14.9.07

"Não podemos transformar a ilegalidade na normalidade"

Teresa de Sousa, in Jornal Público

O vice-presidente da Comissão, responsável pela Justiça e Assuntos Internos, está em Lisboa numa conferência sobre imigração legal


Franco Frattini insiste na necessidade de criar melhores condições para atrair mão-de-obra altamente qualificada e de negociar com os países de origem formas de controlar a imigração clandestina.

PÚBLICO - Há uma contradição de base na atitude da Europa em relação à imigração. Por um lado, há a consciência de que precisará de muitos mais imigrantes por causa do envelhecimento da sua população; por outro, as leis nacionais são restritivas, as condições endurecem. Como é que se sai daqui?

FRANCO FRATTINI - Algumas das reticências dos Estados-membros resultam do facto de temerem que Bruxelas queira estabelecer o número de imigrantes que têm de aceitar. Evidentemente que não é este o caso. Esse número depende das necessidades do mercado de trabalho de cada país. Mas cabe a Bruxelas melhorar as condições e a burocracia para os que querem vir.

Atribuo particular importância aos trabalhadores altamente qualificados, porque aí há uma verdadeira competição internacional, com os EUA, Canadá e Austrália, que são muito atractivos. A ideia é favorecer a entrada dos que têm profissões que são necessárias à Europa e criar as condições para que, por exemplo, um engenheiro indiano que quer trabalhar numa indústria tecnológica no meu país não tenha de partir do zero se quiser responder a uma oferta de uma indústria de Copenhaga com as regras dinamarquesas. Foi por isso que propusemos o bluecard [a Comissão apresenta formalmente a sua proposta a 23 de Outubro] para favorecer este movimento, que é renovável e que talvez vá também ajudar a promover o regresso ao país de origem.
Isso não responde à questão da necessidade de mais imigrantes.

As políticas são restritivas, é verdade, e a nossa tendência é sempre para pensar em função do número de trabalhadores necessários neste ou naquele país. A mim compete-me harmonizar as regras e evitar o efeito de atracção dos países mais favoráveis. E não devemos encorajar a fuga de cérebros dos países mais pobres.

Mas é isso que estão a fazer exactamente, não lhe parece?

Não. Tem de haver regras que impeçam um recrutamento activo nos países que têm os maiores problemas de fuga de cérebros. Por isso, queremos pôr em prática a chamada "imigração circular". Criar as condições práticas para que, por exemplo, um médico que trabalhe dois ou três anos num hospital europeu possa regressar ao seu país de origem e tirar partido, no seu país, da experiência que obteve na Europa. Estamos a trabalhar em projectos específicos com o Banco Mundial, por exemplo, através de uma oferta transparente de microcrédito.

A outra ideia que propôs é a chamada "parceria de mobilidade". Que é o quê?

O Mali foi o primeiro país com quem fizemos essa parceria. Vamos inaugurar um centro para informação sobre as possibilidades de trabalho em Bamako, financiado pela União, onde daremos todas as informações necessárias, ajuda para formação ou aprendizagem da língua do país de destino. E vamos também propor ao Governo uma espécie de pacote político: uma oferta legal de trabalho na Europa - por exemplo, precisamos de 400 trabalhadores para a agricultura em França e 350 para a construção civil em Espanha -, mas que inclui também um compromisso na luta contra o tráfico ilegal, incluindo o compromisso político de repatriar os que estão ilegais na Europa ou que violaram a lei depois de terem sido autorizados a trabalhar. É uma oferta positiva e uma forma de luta contra a clandestinidade. O Senegal será o segundo país, depois a Mauritânia e creio que Portugal o vai propor a Cabo Verde.

Mas, quando falamos da imigração não qualificada, a que foge da miséria, a tendência europeia tem sido sobretudo para as medidas de segurança - vigilância nas fronteiras, controlo dos aeroportos, etc. Não é preciso outra abordagem?

Não podemos dar a impressão de que transformamos a ilegalidade na normalidade. Devemos lutar contra o tráfico. Já fizemos baixar de cerca de 42 por cento os fluxos ilegais no Mediterrâneo central e em cerca de 63 por cento nas Canárias. Isso significa que conseguimos bloquear os ilegais, que reforçámos a dissuasão em relação aos traficantes, mas também que salvámos muitas vidas humanas de morrer no mar. A segunda vertente, que é a mais importante, é reforçar as políticas de ajuda ao desenvolvimento nos países de origem. Decidimos incluir no orçamento europeu 23 mil milhões de euros para a ajuda aos países não desenvolvidos. É uma cifra elevada.
O problema é que são medidas com efeito a muito longo prazo.

Vão ser precisos uns 20 anos para ver resultados. Mas não vejo alternativa. Falámos com a União Africana, já realizámos duas conferências com os países directamente envolvidos, uma em Trípoli e outra Rabat. Eles lutam, como nós, contra o tráfico ilegal. Temos prevista uma ajuda que vai incluir o apoio à estabilização das instituições ou a luta contra a corrupção, que são condições fundamentais para abordar a grande questão da ilegalidade. Oito mil milhões de euros serão dedicados à estabilização das instituições.

E a questão da integração, que é o reverso da medalha?

É outra dimensão absolutamente necessária. Propus a criação de um fundo de integração de quase mil milhões de euros, que já foi aprovado, para ajudar os países membros nas suas políticas de integração. É a primeira vez que isso acontece.
E vai propor também uma carta europeia dos direitos dos imigrantes.
Vai ser apresentada no mês de Outubro. Hoje há uma diferença grande entre os países e isso leva a que os imigrantes tendam a escolher os que têm mais protecção. É preciso uma base mínima europeia.