15.2.09

Sinais de pobreza disfarçada afectam o comportamento escolar de alunos de Évora

Maria Antónia Zacarias, in Jornal Público

Grupo de auxílio tem detectado um cada vez maior número de alunos que evidencia graves carências no seu ambiente familiar


Começam por faltar às aulas, apresentam mudanças bruscas de humor, alterações de comportamento, dificuldade de concentração, acentuada quebra no rendimento escolar e alguns problemas de saúde, nomeadamente quebras de tensão, provavelmente resultantes de fazerem uma só refeição por dia. São estes alguns dos sinais, que os alunos tentam disfarçar, mas que indiciam que algo não está bem com o seu ambiente familiar. São sinais da crise, que não afectam apenas Évora, mas todo o país.

Contudo, nada disto é revelado no seu rosto porque a vergonha em falar sobre o que sentem, sobre a situação familiar, o estigma da nova pobreza que os faz nunca ter fome quando todos vão ao bar, no intervalo maior, para lancharem a meio da manhã, ou quando há um desafio para um jogo de matraquilhos, sendo que há quem não lhe apeteça.

Todas estas situações, que a pouco e foram sendo sinalizadas na Escola Secundária Gabriel Pereira, localizada na cidade de Évora, levaram a que um grupo de oito pessoas com o apoio do conselho executivo tivessem decidido criar um Gabinete de Apoio aos Alunos e Famílias. A funcionar, desde o início do ano lectivo, mas ainda longe "de uma velocidade de cruzeiro", este gabinete pretende "dar resposta às necessidades sentidas, sendo importante que os pais e os encarregados de educação percebam que há na escola um suporte que os pode apoiar, sendo sempre encaminhados para os serviços existentes na comunidade que também os auxiliem nas suas específicas necessidades", como explicou uma das dinamizadoras do grupo, Fernanda Graça, psicóloga da escola.

Vergonha dissimulada

A mesma responsável garantiu que, embora até ao momento estejam sinalizados apenas sete alunos, "muitos mais com certeza existem, mas a vergonha em assumi-lo é ainda muito grande". "Todas estas situações têm vindo a ocorrer com maior frequência desde que a crise se começou a sentir e se instalou a nível mundial", adiantou, acrescentando que são resultantes do desemprego temporário que tende a definitivo muitas vezes, do crescente número de famílias monoparentais e situações de emigração.

Fernanda Graça recordou que todos os adolescentes sinalizados nunca usufruíram da Acção Social Escolar, "vivendo agora carências jamais sentidas. São os novos pobres, da classe média que antes tinham um orçamento familiar equilibrado, mas que de um momento está destroçado". O grande receio deste grupo de trabalho é que mais casos se mantenham encapotados, sendo um entrave à sinalização de mais situações, daí que "os directores de turma continuem a passar a palavra para a necessidade de sempre que algum aluno precise, possa pedir ajuda", frisou. Contudo, as sinalizações não são fáceis, tornando-se mais eficazes se for um colega de turma ou o funcionário do bar a identificar uma situação.

A psicóloga da escola apelou para "os agregados familiares que estiverem em situações de limiar de pobreza se dirijam ao director de turma, considerado peça fundamental em todo esta rede de ajuda, ou ao conselho executivo da escola para que a situação seja encaminhada com discrição".

Tendo em conta as dificuldades alimentares que os alunos apresentavam, fez-se uma campanha de angariação de alimentos com vista a fazer cabazes para entregar aos mais carenciados. "Recolhemos 250 kg de alimentos, fizemos cabazes para essas famílias e os directores de turma foram levá-los às casas dos alunos", afirmou a psicóloga, salientando que após o Natal, aquando da realização de reuniões com os encarregados de educação, "entregámos um cabaz que tinha sobrado, porque alguém ficou para o fim para falar com o director de turma e explicou-lhe a situação difícil em que estava".
a Para além destes adolescentes sinalizados há outros que estão já a beneficiar do apoio dado pela Acção Social Escolar, mas cujo auxílio é considerado insuficiente. De acordo com Ilda Serrano, do conselho executivo do estabelecimento de ensino, "há alunos cuja única refeição que fazem por dia é o almoço na escola, que é financiado".

Assim, perante esta grave situação de carência, o conselho executivo passou a fazer carregamentos nos cartões desses alunos, igualmente de uma forma anónima, para que possam fazer uma pequena refeição a meio da manhã e outra à tarde, no bar da escola, sabendo que esse lanche da tarde pode ser a última refeição até ao outro dia de manhã", lamentou.

Ilda Serrano avançou ainda que o número de alunos abrangido pelos apoios sociais quase duplicou até ao mês de Janeiro do corrente ano, comparativamente com todo o ano lectivo anterior.

"Em 2007-08 foram 57 os alunos que foram comparticipados, e este ano já vamos em 100, número que poderá ainda aumentar no decorrer do ano lectivo", explicou, uma vez que o encarregado de educação tem a possibilidade de requerer esse apoio desde que a situação familiar se altere.

"Tínhamos alunos integrados no escalão B, mas que entretanto entregaram prova de que os rendimentos diminuíram e passaram para o escalão A", o que quer dizer que havia alunos que tinham uma parcial comparticipação no material escolar e na refeição e passaram a necessitar de apoio total nas despesas com material escolar, nos livros e no subsídio de refeição.