14.12.20

RSI é o fim da linha, mas terá futuro após pandemia?

Maria Caetano, in Dinheiro Vivo

A prestação mais estigmatizada da Segurança Social faz 25 anos em 2021. Na última crise, acudiu a dezenas de milhares, mas agora mal mexeu.

Não chega para tirar ninguém da pobreza, mas marca o limite da destituição considerada aceitável no país: 189,66 euros. É o valor do Rendimento Social de Inserção (RSI), para um indivíduo sem família, quando cai no grupo dos mais pobres entre os pobres. Há hoje quase 99 mil famílias que dependem da prestação, com mais de 211 mil pessoas, numa gota entre os mais de 1,7 milhões de portugueses pobres. As famílias com RSI subiram 5% desde fevereiro, véspera da chegada da pandemia.

Em oito meses de queda profunda no PIB, desde fevereiro, apenas mais 4731 famílias ficaram na dependência do RSI, para um total de 98 760. Pelo meio, houve mesmo uma descida, em Outubro, com menos 311 famílias face a setembro. O valor médio era de 262,12 euros por casa.

Nesta subida limitada dos beneficiários devido à pandemia, que compara com um máximo de 159 mil famílias em 2010, Lisboa contribuiu com mais duas mil famílias para o aumento. Mas Algarve, com mais 720 famílias, teve a maior subida relativa, de 28%. Leiria teve também mais 22%. Já Açores, Aveiro e Guarda viram os números recuar.

O Observatório de Luta contra a Pobreza da cidade de Lisboa notou o aumento do número de beneficiários na capital. Mas, "provavelmente, outro tipo de prestações, e nomeadamente os apoios às próprias empresas, como o lay-off, tem servido de almofada para que as prestações não tenham disparado", diz a socióloga Sónia Costa.
Embate retardado

Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores com trabalho continuado na área da pobreza e do RSI, reflete o mesmo. A rede de apoios de emergência que foi sendo tecida para suster rendimentos, por um lado, e as prestações de desemprego - com subsídio social de desemprego flexibilizado - "impedem os indivíduos de reunirem as condições para poderem beneficiar do RSI", já que "muito facilmente a existência de um rendimento tem esse efeito".

É a leitura também de Paulo Pedroso, antigo Ministro da Segurança Social, e que esteve há mais de duas décadas por trás do lançamento do RSI. Junta outro facto: parte das medidas trazidas pela troika, que em 2012 restringiram fortemente o acesso ao RSI, nunca chegou a ser revertida. É o caso dos membros de agregado considerados para efeitos de rendimento no acesso ao RSI, e que se estendem a parentes distantes até ao 3º grau e afins, se viverem em comum.

Além disso, apesar de alguma simplificação nos procedimentos de acesso neste ano (dispensa de contrato de inserção, e consideração da perda de rendimentos imediatamente anterior ao pedido), o RSI é visto como baixo e pouco ágil para acudir à emergência, aponta a economista Susana Peralta, da Nova SBE. ." É uma coisa burocrática, pesada, demorada. Há ainda o facto de ser obrigatório renová-lo anualmente, além de ser, já agora, um apoio muito pouco generoso".

Chegar ao apoio exige passar por uma verificação apertada de todos os rendimentos da família: dos valores de contas bancárias a imóveis, passando por outras prestações. "É mesmo só para os mais pobres entre os pobres", sublinha o sociólogo Fernando Diogo.

O prolongamento dos apoios de emergência que têm afastado as famílias da necessidade do RSI ficou assegurado no Orçamento de 2021, que mantém medidas de lay-off até setembro e traz o novo Apoio Extraordinário ao Rendimentos do Trabalhadores para substituir as prestações criadas na primeira hora. Assim, será só em 2022 que o embate da pandemia se poderá sentir no RSI.

"Grande parte das pessoas que vêm para o RSI vêm do fim do subsídio social do desemprego", nota Paulo Pedroso. Até dezembro, este continuará a ser renovado automaticamente. A seguir, quem o perder poderá ter o novo apoio. E depois? A pressão chegará ao RSI "se não houver nenhuma alteração da legislação sobre proteção no desemprego e se desaparecer o subsídio para informais". "Nessa altura, ou temos uma economia vibrante que as reabsorve, ou teremos estas pessoas a aparecerem no RSI".
Achatar a curva

Com várias instituições internacionais a assinalarem o aumento das desigualdades na pandemia, do Fundo Monetário Internacional à Organização Internacional do Trabalho, o RSI poderá ser a prestação que, mais uma vez, mas retardadamente, vai acudir a quem chega ao fim da crise no limite da pobreza. Mas, já hoje a prestação é vista como demasiado baixa pela Comissão Europeia, e merece críticas, desde logo, por quem a lançou. "Para voltar a ter a função que é devida, o RSI precisaria de ter um nível financeiro superior", diz Paulo Pedroso, notando a arbitrariedade com que são definidos os valores.

"Devíamos ter uma linha de pobreza para definir quem é pobre, e se achamos que quem vive abaixo desse rendimento é pobre devíamos desenhar os apoios sociais com base nessa linha de pobreza", concorre Susana Peralta.

O RSI vale menos de metade (43,6%) do indexante de apoios sociais (IAS), a medida das prestações sociais. E, se o IAS deve ser atualizado anualmente, em 13 anos de existência passou sete deles congelado. Novamente, em 2021, ficará estagnado devido à ausência de inflação e de crescimento. Por outro lado, o IAS, nos 438,81 euros, continua abaixo do limiar da pobreza, nos 501 euros.

Paulo Pedroso diz que é preciso discutir a prestação, que no próximo ano completa um quarto de século, e admite mesmo o seu fim. "Não me chocaria que imaginássemos um outro desenho em que tivéssemos uma prestação de cidadania básica para todas categorias".

Poderá ser uma das opções na proposta da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. A ser preparada por uma comissão designada em outubro com prazo até 15 de dezembro, prevê "repensar o sistema de mínimos sociais, reforçando os apoios do Estado aos grupos mais desfavorecidos, garantindo a universalidade da sua cobertura e dando um novo impulso à economia social, em nome da igualdade de oportunidades".

Para Pedroso, tal como as infraestruturas terão um plano para a década, será essencial pensar no futuro do Estado Social a dez anos, com medidas estruturais de resposta à pandemia, para além dos apoios extraordinários e com validade até ao termo de 2021.

"Se não houver nenhuma medida estrutural, estamos nas políticas sociais a fazer o mesmo que na política de saúde: a achatar a curva. Mas aqui é uma curva descendente. Estamos a impedir que as pessoas caiam nos rendimentos tão depressa como cairiam. Mas estão a cair. É de esperar que a nossa linha de pobreza desça, que o rendimento mediano desça. Mas, mesmo descendo, é de esperar que haja mais pessoas abaixo da linha de pobreza. E, se as prestações não são reformadas para acompanhar isto, à medida que forem saindo estes tampões que são estas medidas temporárias as pessoas vão ter quedas abruptas. Podemos voltar a ter um agravamento da pobreza", alerta o sociólogo.

Mas há quem esteja pessimista com os efeitos da crise e devido ao crescimento da política populista. Para Fernando Diogo, "é muito possível que assim que a crise passar esta volte a impor um novo emagrecimento do Estado Social", limitando-se assim qualquer reforço de apoios para quem chega ao fim da linha da pobreza.