Filipa Ambrósio de Sousa, in Diário de Notícias
Em 2009 foram devolvidas 16 crianças. A lei permite que, na fase preparatória de seis meses, os pais desistam do processo por razões muitas vezes pouco fundamentadas
Ana e João, um casal com mais de 30 anos, adoptaram Nuno de oito. Mas três meses depois a criança era devolvida à instituição por não se ter dado bem... com o cão. Na lei portuguesa existe um período de seis meses para adaptação - chamado de pré-adopção - em que os pais podem desistir de ficar com a criança, depois de conviverem com ela em casa.
As razões permitidas na Lei da Adopção para esta devolução não têm de ser baseadas em "critérios necessariamente válidos", explica o juiz Armando Leandro, da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco, em declarações ao DN.
O caso de Nuno, nome fictí- cio, reflecte essa realidade. Ao fim de três meses Ana e João opta- ram por desistir do processo de adopção e preferiram ficar com o cão. "Era um rottweiler e ele tinha medo do animal e o casal não conseguiu lidar com isso e acabou por pedir outra criança como se de um produto de supermercado se tratasse", explica o juiz do Tribunal de Família e Menores, João Rebelo, em declarações ao DN.
Caso a devolução da criança seja concretizada depois de concluído o processo de adopção plena, já estaremos perante um "crime de abandono", punível com pena de prisão de três a dez anos. Neste último caso, apenas se forem registadas lesões físicas graves na criança.
Em 2009, foram devolvidas às instituições do Estado 16 crianças adoptadas. Menos quatro que em 2008. Este prazo de preparação psicológica por parte dos pais já existia mesmo quando a lei foi revista, em 2003. Mas essa revisão trouxe um complemento: a existência de uma formação dada aos futuros pais durante esse mesmo período.
"O que faz com que os casos de devolução sejam cada vez menores", segundo Armando Leandro. A formação consiste num acompanhamento psicológico que é feito aos futuros pais e ainda reuniões com pais que já passaram pela mesma experiência da adopção.
De 2005 a 2008, mais de 70 crianças que foram acolhidas por uma família para adopção foram devolvidas às instituições, segundo números oficiais do Instituto de Segurança Social (ISS). No mesmo período, 1431 crianças foram integradas em famílias que iniciaram a pré-adopção antes de o tribunal decretar a adopção efectiva.
Segundo a mesma fonte, em 2005 a pré-adopção não resultou para 23 crianças. No mesmo ano, 448 crianças foram integradas em famílias que iniciaram o período de pré-adopção.
"Apesar deste fenómeno da devolução ser uma preocupação, caminha para deixar de ser um problema", segundo o presidente do ISS, Edmundo Martinho, explicou ao Correio da Manhã na edição de ontem. "Creio que se deve à maior exigência dos técnicos e da formação que é dada aos candidatos."
Recentemente, um casal, que conseguiu a confiança judicial de três crianças, devolveu-as após o primeiro fim-de-semana que passou com elas por incompatibilidades com os primos.
Segundo fonte do ISS, "há quem rejeite as crianças porque não se dão bem com o resto da família ou porque os futuros pais percebem que, afinal, ter um filho custa muito dinheiro".
Os casos não são todos iguais, explica Edmundo Martinho, "mas alguns chegam mesmo a ser indignos e revelam a falta de preparação dos candidatos", concluiu.
Em Portugal existem 2776 menores à espera de um lar.


