Ana Fernandes, in Jornal Público
Uma má notícia parece nunca vir só: as Nações Unidas estão a prever uma queda na produção de cereais este ano devido ao mau tempo, aos conflitos e às oscilações dos preços no mercado. Simultaneamente, surge outro dado aterrador: o número de pessoas que sofrem de fome já ronda os mil milhões.
Olhando para os primeiros sinais do que serão as colheitas de 2009, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) prevê que os níveis atingidos pela produção em 2008 - que foram muito altos em reacção à crise que se viveu - caiam este ano. No seu relatório de Fevereiro sobre as previsões das culturas e a situação alimentar, a instituição alerta também para a redução da área plantada nos grandes produtores, como os países europeus e os EUA.
Apesar das condições climáticas serem favoráveis para o trigo de inverno na Europa e nos Estados Unidos, o certo é que os agricultores plantaram menos devido à perspectiva de obterem um menor retorno financeiro face aos altos custos dos factores de produção e à redução dos preços dos cereais face àqueles que foram atingidos no ano passado. A esta situação aliam-se situações de seca e os elevados preços dos alimentos nos países em desenvolvimento, o que conduzirá a uma redução na produção.
A produção de milho deverá cair no sul de África. O tempo seco que afecta a Ásia está a destruir o trigo, com quase metade da produção de inverno da China ameaçada pela seca.
Na América do Sul, a produção de trigo de 2008 foi reduzida a metade devido à seca na Argentina e a continuação do tempo seco está a afectar as perspectivas para as culturas de 2009 na região, indica a FAO.
Depois da corrida às plantações, com os agricultores incentivados com a perspectiva de conseguirem bons preços de venda devido ao aumento que se sentiu o ano passado, os valores começaram a cair em meados de 2008, o que desincentivou os produtores. Apesar disso, os stocks foram, em parte repostos, atingindo os valores mais altos desde 2002.
Mas se os agricultores passaram a receber menos, os consumidores, sobretudo os mais pobres, continuaram a ser pressionados pelo elevado custo dos bens. Isto porque os preços da alimentação persistiram altos em muitos dos países em vias de desenvolvimento - em alguns países do sul de África e na América Central continuaram mesmo a subir ou nem chegaram a descer -, condenando os mais necessitados à fome.
Este quadro leva a que 32 países continuem com crises alimentares e, se o cenário já era mau, o conflito na Faixa de Gaza veio ainda piorar os números. No Quénia, na Somália e no Zimbabwe, a situação é já muito crítica.


