14.12.20

Michael Pollan: “Os psicadélicos já não são uma coisa da contracultura, estão a tornar-se um medicamento”

Inês Chaíça, in Público on-line

O jornalista de ciência e autor de Como Mudar a Sua Mente falou ao P2 sobre a investigação científica com recurso a psicadélicos (como a psilocibina) para tratar algumas doenças mentais, como a depressão. Michael Pollan acredita que estas substâncias “têm o potencial de revolucionar os cuidados de saúde mental” e podem mesmo substituir os antidepressivos que já usamos e que “só funcionam pouco melhor do que um placebo”.

Psilocibina. É normal que pelo nome não saiba do que estamos a falar: é o componente psicadélico dos cogumelos mágicos, quimicamente semelhante ao LSD, e o possível futuro dos antidepressivos. Pelo menos é o que indica uma nova linha de investigação na área da saúde mental, que a inclui num tratamento alternativo para doenças como a depressão. Num momento em que “as velhas ferramentas estão a falhar-nos”, serão os psicadélicos a opção?

Michael Pollan é da opinião que sim. Jornalista de ciência e professor em Berkeley (EUA), Pollan é também o autor de Como Mudar a Sua Mente, lançado em 2018 (distinguido como um dos livros do ano pelo New York Times) e recentemente traduzido para português. Nele, Pollan escreve sobre o “estado da arte” da investigação com estes compostos no tratamento de doenças como a depressão ou outras doenças que envolvam algum tipo de ruminação e descreve as suas próprias experiências com psicadélicos — que, acredita, podem ser benéficos até para quem não tem uma doença mental, sempre que usados com todo o cuidado e acompanhados por um guia.

Falou com o P2 pelo Zoom no rescaldo das eleições norte-americanas, que também trouxeram novidades no campo dos psicadélicos. “Foi uma boa noite para a psilocibina”, começa Pollan. No estado do Oregon, foi aprovada uma moção que torna legal a terapia com esta substância. Em Washington DC, uma organização chamada Decriminalize Nature (que advoga a favor de drogas que vêm de plantas, os enteógenos) conseguiu fazer aprovar uma iniciativa popular para a descriminalização de algumas drogas à base de plantas.

Longe de serem diabolizadas como nos anos 1960, estas substâncias ainda têm um longo caminho pela frente contra o preconceito. “Os anos 60 foram um momento muito invulgar da História”, admite Pollan. Foi uma década com modos e causas próprias que pessoas como Timothy Leary — uma das figuras de proa da defesa destas drogas nos anos 1960, tão controverso quanto elas — ajudaram a criar.

Em Portugal, este tipo de drogas (como as outras) estão descriminalizadas, mas não são legais. A psilocibina está, no entanto, a ser estudada em doentes com depressão resistente — quando os antidepressivos já não resultam — no centro Champalimaud, ao abrigo de um programa internacional da empresa Compass Pathways. Agora, fora das ruas e de volta aos laboratórios, estas drogas “radicais” parecem oferecer alternativas no campo da doença mental. “E Deus sabe como precisamos de alternativas”, salienta Pollan.

No seu livro fala um pouco dos ensaios médicos que estão a ser feitos com recurso à psilocibina. Em que estado está a investigação? O que está a acontecer neste mundo?
Desde que o livro saiu [em 2018] foram feitos vários estudos e os resultados foram muito encorajadores. Um deles, recente, é da Universidade Johns Hopkins e é um estudo sobre perturbação depressiva major. Os investigadores descobriram que duas sessões com psilocibina acompanhadas com psicoterapia eram mais eficientes do que apenas psicoterapia ou antidepressivos. Há vários estudos sobre a depressão a decorrer, mas este é o primeiro, que eu tenha tido conhecimento, que já foi publicado [numa revista científica] e acho-o muito importante. A investigação decorre e a única coisa que mudou desde que o livro saiu é que chegou muito dinheiro da filantropia para apoiar estas pesquisas. Há vários centros de estudo a começar nas universidades, como em Berkeley, onde ensino, em Yale, em Harvard. Para além da depressão, há estudos a decorrer para tratar a perturbação obsessivo-compulsiva, o stress pós-traumático, vários tipos de dependência (como alcoolismo e dependência de cocaína) e há ainda um estudo sobre distúrbios alimentares, como a anorexia.

Outra coisa que está a acontecer é uma mudança na opinião pública sobre estas substâncias. Em dois anos deixaram de ser vistas como drogas que podiam provocar dependência para passarem a ser um medicamento que até pode ajudar as pessoas. Isso é uma mudança radical de perspectiva. E vê-se nos projectos de iniciativa popular que foram aprovados no Oregon, em Columbia e noutros locais. A opinião pública sobre os psicadélicos mudou de forma dramática e é curioso que ainda não há oposição a este trabalho: estava à espera de ouvir dos psiquiatras do sistema, responsáveis governamentais ou até mesmo meios de comunicação de direita atacar a terapia com recurso aos psicadélicos, mas isso não aconteceu. Para mim, é muito interessante porque sugere duas coisas: que a área da saúde mental está desesperada por novas ferramentas e está mais aberta a abordagens pouco usuais do que pensava que estava; e que a guerra às drogas está a ficar sem combustível neste país, tal como no resto do mundo. Portugal está à frente dos EUA nisto, mas acho que há um reconhecimento geral de que as drogas são um problema de saúde pública e não um problema criminal.

Muitas destas substâncias não são novas, já existem há muitos anos. Substâncias como a psilocibina, que são naturais...
Existem há muitos anos sem que nos tenhamos apercebido para que serviam.

Ou mesmo o LSD, já o usamos há mais de 60 anos. No futuro, será possível usar estas substâncias de forma segura na medicina?
Parece-me que sim. Parece-me que estamos no bom caminho, neste momento, para ver a psilocibina a ser aprovada para o tratamento de várias doenças mentais, assim como a MDMA [ou ecstasy]. Talvez a MDMA até seja aprovada antes. A investigação sobre o LSD não está a acontecer nos EUA, mas está a acontecer na Suíça. E também há estudos sobre a ibogaína para tratar a dependência de opióides, que é um problema enorme neste momento. Podemos aguardar com expectativa o momento em que estas substâncias “radicais”, que são bastante antigas, façam parte da farmacopeia e se tornem numa das ferramentas dos psicoterapeutas, porque, até agora, estão mostrar-se superiores às ferramentas que já usávamos. É importante lembrar que estes testes ainda são em pequena escala e precisamos de mais pesquisa com amostras maiores, mas já conseguimos provar que funcionam, pelo menos em grupos pequenos. Também se provou que são seguros, que o potencial de dependência não é enorme, que não são viciantes e são relativamente não tóxicos — e não podemos dizer isso sobre os medicamentos que já usamos. Os inibidores selectivos de recaptação de serotonina [ou SSRI, um tipo de antidepressivos] têm muitos efeitos secundários e são viciantes. É muito difícil largá-los.

Estas substâncias têm o potencial de revolucionar os cuidados de saúde mental. Não foi ainda provado, mas há indícios suficientes para nos fazer investigar essa possibilidade, porque Deus sabe como precisamos de ferramentas novas. A saúde mental está em crise: as taxas de depressão e ansiedade estão a aumentar pelo mundo e a pandemia tornou as coisas ainda piores. As velhas ferramentas estão a falhar-nos. Os SSRI já não funcionam tão bem quanto funcionavam quando foram introduzidos, só funcionam pouco melhor do que um placebo e as pessoas não gostam de os tomar. Por isso acho que esta área está preparada para a mudança.

Normalmente, com este tipo de terapias tão disruptivas, há sempre algumas vozes que se levantam e dizem que são perigosas. Os governos ainda se lhe podem opor, mas acha que ainda temos de trabalhar a opinião pública para que aceite estas substâncias ou já avançámos para além disso?
Não, ainda não avançámos para além disso. Acho que muito poucas pessoas ouviram falar disto. As notícias andam por aí, ainda há potencial para uma reacção negativa, ainda há tempo para uma reacção política. Se a terapia começar no Oregon, o que acontece se o Governo federal disser que não e lutar contra isso? A população desse estado podia contrapor-se, mas iria politizar o campo inteiro, podendo ter-se uma reacção negativa.

Também há o potencial de as pessoas se poderem magoar. Estamos agora a testar a psilocibina em pessoas com depressão. Centenas e centenas de pessoas em todo o mundo vão receber esta substância porque há oito testes na Europa e outros oito nos EUA. Estas pessoas estão deprimidas, muitas delas podem mesmo tentar suicídio. Isto acontece com os antidepressivos muitas vezes — é até um dos riscos de tomar esses medicamentos — e ao deixá-los, aumenta-se essa probabilidade outra vez. Se isso acontecer com um psicadélico, vai alimentar uma velha narrativa sobre pessoas que se atiravam de prédios, que corriam em direcção ao trânsito e se matavam. Vai parecer muito mais assustador e pode causar uma má reacção. Acho que a opinião pública ainda não está bem informada. Está a mudar numa direcção positiva, mas se alguns políticos ou especialistas em saúde pública decidirem fazer campanha contra a terapia com psicadélicos isso pode mudar as coisas. E é uma das razões pelas quais acho que uma boa educação pública é muito importante.

Já me disse que seria praticamente seguro usar este tipo de substâncias...
Depende do contexto, claro. Não são universalmente seguras. Com supervisão, com atenção ao set e setting [ao estado psicológico e contexto com que são tomadas], são seguras e não há uma dose letal. Isso é espantoso, porque há poucos medicamentos que não tenham dose letal. Até o paracetamol tem uma dose letal e não é assim tão alta.

Claro, mas poderiam ser tomadas por todos? Seriam benéficas ou seguras para todos?
Os riscos físicos, quando usadas com responsabilidade, são bastante baixos, mas há riscos psicológicos. As pessoas em risco de esquizofrenia, por exemplo, às vezes têm um primeiro episódio de psicose devido aos psicadélicos. Não vemos ainda isto na investigação, mas sabemos que isto acontece no mundo, a partir dos dados de admissões nas urgências. As pessoas com problemas de saúde mental sérios não deviam tomar estas drogas sem a luz verde de um psiquiatra ou outro médico. Podem ter bad trips e podem acontecer-lhes coisas horríveis se estiverem sozinhos na rua e não num local seguro. Enfatizo sempre que estas drogas têm de ser usadas com um cuidado enorme, que não são para todos e que em grandes doses não se deve “viajar” sozinho. Estas substâncias devem ser tratadas com reverência e respeito pelo seu poder. Isto não é como fumar marijuana. É preferível ter um guia.

No livro, também refere que na utilização destas substâncias será melhor fazer algum tipo de terapia ou ter alguém com quem se possa falar sobre a experiência para lhe dar sentido.
É isso que faz um guia: não é um babysitter, é alguém que compreende e conhece o território por onde estás a viajar e sabe o que te dizer se estiveres em apuros. Porque não é incomum ter episódios mais sombrios ou assustadores quando se tomam psicadélicos. A questão é o que se faz com isso, como se responde a isso, e um bom guia pode ajudar-te a ultrapassar, só com uma palavra de preparação. Por exemplo, se vir uma coisa assustadora, como um animal ou um monstro, um guia diz para não fugir e abordá-lo, mas perguntar-lhe: “O que tens para me ensinar?” Um dos conselhos mais importantes que os guias dão é deixar-se levar e render-se à experiência. Vão dizer coisas como: “Se achar que está a morrer, morra. Não vai mesmo morrer.” Se lutar com o que se está a passar na sua mente, se lutar contra a dissolução do seu ego, as coisas podem tornar-se negativas.


Recuando um pouco até aos anos 1960: houve uma altura em os psicadélicos foram tomados como uma droga mainstream.
O LSD, a psilocibina e a mescalina foram legais nos EUA até ao final dos anos 1960 e foram usados em terapia e na ciência ao longo dos anos 60 — mas as drogas fugiram dos laboratórios a uma dada altura e tornaram-se parte da contracultura, ajudaram a dar-lhe forma. Os anos 60 foram um momento muito invulgar da História: tínhamos duas gerações diferentes em guerra. Os mais jovens estavam a afastar-se da sociedade e a formar a sua própria cultura, com todo o tipo de coisas: um conjunto diferente de comportamentos, drogas diferentes, formas diferentes de comer, de se vestir. Todos os aspectos da vida estavam a ser reinventados. E os mais velhos começaram a pensar que as responsáveis pela distância que sentiam dos mais jovens eram as drogas. O que estava a acontecer, julgo, é que os mais jovens estavam a ter um rito de passagem, a trip de ácido (que também estava a acontecer com psilocibina ou mescalina), que os fez questionar tudo. O Presidente Nixon acreditava que o LSD era parte da razão para isto estar a acontecer — e é possível que tivesse razão, mas apenas porque é uma experiência que te faz questionar tudo e que faz com que não se aceitem as coisas só porque sim. Era uma droga muito disruptiva que apenas uma parte da sociedade estava a experimentar. As pessoas mais velhas não faziam ideia do que isto era, o que contribuiu para esta brecha geracional.

E houve um momento em que tudo mudou.
Aconteceu perto de 1965 e viu-se de forma muito abrupta, com os media a debruçarem-se sobre as consequências mais terríveis de se usar psicadélicos: suicídios, acidentes, pessoas que acabavam em hospitais psiquiátricos... Preocupo-me que isso possa acontecer outra vez, embora agora haja uma diferença fundamental: as pessoas que tomam decisões na nossa sociedade, os editores de jornais, os governantes, quase todos usaram psicadélicos. O legado de Timothy Leary deu-nos uma geração de pessoas, os baby boomers, que não têm medo dos psicadélicos — pelo menos não da mesma forma que os seus pais tinham. Os psicadélicos já não são uma coisa da contracultura agora, estão a tornar-se um medicamento. Passei muito tempo a olhar para o exemplo dos anos 60, a tentar perceber o que se estava a passar — e uma coisa que se estava a passar é que tínhamos pessoas como o Timothy Leary que estavam a atormentar a cultura. Quando ele disse “Tune in, turn on, drop out” [“Sintoniza, liga e abandona”] — o “abandono” era assustador para os pais, eles não queriam os filhos a desistir. E os miúdos estavam a desistir: estavam a mudar-se para comunas, não queriam ir para a faculdade e seguir uma carreira.

É fácil pensar que tudo isto foi “culpa” de Timothy Leary, uma das figuras que mais defenderam os benefícios das drogas psicadélicas e o “homem mais perigoso da América”, segundo Nixon. Mas foi mesmo?
Foi e não foi. É demasiado simples culpá-lo por tudo. Ele era o símbolo do LSD para muitas pessoas, era o seu maior apoiante e encorajava as pessoas a tomá-lo. Mas não é responsável por nada do que aconteceu, não criou o LSD e até chegou tarde à festa — o LSD já estava a ser usado em Los Angeles fora do contexto médico no final dos anos 50. O papel Timothy Leary é misto: foi um pouco imprudente na forma como abordou os meios de comunicação, que se divertiam com ele, mas era uma pessoa muito bem-intencionada e um psicólogo bastante sério que estava a fazer investigação bastante interessante. As pessoas que trabalham com estas substâncias por vezes ganham um sentido exagerado do quão mágicas são: não curam só o indivíduo, podem curar toda a cultura. E esse salto entre tratar indivíduos e tentar curar toda uma cultura é um salto muito grande. Não sabemos tratar uma cultura com uma droga. Leary estava a entrar numa área muito confusa, mas é demasiado simples culpá-lo pelas reacções, apesar de certamente ter contribuído para elas.

Os anos 1960 também marcaram o ponto de viragem na investigação com psicadélicos... Depois dessa década já não existia: o financiamento tornou-se muito difícil, senão impossível.
E é uma tragédia: pensem no quanto poderíamos ter aprendido. A investigação pára no início dos anos 70 e não recomeça até ao final dos anos 90. Teve que ver com as reacções negativas, mas também com os investigadores, que não lutaram para continuar a trabalhar. Ficaram assustados. Os cientistas não gostam de ir contra a opinião pública ou contra o Governo, mas a investigação nunca foi banida: eles podiam ter continuado, se tivessem coragem nas suas convicções, mas não o fizeram. E por isso também merecem alguma da culpa.

Nos projectos de investigação mais recentes, de onde vem o financiamento?
Estão a ser financiados, principalmente, pela filantropia privada, ou seja, indivíduos ricos e algumas fundações. Nos EUA, a investigação médica é normalmente financiada pelo Instituto Nacional de Saúde (National Institute for Health ou NIH), mas penso que ainda olham para estas investigações como algo demasiado controverso. Por isso outras pessoas chegaram-se à frente. Em Silicon Valley, pessoas que fazem fortuna com software ou hardware; na Califórnia há alguns edge funds; em Nova Iorque algumas famílias tornaram-se financiadoras. Muito dinheiro, dezenas de milhares de dólares, mas foi tudo dinheiro privado. Algo que vai mudar: penso que o NIH vai começar a financiar este trabalho e acho que também iremos ver fundações grandes, que lidam com problemas de saúde mental, a chegar-se à frente nos próximos anos.

Regressando a uma questão anterior, outra das surpresas é que a indústria farmacêutica não está a lutar contra isto. Até agora, não tiveram papel nenhum nesta novela. Em teoria, as terapias com psilocibina ou MDMA são uma ameaça para estas empresas, que fazem fortuna a vender antidepressivos. Seria de pensar que eles estivessem a investigar formas de contrariar isto, mas não estão. Acho que querem ver se funciona e depois vão comprar uma empresa como a Compass Pathways, que já está actualmente no mercado. Vão entrar neste negócio, mas vai ser espinhoso porque estão habituados a fazer dinheiro a vender comprimidos e neste caso são só um ou dois comprimidos. Provavelmente vão tentar vender um pacote com psicoterapia.

Ao longo do livro fala um pouco do lado místico deste tipo de drogas. Acha que esse lado, associado às religiões (que, por exemplo, tomam ayahuasca), contribuiu de alguma forma para a reticência em estudar e usar este tipo de drogas na ciência?
Há muita hostilidade em relação à espiritualidade na ciência. Para alguns cientistas, o facto de as pessoas que trabalham com psicadélicos algumas vezes falarem da importância da experiência mística — e é isso que a droga faz, é proporcionar uma experiência mística — é algo desanimador, porque querem manter a ciência aqui e o misticismo ali. Eu não tenho medo de ir lá. Percebo os ângulos mortos da ciência e uma das coisas mais interessantes para mim foi conhecer cientistas como Roland Griffith, da Universidade Johns Hopkins, que era, ele mesmo, uma pessoa espiritual — sendo um cientista muito rigoroso — que queria estudar a experiência mística. O misticismo faz parte da experiência humana, é algo que os nossos cérebros estão programados para fazer, mas vejo que alguns investigadores escolhem não usar essa palavra, que substituem por “dissolução do ego”, uma frase freudiana para a mesma coisa.

Uma grande parte do livro é sobre a sua experiência com este tipo de drogas. Já tinha experimentado antes quando era mais novo? Que expectativas tinha para esta experiência?
Nunca tinha usado LSD antes. Podia ter usado quando estava no liceu ou na faculdade, mas tinha demasiado medo disso. Cheguei à idade adulta depois de terem surgido as reacções negativas, tinha apenas dez anos em 1965. Li toda a propaganda e acreditei em tudo — como não acreditar? Estava na revista Time e na Life. Eu não me aproximava dessas drogas e nem queria. Cheguei muito tarde aos psicadélicos e acho que foi útil, até certo ponto, porque são diferentes quando és mais velho, quando estás mais preso aos teus hábitos. Mesmo na segunda metade dos meus 50 anos, estava muito nervoso. Ainda tinha toda a bagagem cultural sobre os psicadélicos. Na noite anterior a todas as minhas aventuras não conseguia dormir, ficava nervoso, questionava se devia mesmo fazê-lo.

Já se passaram pelo menos dois anos desde as suas experiências. A sua opinião sobre elas mudou durante este período? Continuam a ser positivas
Aprendi muito a partir das minhas experiências e não as trocava por nada. Acho que são uma parte importante da minha biografia: aprendi coisas sobre mim próprio e sobre as minhas relações, aprendi coisas sobre a natureza e acho que me deixaram mais confortável na minha pele. É um exercício muito útil, a maioria de nós vive a vida sem parar para pensar até ter uma crise. Isto é uma espécie de meditação forçada de grande profundidade — é uma viagem ao interior da tua mente. Eu descrevo a experiência da dissolução do ego, ou seja, da minha percepção de mim mesmo, que foi uma experiência fascinante. Já não existia enquanto eu, mas conseguia estar consciente do mundo e do ambiente, o que me fez ter alguma perspectiva sobre o meu ego. Agora sei que não sou idêntico ao meu ego, não tenho de ouvir sempre. E quando esta parede vem abaixo há um sentido de fusão maravilhoso com algo maior do que nós próprios. Eu fundi-me com uma música — uma suíte de Bach para violoncelo — mas tive outros momentos em que me senti parte das plantas no meu jardim. O encerramento dessa distância entre o sujeito e o objecto é uma experiência muito interessante e, na minha opinião, prazerosa. O próprio acto de me render ao que se estava a passar... É por si uma lição de vida: lutar contra o que se está a passar nem sempre é a melhor opção.

O que o motivou a escrever este livro? Foi o querer experimentar este tipo de drogas e escrever uma espécie de diário ou partiu de uma tentativa de fazer um “estado da arte” da investigação?
Comecei com a pesquisa. Antes de escrever este livro, escrevi um artigo para a New Yorker em que entrevistei pessoas que fizeram parte destas experiências — tanto na Universidade de Nova Iorque quanto na Johns Hopkins. E as histórias que me contavam eram incríveis. Histórias de transformação pessoal, de descoberta — eu fiquei com inveja. Também queria ter esse tipo de experiência. A certo ponto percebi que não podia escrever um livro sobre isto sem ter esta experiência. Estaria uma grande peça do puzzle em falta. Enquanto jornalista, esta é a forma que gosto de escrever: faço aquilo a que chamamos “jornalismo de imersão”. Já fiz isto com outros tópicos: quando escrevi sobre a indústria do gado, comprei uma vaca e segui todo o processo. Era claro para mim, para o meu editor e para a minha esposa que se eu ia escrever este livro, os meus leitores esperariam que eu tivesse esta experiência. Comecei nisto por razões jornalísticas e literárias, mas tornou-se pessoal depois disso.

Qual é a sua posição sobre a legalização e descriminalização deste tipo de substâncias?
Não acho que ninguém deva ir preso pela posse de algo como “cogumelos mágicos”, nem pelo cultivo ou por oferecer como presente. Não acho que devamos comercializá-los — e é por aí que nos leva a legalização, como fizemos com a cannabis, que criou um marketing muito agressivo. Quando chego a Berkeley, na Ponte de São Francisco, há cartazes a fazer publicidade à distribuição de marijuana: “Ligue-nos do seu carro e vamos ter consigo a casa.” Eu acho que os psicadélicos não deviam vender-se assim; seria perigoso. O tipo de legalização que poderá acontecer para a medicina está bem, mas acho que também temos de descobrir uma forma de tornar estas substâncias disponíveis às pessoas que não estão doentes: elas têm valor para pessoas que estão sãs, mas querem explorar o seu lado espiritual ou querem resolver problemas, da mesma forma que pessoas que não têm doenças mentais vão a psicólogos e psicanalistas para lidar com neuroses, ultrapassar maus hábitos ou relações problemáticas. Essas pessoas também devem ter acesso aos psicadélicos, mas de uma forma regulada, num ambiente com profissionais e não usados de uma forma casual.

Nas culturas tradicionais que já usavam psicadélicos, como os ameríndios que usavam peiote ou ayahuasca na América do Sul, há sempre uma cerimónia, um contentor cultural. Há sempre um ancião, alguém com muita experiência que guia e há uma intenção clara — saúde (física ou mental) ou visitar os mortos. Não estão a fazer nada por divertimento. Esses podem não ser motivos apropriados para nós, ocidentais seculares, mas precisamos de inventar um contentor. Temos um contentor médico agora, mas para aqueles de nós que não fazem parte de uma religião e não têm um diagnóstico de doença mental, precisamos de inventar outro contentor e isso é um trabalho cultural muito importante que ainda não aconteceu. Mas estou entusiasmado para ver o que vai acontecer.