7.2.09

"Falta vontade política para erradicar a pobreza"

Bárbara Wong (PÚBLICO) e Raquel Abecassis (RR), in Jornal Público

São as IPSS que estão a apoiar as famílias, diz o presidente da Cáritas Portugal. Ao Estado cabe fiscalizar as empresas que fecham


Quem dava donativos à Cáritas Portugal está agora a pedir ajuda a esta instituição da Igreja Católica. Eugénio Fonseca, presidente da associação, acredita que haverá empresas que se estão a aproveitar da crise para encerrar. Das empresas espera que a sua responsabilidade social seja a de não fechar portas e manter os postos de trabalho. A Cáritas propôs um conjunto de seis medidas ao Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e espera respostas rápidas, para ajudar os que mais precisam.

Sente diferença, em relação há um ano, no número de pedidos de ajuda que chegam à
Cáritas?

Sem dúvida. É notória a tendência para o aumento do número de pessoas atingidas pela crise. Já vínhamos sentindo, através das Cáritas diocesanas, espalhadas por todo o país, mas também pela Cáritas Internacional. A 3 de Maio [de 2008] alertámos para aquilo que poderia acontecer e aí está.

Que reacções tiveram a esse alerta?

Algumas pessoas acharam que fomos alarmistas, que podia ser uma situação conjuntural, que era uma visão retrógrada do progresso... Acho que os responsáveis políticos tentaram não alarmar, embora houvesse indicadores, e isso teve efeitos que estão agora a revelar-se. Na nossa cultura, temos dificuldade em planear, em programar, e agimos em cima do acontecimento. Houve muito a preocupação de controlar o défice e ele está aí.

Acha que se esses alertas tivessem sido tomados em conta os empresários teriam agido de outro modo?

Sem dúvida. Poder-se-ia ter criado uma consciência mais positiva. O que me preocupa é que se está a generalizar uma certa depressão social.

A oposição não se cansa de dizer que nós já estávamos numa crise...

É verdade, e a crise pode ter consequências ainda mais graves. Não nos devemos esquecer que temos dois milhões de pobres, mas agora a crise atingiu outros portugueses. Os nossos pobres são pessoas que trabalham por conta de outrem, o que tem que ver com a precarização do trabalho e os baixos salários. A pobreza atinge os idosos devido às pensões de reforma, que são muito baixas.

Uma medida como o Complemento Solidário de Idosos é positiva?

Sim. Mas estamos no país europeu onde o fosso entre os muito ricos e muito pobres é o maior - é escandaloso. A Cáritas foi alertando para o escândalo dos vencimentos dos gestores, das reformas que se multiplicavam para uma mesma pessoa só porque exerceu vários cargos. Num país com as vulnerabilidades do nosso, não podia fazer este tipo de políticas que afectam a justiça social em termos da redistribuição dos bens.

Até que ponto as pessoas que davam donativos estão agora a pedir apoio à Cáritas?
Essa é a grande diferença. E esse é o motivo fundamental da nossa preocupação. Porque, até agora, tínhamos um tipo de pobreza que era a geracional. Sabemos que é possível erradicar a pobreza, só que tem havido falta de vontade política para que isso aconteça. Porque a forma de fazer está identificada.

Qual é?

Tem a ver com a redistribuição da riqueza. Esta crise assenta em factores de ordem financeira e económica, mas é mais do que isso, tem a ver com alteração de paradigmas e, se não o fizermos, daqui a uns anos estaremos a falar de uma nova crise.

Quem são as pessoas que estão a pedir ajuda?

São as que viveram sempre do seu trabalho. São de classe média baixa, mas também de classe média alta, porque temos um outro problema associado à crise que é o apelo ao consumo. Costumo dizer que há um novo tipo de pobreza em Portugal: os pobres a crédito, que hoje são pobres efectivos porque eram os pobres do "cartão de plástico", que eram assediados a consumir, pondo mesmo nesse consumo a razão da sua felicidade. As pessoas foram-se endividando. Além de ficarem sem o posto de trabalho, têm compromissos e o mais grave é as amortizações à habitação. Vai-se falando do crédito malparado, mas o direito à habitação é inalienável.

Em Janeiro encerraram cerca de 300 empresas. Sente que algumas aproveitaram a conjuntura para encerrar?

Ou essas empresas estavam no fio da navalha e foram adiando o problema ou parece-me que alguns poderão, sem sentido ético, estar a aproveitar-se desta justificação generalizada. Nesse caso, os tribunais têm que ser ligeiros, objectivos e criteriosos para que não se estejam a declarar falências que são mais fraudulentas do que reais.

Sabe se o Estado está a fiscalizar essas empresas?

As informações que tenho é que há cerca de 300 empresas que estão a ser verificadas. Tem-se falado muito na consciência social das empresas. Agora é hora de a responsabilidade ser aplicada e passa por manter os postos de trabalho. As medidas do Governo de revitalização dos postos de trabalho são acertadas porque as pessoas que não têm emprego têm de comer, os filhos têm de ir ao infantário. O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social já disse que conta com as instituições particulares de solidariedade social [IPSS] para este combate. Para já, [o apoio às famílias] está a acontecer através dos recursos das próprias IPSS. Há crianças cuja única refeição condigna que comem é a fornecida no infantário. As IPSS são as almofadas de resposta às necessidades básicas. Também há a solidariedade do povo português. Mas a crise não se resolve só com essas medidas.