20.9.07

Mais imigrantes a desistir

Inês Cardoso, in Jornal Público

Luís Carlos e Lucéria partem amanhã para o Brasil, depois de experiências negativas em que não conseguiram integração profissional


Desistir. A palavra custa-lhe a dizer, mas é a razão de Luís Carlos Campos para abandonar Portugal. Amanhã, entrará num avião rumo ao Rio de Janeiro graças ao programa de retorno voluntário para imigrantes. Juntamente com Lucéria de Sousa, que também amanhã parte para São Paulo, passará a integrar as estatísticas que dão conta de um aumento de viagens este ano. Em 2006, foram 163 os imigrantes abrangidos. Até final de Agosto o número vai já em 167.

A mudança do sistema de financiamento, que permite ir ao encontro de solicitações decorrentes de um contexto de desemprego e crise económica, é a principal razão apontada pela coordenadora do programa, Marta Bronzin. Gerido pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), em parceria com o Governo, conta desde Dezembro com um financiamento comunitário que permitiu alargar o leque de acções e criar uma rede de suporte que está a entrar em velocidade cruzeiro.

O "Surria" (acrónimo de Sustentação do Retorno, Rede de Informação e Aconselhamento), com período de vida garantido até Junho de 2008, permitiu descentralizar e fazer com que a sede da OIM-Portugal, em Lisboa, deixe de ser o único ponto de aceitação de candidaturas. Os centros de atendimento de imigrantes de Lisboa, Porto, Leiria e Braga, a associação de apoio CAPELA (sedeada em Portimão) e várias delegações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras passaram, depois de acções de formação promovidas até Maio, a receber pedidos, preencher formulários e efectuar entrevistas.

"Com estes pontos descentralizados, passa a haver uma triagem prévia. Só quando nos enviam os formulários passam a ser estatisticamente considerados como pedidos de apoio", explica Marta Bronzin. O que permitiu, acrescenta, eliminar processos de pessoas que não cumpriam os requisitos e aproximar as estatísticas do volume de pedidos e beneficiários efectivos. Em 2006, 420 pedidos resultaram em 163 retornos. Este ano, apesar do aumento de viagens, o número de inscritos não ultrapassa os 180.

Brasil sucede a Leste

A análise dos apoios concedidos por nacionalidades revela alterações significativas desde 2001. Nessa altura, cinco dos sete países que lideravam em número de casos eram da Europa de Leste, com a Ucrânia à cabeça (45%). Dois anos depois, a Angola tomou o primeiro lugar de forma algo inesperada (com 42% dos casos), para logo no ano a seguir, 2004, ser substituída pelo Brasil. Desde então, o Brasil não pára de reforçar essa liderança, representando este ano 64% dos casos.

Embora com pesos estatísticos muito relativos, este ano há algumas novidades quanto aos países com expressão em número de imigrantes apoiados. É o caso de Moçambique e da Argélia (que partilham a quinta posição, embora este lugar represente apenas 3% do total de pessoas).

A nova Lei de Imigração, que entrou em vigor a 3 de Agosto, eliminou uma restrição legal que, até então, impedia imigrantes apoiados pelo programa de retorno voluntário de voltarem no prazo de cinco anos. Esse deixa de ser um motivo de interdição de entrada, embora um regresso nos três anos seguintes implique a restituição do montante recebido, acrescido de juros.

Marta Bronzin acredita, contudo, que a mudança legislativa não terá impacto. "As pessoas que recorrem ao programa não pensam em voltar a migrar. Estão marcadas por experiências muito negativas". No inquérito que avalia as motivações para o retorno, as dificuldades económicas são a mais apontada. Seguem-se, "por larga diferença", problemas de saúde. Como o comprovam as histórias de Luís Carlos e Lucéria (ver destaques ao lado).

"Há empresas que enchem bolsos com trabalho ilegal"

Luís Carlos Campos, 53 anos

Adiou por muito tempo a decisão, tentando evitar um pedido de ajuda que lhe soa a fracasso. "O meu filho mais velho é que me encorajou. Disse-me para voltar para casa". Foi esse empurrão que o levou a dirigir-se à Organização Internacional para as Migrações. "Desisti de tentar receber o que é meu. Quanto mais tempo ficar aqui, mais tempo da minha vida vou perder". Se pudesse voltar atrás, tem a "certeza absoluta" que não viria para Portugal. Mas não pode. Guarda a "experiência de vida".

Durante quase sete anos, lutou por um emprego na sua área, divulgação de produtos hospitalares. "Quando finalmente consegui, senti mais uma desilusão a falta de pagamento". Afirma que tentou fazer uma denúncia na Inspecção-Geral do Trabalho, mas a situação documental irregular dificultou-lhe os movimentos. Sentiu "falta de empenho" das autoridades em punir "empresas-fantasma que enchem os bolsos de dinheiro, nas costas do trabalho ilegal". E ainda outra decepção: "Há um preconceito velado. Dizer que somos países irmãos, é só discurso".

Problema de saúde acelera fim de quatro anos de luta

Lucéria de Sousa, 46 anos

Em quatro anos, fez um pouco de tudo. Começou por trabalhar num refeitório de uma escola, depois tomou conta de crianças, mas a família saiu de Lisboa e ficou desempregada. Iniciou então uma saga que acabaria por desgastá-la durante quase dois anos. Conseguiu o visto de trabalho, mas como trabalhadora independente. "Vim de Sevilha toda contente, sem perceber que com aquele estatuto não poderia trabalhar em qualquer lugar". Dedicou-se à venda ambulante, inscreveu-se nas Finanças, afirma ter feito de tudo para obter licença para uma banca. Não conseguiu abrir as portas. "A vendedora ambulante sofreu! Tinha de correr da Polícia! Foram dias de trevas", recorda. Quase sem rendimentos, pelo meio pagou 152 euros de impostos. Sem recursos, passou à venda de pacotes para a internet, de porta em porta. "Foi aí que me afundei, porque na hora de receber... nada". Mesmo assim insistiu meio ano - "ficava dinheiro para trás e isso prende a gente" -, mas sem salário deixou de pagar à Segurança Social e não conseguiu renovar o visto. Voltou ao trabalho doméstico, mas surgiu-lhe um problema de saúde e precisa de uma cirurgia. "É a principal razão para voltar, já que não tenho Segurança Social nem família perto". Um pastor da Igreja Evangélica deu-lhe a conhecer o programa de retorno. Aceitou. "Estava no fundo do poço".