6.2.09

"Isto foi uma coisa muito boa que o senhor primeiro-ministro fez"

Andreia Sanches, in Jornal Público

Conceição faz um mealheiro, Domitília paga os remédios, João come melhor.
O CSI ainda está longe de chegar a 300 mil pessoas, mas os que já beneficiam dele são fãs


Passa pouco do meio-dia e dezenas de idosos aguardam com alguma ansiedade pelo almoço enquanto as funcionárias do Centro de Dia do Alto do Pina, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, acabam de pôr as mesas. A sala de convívio é pequena para tanta gente - mais de cem passam por aqui ao longo do dia. Domitília Antunes, de 67 anos, é uma delas. A reformada recebe desde o ano passado o Complemento Solidário para Idosos (CSI), uma medida de combate à pobreza regulamentada faz hoje, precisamente, três anos. E disponibiliza-se de imediato para testemunhar o que mudou desde que a sua pensão de "200 e tal euros" passou a ser reforçada com um apoio extraordinário: "Isto foi uma coisa muito boa que o senhor primeiro-ministro fez".

Não esconde o entusiasmo. Recebe "cerca de 100 euros" de CSI, o que representa um aumento substancial do rendimento que tinha disponível. "O que é que faço com esse dinheiro? Dantes havia meses em que não aviava as receitas dos medicamentos, ou deixava alguns por aviar. Agora já não. Tenho problemas de coração e um rim que minguou como se fosse um coelho. Tenho a coluna numa miséria e artroses nos joelhos... são mais de 40 euros por mês em remédios."

Mas nem tudo é derretido na farmácia. Diz que agora se pode dar ao "luxo" de comprar "uma ou outra peça de roupa". E voltou a visitar a família, que vive perto de Ferreira do Zêzere, de seis em seis meses. "Nunca ia lá porque não tinha dinheiro para o autocarro." A prestação do CSI, às vezes, vai para pagar o passeio.

Entusiasma-se ainda mais no decorrer da conversa: "Têm feito a vida negra ao senhor-primeiro ministro, mas tenho que dizer isto: oxalá ele lá fique mais uns anos!".Domitília Antunes trabalhou quase toda a vida nas limpezas e fez "outros trabalhos duros", foi mãe sozinha (separou-se do marido quando era muito jovem), hoje já é avó, mas a filha ("que foi quem me preencheu os impressos para pedir o CSI") não tem grande possibilidade de apoiá-la financeiramente.

Já Maria da Conceição Sousa, de 82 anos, foi vendedora porta a porta quase 40 anos, nunca casou, partilha a casa e a renda com uma amiga. Também não tem ajudas, explica enquanto espera, também ela, pelo almoço da Santa Casa. A pensão é pequena, cerca de 230 euros, diz, porque quando começou a trabalhar "não era costume descontar para a Segurança Social". Graças ao CSI, o orçamento disponível no início de cada mês passou a ser de "à volta de 350 euros por mês". É mais uma fã de José Sócrates: "Isto foi uma grande ideia do senhor primeiro-ministro".

O que faz com o CSI? Faz o que o ordenado que ganhou durante 40 anos não permitia: um mealheiro. "Tenho muito medo do dia de amanhã." João Alves, de 79 anos, ex-serralheiro, hoje artista (pinta quadros no Centro de Dia), dá outro uso ao CSI que recebe: come melhor ao pequeno-almoço e ao jantar, as duas refeições que a Santa Casa não garante.

Arrancou devagar

O CSI foi uma das bandeiras de José Sócrates quando se candidatou. A promessa era retirar da pobreza 300 mil idosos. Como? Quem tivesse menos do que o equivalente ao limiar de pobreza para sobreviver (limiar esse que era, em 2006, de 379 euros por mês) poderia candidatar-se. O montante da prestação seria o necessário para que o idoso deixasse de ser tecnicamente pobre.

Ao final do primeiro ano, contudo, o número de beneficiários ficava aquém das expectativas - e mesmo hoje a prestação está longe de chegar a 300 mil pessoas (em Dezembro havia 170 mil abrangidos).

Houve queixas: a oposição criticou o excesso de burocracia. Os impressos eram tantos que as pessoas desistiam, disse-se. Mais: era injusto contabilizar os rendimentos dos filhos. É que na hora de analisar se um idoso está em condições de beneficiar, tudo é ponderado: as pensões, as rendas e a chamada solidariedade familiar (a partir de determinado escalão de rendimentos, parte-se do pressuposto de que um filho tem a obrigação de ajudar os pais com uma certa quantia que, uma vez tida em conta pela Segurança Social, pode fazer baixar a prestação de CSI do idoso ou até inviabilizá-la).

O Governo sempre disse que essa era a única forma de garantir que o CSI cumpria o objectivo: ser "só para quem mais precisa". Mas acabou por simplificar o processo. Por exemplo: agora já não são os candidatos que têm que apresentar as declarações de impostos dos filhos. A Segurança Social cruza, ela própria, os dados.

De qualquer modo, o Centro de Dia do Alto do Pina ilustra bem como a medida atinge apenas uma pequena parcela dos idosos. Em 177 utentes (incluindo os que são apoiados em casa), só 19 são já beneficiários de CSI, 112 não cumprem os requisitos para receber, seis recusaram candidatar-se alegando não querer fornecer elementos sobre os filhos.

Em 2007, o Governo acrescentou benefícios ao CSI: descontos na parte não comparticipada das despesas com medicamentos, óculos, próteses dentárias. "Por acaso, precisava mudar a dentadura, tenho-a há 20 anos, está larga, mas não posso avançar com o dinheiro", mesmo sabendo que o reembolso chegará, queixa-se Domitília Antunes.

Enfim, mesmo a mais entusiasta das beneficiárias acede: o CSI é bom, mas o ideal era que a prestação fosse maior.