Por P. Armando Soares, in Jornal da Madeira
1.Numa mensagem para a 108.ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho (da OIT), que decorreu em Genebra, de 10 a 21 deste mês de junho, e divulgada no dia 26 na Vatican News, o Papa Francisco salienta a necessidade de “pessoas e instituições defenderem a dignidade dos trabalhadores, a dignidade do trabalho de todos e o bem-estar da terra”, perante ameaças “graves” como o “desemprego, a exploração, o trabalho escravo e os salários exíguos” que ainda persistem, “apesar dos esforços para construir a paz e a justiça social”.
O Papa argentino enumera três pontos que não podem deixar de estar garantidos, “os três T’s”, como refere no texto: terra, teto e trabalho; e acrescenta ainda outras três vertentes: “tradição, tempo e tecnologia”.
Os primeiros T’s dizem respeito a questões como o direito à terra, à habitação e ao emprego digno, os segundos estão relacionados com a “revolução tecnológica” que está em marcha e que tem tido implicações diretas no mundo laboral, com a crescente digitalização e robotização do trabalho.
2.Nos dias 8 e 9 de Junho de 2019, realizou-se em Fátima, o XVII Congresso Nacional da Liga Operária Católica/ Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC). Presentes cerca de 180 participantes, nacionais e internacionais. Lema: “Dignificar o Trabalho na Era Digital”.
D. José Traquina, Bispo de Santarém e membro do Secretariado Nacional do Apostolado dos Leigos e Família, desafiou a LOC/MTC a manter a coragem e a fidelidade ao Evangelho, e lembrou palavras do Papa Francisco: “o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal” e o “verdadeiro objetivo deve ser sempre consentir uma vida digna através do trabalho” (Laudato Si, 128). Frisou bem que muitos trabalhadores têm um salário que não chega para terem uma vida condigna.
Com efeito, em Portugal, a pobreza persiste mesmo entre trabalhadores empregados: muitas empresas estão a fazer do salário mínimo o salário habitual, o qual não permite ao agregado familiar viver dignamente.
O Dr. Carlos Costa Gomes, professor da Universidade Católica do Porto, acentuou que os avanços tecnológicos continuam a crescer. O importante, no entanto, é que as pessoas continuem a ser pessoas. E como Jesus Cristo afirmou em relação ao sábado, também “a tecnologia foi feita para o homem e não o homem para a tecnologia”.
3.Portugal gastou menos e foi mais pobre do que a média da UE em 2018. Em ambos os indicadores, o país ficou a meio da tabela, entre os 28 Estados-membros, divulgou no dia 19/06, o Eurostat.
As Comissões Justiça e Paz das dioceses e institutos religiosos em Portugal alertaram, no dia 24/6, para a persistência de altos níveis de pobreza no país.
Referem: “Não podemos ignorar ou desvalorizar a problemática da pobreza na sociedade portuguesa”. “Apesar da diminuição do desemprego, persiste a pobreza mesmo entre trabalhadores empregados”, pode ler-se.
Citam dados do INE, segundo os quais, em finais de 2018, 21,6% da população portuguesa se encontrava “em risco de pobreza ou exclusão social”.
As Comissões denunciam “velhas e novas formas de pobreza”, e a “marginalização dos pobres”.
4.Portugal é o quarto país europeu com o maior nível de pobreza energética. A conclusão é apontada no primeiro estudo à escala europeia sobre o problema, realizado pela consultora Open Exp.
A associação ambientalista Zero, sua parceira na divulgação do estudo, sublinha que há muito trabalho a fazer: “Somos dos países onde se verifica um pior isolamento das habitações e que acaba por não conseguir manter as temperaturas ideais durante as estações extremas. Morre-se de frio durante o inverno (..) e no verão, não temos capacidade de arrefecimento”, disse Francisco Ferreira, presidente da Zero, em declarações à TSF.
Na energia, as casas portuguesas são das mais pobres da Europa.
Mostrar mensagens com a etiqueta Working poor. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Working poor. Mostrar todas as mensagens
12.9.17
Trabalhar não chega. Um em cada dez trabalhadores na UE em risco de pobreza
in ECO
Segundo o estudo In-work poverty in the EU, elaborado pela Eurofound, um em cada dez trabalhadores na União Europeia encontra-se em risco de pobreza e 13% não tem acesso a bens domésticos básicos.
Um em cada dez trabalhadores na UE encontra-se em situação de risco de pobreza e 13% não tem acesso a bens domésticos básicos, assegura o estudo (In-work poverty in the EU) publicado em Dublin na terça-feira pela a Eurofound (Fundação Europeia para o Melhoramento das Condições de Vida e Trabalho).
Para além disto, o relatório da Eurofound contabilizou que apenas 5% dos trabalhadores em regime de full-time entram na categoria de trabalhador em situação de pobreza, enquanto 29% dos trabalhadores em part-time involuntário e 25% dos trabalhadores independentes se enquadram nesta categoria.
Não basta criar mais empregos. Têm de ser bons
Através destes dados, o estudo aponta para um forte relação entre o modelo contratual e a situação de pobreza dos trabalhadores, alertando por isso para a importância de todos os trabalhadores terem o mesmo acesso a proteção social independentemente da natureza do seu vínculo laboral.
Como medida de prevenção adicional para abordar esta problemática, o estudo da Eurofound aconselha a prestar não só atenção ao salário mínimo como pilar fundamental de qualquer modelo de proteção social como também a verificar o montante respeitante ao rendimento mínimo de um agregado familiar, por forma a perceber melhor a situação real dos trabalhadores. Alerta também para a necessidade de criar medidas para facilitar a transição entre trabalhos, nomeadamente o fornecimento de apoio financeiro.
O que é um bom salário em Portugal?
As consequências desta situação de precariedade, diz o relatório, vão para além de uma questão material: “Estar na categoria de trabalhador em situação de pobreza está associado a vários problemas sociais, incluindo níveis baixos de bem-estar subjetivo e mental, problemas com o ambiente doméstico, más relações e sentimentos de exclusão social”.
No que diz respeito à posição dos governos, um relatório de 2010 da mesma instituição indicava que, à exceção da Bulgária, Chipre, Alemanha, Irlanda e Reino Unido, nenhum estado-membro teve esta problemática como prioridade na sua agenda. Em vez disso, muitos canalizaram os seus esforços para o problema social do combate ao desemprego. Hoje em dia, o atual relatório apurou que o assunto se mantém fora das prioridades, sendo que os governos estão apenas focados em combater a pobreza em termos gerais.
Segundo o estudo In-work poverty in the EU, elaborado pela Eurofound, um em cada dez trabalhadores na União Europeia encontra-se em risco de pobreza e 13% não tem acesso a bens domésticos básicos.
Um em cada dez trabalhadores na UE encontra-se em situação de risco de pobreza e 13% não tem acesso a bens domésticos básicos, assegura o estudo (In-work poverty in the EU) publicado em Dublin na terça-feira pela a Eurofound (Fundação Europeia para o Melhoramento das Condições de Vida e Trabalho).
Para além disto, o relatório da Eurofound contabilizou que apenas 5% dos trabalhadores em regime de full-time entram na categoria de trabalhador em situação de pobreza, enquanto 29% dos trabalhadores em part-time involuntário e 25% dos trabalhadores independentes se enquadram nesta categoria.
Não basta criar mais empregos. Têm de ser bons
Através destes dados, o estudo aponta para um forte relação entre o modelo contratual e a situação de pobreza dos trabalhadores, alertando por isso para a importância de todos os trabalhadores terem o mesmo acesso a proteção social independentemente da natureza do seu vínculo laboral.
Como medida de prevenção adicional para abordar esta problemática, o estudo da Eurofound aconselha a prestar não só atenção ao salário mínimo como pilar fundamental de qualquer modelo de proteção social como também a verificar o montante respeitante ao rendimento mínimo de um agregado familiar, por forma a perceber melhor a situação real dos trabalhadores. Alerta também para a necessidade de criar medidas para facilitar a transição entre trabalhos, nomeadamente o fornecimento de apoio financeiro.
O que é um bom salário em Portugal?
As consequências desta situação de precariedade, diz o relatório, vão para além de uma questão material: “Estar na categoria de trabalhador em situação de pobreza está associado a vários problemas sociais, incluindo níveis baixos de bem-estar subjetivo e mental, problemas com o ambiente doméstico, más relações e sentimentos de exclusão social”.
No que diz respeito à posição dos governos, um relatório de 2010 da mesma instituição indicava que, à exceção da Bulgária, Chipre, Alemanha, Irlanda e Reino Unido, nenhum estado-membro teve esta problemática como prioridade na sua agenda. Em vez disso, muitos canalizaram os seus esforços para o problema social do combate ao desemprego. Hoje em dia, o atual relatório apurou que o assunto se mantém fora das prioridades, sendo que os governos estão apenas focados em combater a pobreza em termos gerais.
22.1.14
Crise causou aumento significativo da pobreza entre a população ativa
in Jornal de Notícias
A crise económica na Europa fez aumentar significativamente a pobreza entre a população ativa, e não apenas entre os desempregados, sublinha o relatório anual sobre a evolução do emprego e situação social na Europa, divulgado em Bruxelas.
O relatório, apresentado pelo comissário europeu do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, László Andor, adverte que "uma redução gradual dos níveis de desemprego pode não ser suficiente para inverter esta situação caso se mantenha a polarização salarial, nomeadamente em resultado do aumento do trabalho a tempo parcial".
Segundo o documento, que faz uma análise à evolução do mercado de trabalho no conjunto da União Europeia, fica demonstrado que "só em metade dos casos um emprego pode ajudar as pessoas a saírem de situações de pobreza, na medida em que muito depende do tipo de trabalho que o indivíduo encontra, mas também da composição do seu agregado familiar e da situação profissional do parceiro".
"Temos de prestar atenção não apenas à criação de empregos, mas também à qualidade desses empregos, de modo a que a recuperação seja sustentável e possa não só reduzir o desemprego mas também a pobreza", defendeu por isso o comissário Andor.
De acordo com o relatório -- que inclui dados até 2012 --, a taxa de risco de pobreza entre a população ativa (dos 18 aos 64 anos) subiu dois pontos percentuais ao longo dos últimos quatro anos, com aumentos em 21 dos 28 Estados-membros, incluindo Portugal (subiu de 15,8% para 16,9% entre 2008 e 2012), sendo que um terço dos adultos em risco de pobreza na UE têm emprego.
O documento assinala que, em Portugal, a pobreza entre a população ativa já era elevada antes e durante a crise, "e é previsível que aumente ainda mais", pelo facto de as condições no mercado de trabalho terem vindo a deteriorar-se desde 2010.
Por outro lado, o relatório revela ainda que, "contrariamente ao que se possa pensar, em situações iguais, as pessoas que recebem prestações de desemprego têm maiores probabilidades de encontrar trabalho do que as que não beneficiam destas prestações".
"Os desempregados que não recebem prestações de desemprego têm menos probabilidades de encontrar trabalho porque não estão tão expostos a medidas de ativação e não são obrigados a procurar emprego para poderem beneficiar das prestações", indica.
A crise económica na Europa fez aumentar significativamente a pobreza entre a população ativa, e não apenas entre os desempregados, sublinha o relatório anual sobre a evolução do emprego e situação social na Europa, divulgado em Bruxelas.
O relatório, apresentado pelo comissário europeu do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, László Andor, adverte que "uma redução gradual dos níveis de desemprego pode não ser suficiente para inverter esta situação caso se mantenha a polarização salarial, nomeadamente em resultado do aumento do trabalho a tempo parcial".
Segundo o documento, que faz uma análise à evolução do mercado de trabalho no conjunto da União Europeia, fica demonstrado que "só em metade dos casos um emprego pode ajudar as pessoas a saírem de situações de pobreza, na medida em que muito depende do tipo de trabalho que o indivíduo encontra, mas também da composição do seu agregado familiar e da situação profissional do parceiro".
"Temos de prestar atenção não apenas à criação de empregos, mas também à qualidade desses empregos, de modo a que a recuperação seja sustentável e possa não só reduzir o desemprego mas também a pobreza", defendeu por isso o comissário Andor.
De acordo com o relatório -- que inclui dados até 2012 --, a taxa de risco de pobreza entre a população ativa (dos 18 aos 64 anos) subiu dois pontos percentuais ao longo dos últimos quatro anos, com aumentos em 21 dos 28 Estados-membros, incluindo Portugal (subiu de 15,8% para 16,9% entre 2008 e 2012), sendo que um terço dos adultos em risco de pobreza na UE têm emprego.
O documento assinala que, em Portugal, a pobreza entre a população ativa já era elevada antes e durante a crise, "e é previsível que aumente ainda mais", pelo facto de as condições no mercado de trabalho terem vindo a deteriorar-se desde 2010.
Por outro lado, o relatório revela ainda que, "contrariamente ao que se possa pensar, em situações iguais, as pessoas que recebem prestações de desemprego têm maiores probabilidades de encontrar trabalho do que as que não beneficiam destas prestações".
"Os desempregados que não recebem prestações de desemprego têm menos probabilidades de encontrar trabalho porque não estão tão expostos a medidas de ativação e não são obrigados a procurar emprego para poderem beneficiar das prestações", indica.
23.1.13
397 milhões de trabalhadores vivem em pobreza extrema
Lucília Tiago, in Dinheiro Vivo
A taxa de trabalhadores pobres continua a diminuir, a nível mundial, mas a um ritmo inferior ao observado em crises económicas anteriores. Segundo a Organização internacional do Trabalho, em 2012 contavam-se pelo menos 397 milhões de trabalhadores a viver em pobreza extrema.
A este número há ainda a juntar cerca de 472 milhões de pessoas que apesar de estarem empregadas não têm rendimento suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas.
No seu relatório sobre "Tendências de emprego em 2013", agora divulgado, a OIT observa ainda que esta crise económica está a provocar uma subida do emprego informal, especialmente nas chamadas economias de transição na Europa de Leste e Ásia Central.
Tudo isto faz com que o emprego vulnerável tenha mais dificuldade em diminuir.
A taxa de trabalhadores pobres continua a diminuir, a nível mundial, mas a um ritmo inferior ao observado em crises económicas anteriores. Segundo a Organização internacional do Trabalho, em 2012 contavam-se pelo menos 397 milhões de trabalhadores a viver em pobreza extrema.
A este número há ainda a juntar cerca de 472 milhões de pessoas que apesar de estarem empregadas não têm rendimento suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas.
No seu relatório sobre "Tendências de emprego em 2013", agora divulgado, a OIT observa ainda que esta crise económica está a provocar uma subida do emprego informal, especialmente nas chamadas economias de transição na Europa de Leste e Ásia Central.
Tudo isto faz com que o emprego vulnerável tenha mais dificuldade em diminuir.
18.6.12
O trabalho "deixou de proteger as pessoas" da pobreza
Por Natália Faria, in Público on-line
O trabalho deixou de constituir uma protecção contra a pobreza, tendo-se transformado num mecanismo de aprofundamento das desigualdades sociais".
A prova disto, sustenta o sociólogo Agostinho Rodrigues Silvestre, é que 12% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza em 2010.
Que o número de trabalhadores pobres tem vindo a aumentar mostra-o também o facto de 16% das pessoas que em 2011 usufruíram do Rendimento Social de Inserção (35.015) terem acumulado aquele subsídio com rendimentos do trabalho. Numa altura de precariedade generalizada, estes indicadores denotam que o trabalho está a deixar de ser veículo de emancipação e, mais do que isso, "a necessidade de as sociedades se reorganizarem para deixarem de ter no trabalho a primordial fonte de rendimento dos cidadãos", defende Agostinho Rodrigues Silvestre, na comunicação que vai apresentar durante o VII Congresso Português de Sociologia, de quarta a sexta-feira próximas no Porto.
Com um painel sobre crise e perspectivas políticas que juntará o ex-Presidente da República Mário Soares e o ex-líder da CGTP Carvalho da Silva, o congresso vai juntar centenas de sociólogos, contando com uma sessão temática dedicada à economia, trabalho e precariedade. Nela, Agostinho Silvestre basear-se-á nos indicadores portugueses para sustentar que, pesem embora os esforços para preservar a ética do trabalho e as tentativas de encontrar novas jazidas de emprego, nomeadamente no sector social, as sociedades não mais voltarão a ser de pleno emprego.
"O desemprego em Portugal cresceu de uma forma consistente entre 2000 e 2010, ou seja, numa década passou de 4% para 11% e o que a crise veio fazer foi apenas agudizar essa tendência", observa. "O que isto nos mostra é que o modo como as sociedades se organizaram a partir da revolução industrial, mas sobretudo a partir da II Guerra Mundial - em que o trabalho se consolidou como princípio organizador da vida individual e colectiva e foi proclamado como referência identitária e medida das permutas sociais - vai ter que sofrer uma profunda transformação".
Dito doutro modo, a subsistência dos indivíduos terá que ser desligada do trabalho. "O próprio sistema de protecção social está muito ligado à posição que o indivíduo ocupa no sistema produtivo e a ideia que tem vindo a ganhar consistência, nalguns movimentos intelectuais e nalgumas linhas de investigação, é que esta lógica terá que ser substituída por aquilo a que se tem chamado rendimento médio de cidadania, a atribuir a cada cidadão independentemente da posição que este ocupa no sistema produtivo".
De onde viria o dinheiro? "Por via de uma reformulação total do sistema de Segurança Social, isto é, pela canalização dos recursos afectos a abonos de família, reformas, etecetera, para esse rendimento médio. É uma ideia polémica, mas há cálculos que demonstram que 80% do que se gasta hoje com essa proliferação de apoios chegariam para pagar a todos os cidadãos com mais de 18 anos esse rendimento médio, cujo valor teria que ser discutido, não ao nível de Portugal ou Espanha, mas de toda a Europa e até do mundo ocidental", admite o sociólogo.
Considera que, independentemente do que vier a seguir, o que o Estado não pode, numa altura em que a precariedade laboral se generalizou, é continuar a atirar o ónus do desemprego para as costas dos cidadãos: "O Estado põe no indivíduo a responsabilidade de procurar emprego, o que, numa altura em que o trabalho entrou em desordem mas continua a habitar a ordem social, pode significar forçar os cidadãos a procurar uma coisa que não existe".
O trabalho deixou de constituir uma protecção contra a pobreza, tendo-se transformado num mecanismo de aprofundamento das desigualdades sociais".
A prova disto, sustenta o sociólogo Agostinho Rodrigues Silvestre, é que 12% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza em 2010.
Que o número de trabalhadores pobres tem vindo a aumentar mostra-o também o facto de 16% das pessoas que em 2011 usufruíram do Rendimento Social de Inserção (35.015) terem acumulado aquele subsídio com rendimentos do trabalho. Numa altura de precariedade generalizada, estes indicadores denotam que o trabalho está a deixar de ser veículo de emancipação e, mais do que isso, "a necessidade de as sociedades se reorganizarem para deixarem de ter no trabalho a primordial fonte de rendimento dos cidadãos", defende Agostinho Rodrigues Silvestre, na comunicação que vai apresentar durante o VII Congresso Português de Sociologia, de quarta a sexta-feira próximas no Porto.
Com um painel sobre crise e perspectivas políticas que juntará o ex-Presidente da República Mário Soares e o ex-líder da CGTP Carvalho da Silva, o congresso vai juntar centenas de sociólogos, contando com uma sessão temática dedicada à economia, trabalho e precariedade. Nela, Agostinho Silvestre basear-se-á nos indicadores portugueses para sustentar que, pesem embora os esforços para preservar a ética do trabalho e as tentativas de encontrar novas jazidas de emprego, nomeadamente no sector social, as sociedades não mais voltarão a ser de pleno emprego.
"O desemprego em Portugal cresceu de uma forma consistente entre 2000 e 2010, ou seja, numa década passou de 4% para 11% e o que a crise veio fazer foi apenas agudizar essa tendência", observa. "O que isto nos mostra é que o modo como as sociedades se organizaram a partir da revolução industrial, mas sobretudo a partir da II Guerra Mundial - em que o trabalho se consolidou como princípio organizador da vida individual e colectiva e foi proclamado como referência identitária e medida das permutas sociais - vai ter que sofrer uma profunda transformação".
Dito doutro modo, a subsistência dos indivíduos terá que ser desligada do trabalho. "O próprio sistema de protecção social está muito ligado à posição que o indivíduo ocupa no sistema produtivo e a ideia que tem vindo a ganhar consistência, nalguns movimentos intelectuais e nalgumas linhas de investigação, é que esta lógica terá que ser substituída por aquilo a que se tem chamado rendimento médio de cidadania, a atribuir a cada cidadão independentemente da posição que este ocupa no sistema produtivo".
De onde viria o dinheiro? "Por via de uma reformulação total do sistema de Segurança Social, isto é, pela canalização dos recursos afectos a abonos de família, reformas, etecetera, para esse rendimento médio. É uma ideia polémica, mas há cálculos que demonstram que 80% do que se gasta hoje com essa proliferação de apoios chegariam para pagar a todos os cidadãos com mais de 18 anos esse rendimento médio, cujo valor teria que ser discutido, não ao nível de Portugal ou Espanha, mas de toda a Europa e até do mundo ocidental", admite o sociólogo.
Considera que, independentemente do que vier a seguir, o que o Estado não pode, numa altura em que a precariedade laboral se generalizou, é continuar a atirar o ónus do desemprego para as costas dos cidadãos: "O Estado põe no indivíduo a responsabilidade de procurar emprego, o que, numa altura em que o trabalho entrou em desordem mas continua a habitar a ordem social, pode significar forçar os cidadãos a procurar uma coisa que não existe".
Subscrever:
Mensagens (Atom)