há ainda outros sectores onde esta percentagem também é elevada, como é o caso do imobiliário (29,2%), indústrias transformadoras (28,1%), comércio (26,7%) e atividades administrativas e serviços de apoio (26,5%). No extremo oposto ficam o sector da eletricidade, gás, vapor e água, com 0,2% de profissionais abrangidos pelo salário mínimo nacional, e as atividades financeiras e de seguros, com 1,9%. As mulheres são as mais atingidas. 31% das trabalhadoras tinham, no ano passado, um rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional. Uma percentagem que compara com os 21% registados entre os profissionais masculinos.