13.7.17

O lento caminhar das mulheres ao encontro da paridade nas autarquias

Carlos Dias, in Público on-line

O lento caminhar das mulheres ao encontro da paridade nas autarquias Decorridos 41 anos desde as primeiras eleições autárquicas, a consagração da igualdade do género na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, revelou-se insuficiente para reduzir a desigualdade que prevalece entre homens e mulheres, sobretudo no exercício de cargos de liderança política.

Veri? ca-se uma evolução que não foi linear, sujeita a avanços e recuos, que mantiveram a participação feminina ao nível do simbólico, na constituição das listas. Os resultados de 11 actos eleitorais realizados entre 1976 e 2013 são sintomáticos: registam a eleição de 3350 homens e de 122 mulheres para liderar os executivos municipais no continente e nas regiões autónomas. Para reverter este paradoxo democrático, o Parlamento aprovou, em 2006, a Lei da Paridade, instrumento legislativo que estabelece que as listas para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e Autarquias Locais devem “ser compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”. Contudo, a existência de quotas provou revelar-se insu? ciente para assegurar que se alcançava a igualdade do género, como ? cou demonstrado nas eleições autárquicas de 2009 e de 2013. Em cada um destes escrutínios, as candidaturas femininas conquistaram 23 lugares na liderança de executivos camarários num universo de 308 municípios, ou seja, uma percentagem de 7,46%.

Manuela Tavares, dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), fala da existência de “fugas” à lei da paridade, e dá um exemplo que classi? ca como “caricato”: na composição de uma lista para um executivo municipal faziam parte marido e mulher, “ela Têm um estilo de liderança mais transparente e democrático e revelam mais relutância em violar normas sociais e políticas, predicados que não têm pesado nas escolhas dos partidos à frente e ele atrás”, para respeitar a paridade. Anunciados os resultados do acto eleitoral, “a candidata é eleita, mas desiste e o lugar passa a pertencer ao marido”.

A par desta “reprovável” subtileza, Manuela Tavares critica a “ interpretação depreciativa da lei da paridade que é feita” por alguns políticos e até mulheres. E destaca a importância do quadro legislativo, apesar dos resultados das eleições autárquicas de 2009 e 2013 “não terem sido famosos”.

É um facto que as forças políticas “concentram as candidaturas femininas, sobretudo, nos lugares de vereação”, em detrimento da eleição de “mais presidentes de câmara”, realça a dirigente da UMAR. E mesmo que as mulheres se destaquem pela sua “competência e capacidade de trabalho”, são preteridas, porque os presidentes de câmara “querem perpetuar-se no lugar”, e recusam-se a sair, critica Manuela Tavares.
Apesar das críticas ao baixo índice de mulheres nas lideranças autárquicas, a Adelaide Teixeira, presidente da Câmara de Portalegre, 55 anos, eleita pela Candidatura Livre e Independente por Portalegre (CLIP), desvaloriza a Lei da Paridade. “O que importa é a competência e não, se é homem ou mulher que desempenha funções no mundo da política autárquica. Não ligo às diferenças do género”, acentua, para garantir que nunca sentiu como constrangimento o facto de ser mulher.

Conclusão semelhante pode retirar-se das palavras de Fermelinda Carvalho, 46 anos, que lidera a Câmara de Arronches, numa lista do PSD. “Entrar numa liderança autárquica para respeitar quotas é qualquer coisa ‘à força’, que muitas vezes signi? ca estar lá por estar. Não presta”, resume a autarca, assumindo que a igualdade do género está “na capacidade de trabalho e competência, independentemente de se ser homem ou mulher”. “Nós, muIgualdade de género Carlos Dias Trato dos meus dos fi lhos e faço o jantar Fermelinda Carvalho Presidente da Câmara de Arronches (PSD) e da Associação de Agricultores de Portalegre dade Intermunicipal do Alentejo Central. É, aliás, a única mulher na liderança de um órgão intermunicipal em todo o país. “Nunca me senti discriminada”, declara. “A diferença não estará no facto de ser mulher mas sim na minha experiência de vida.” Hortênsia Menino sugere que a defesa dos direitos das mulheres deverá ser “transversal” às diversas dimensões da vida, e não centrar-se apenas na política.

“Não se pode falar nas di? culdades das mulheres em assumir maiores responsabilidades enquanto autarcas sem falarmos nos direitos e na igualdade que possa levar o mundo feminino a participar na vida política”, defende.

Em Alfândega da Fé, Berta Nunes, 61 anos, eleita pelo PS, valoriza a Lei da Paridade por acreditar que a igualdade do género fará escola.
Nas próximas eleições autárquicas “vão ser eleitas mais mulheres para a presidência de câmaras”, conta a autarca, embora preferisse que fossem contempladas quotas 50/50.

”Eu é que sou a presidente” “Não noto diferenças no tratamento” em relação aos colegas homens, confessa a presidente da Câmara da Amadora, Carla Maria Tavares , 47 anos, eleita numa lista socialista.

Mas sublinha um pormenor: Teve que se “adaptar”, com um custo que se reflecte na vida familiar.

“Sou uma mãe ausente, mas não negligente.” Responsável pela gestão da quarta cidade mais populosa do país, com 176 mil habitantes de 55 nacionalidades concentrados em 24 quilómetros quadrados, Carla Tavares defronta-se com uma realidade diametralmente oposta à que Fermelinda Carvalho encontra em lheres, fazemos um esforço maior, mas este é o caminho”, sublinha.

Há distritos que nunca viram mulheres a liderar câmaras Os distritos de Beja, Braga, Vila Real e região autónoma da Madeira são os únicos que nunca elegeram uma presidente de câmara nos 11 actos eleitorais para os órgãos autárquicos que se realizaram desde 1976.

Ao contrário do Alentejo Central e Norte Alentejo, que nas últimas autárquicas elegeram mulheres para a liderança das câmaras de Alandroal, Arraiolos, Montemor-o-Novo, Mourão, Nisa, Arronches e Portalegre, na região do Baixo Alentejo nenhuma força política (PS, CDU, PSD e CDS) elegeu qualquer mulher para presidente de câmara. Só a CDU ousou propor mulheres, nos anos 90, para cabeças de lista, nos concelhos de Ferreira do Alentejo e Cuba, mas a derrota foi absoluta.

Nem na terra onde nasceu Catarina Eufémia, a freguesia de Baleizão, no concelho de Beja, se ousou, alguma vez, avançar com uma mulher para a liderança autárquica. E, no entanto, todos os anos o PCP homenageia a mulher que representa o seu símbolo maior na luta contra o antigo regime.

Talvez possa acontecer nas próximas eleições autárquicas. Até ao momento, foram anunciadas três candidaturas às câmaras de Barrancos, Odemira e Vidigueira, lideradas por mulheres. Em Barrancos, ENRIC VIVES-RUBIO Berta Nunes, de Alfândega da Fé (em cima) e Susana Amador (em baixo), que trocou entretanto a Câmara de Odivelas pelo Parlamento Fonte: PÚBLICO Percentagem e número de mulheres eleitas presidentes de câmara desde 1976 20132009200520011997199319891985198219791976 1,0 1,3 1,9 1,3 2,0 1,6 3,9 5,2 6,2 7,5 7,5 5 3 5 4 4 5 10 15 18 23 23 N.º de mulheres presidentes de câmara Arronches. “Aqui o grande problema é a falta de gente”, comenta a presidente da câmara, que gere 340 quilómetros quadrados com apenas 3200 habitantes.

Além de autarca, Fermelinda Carvalho realça a sua condição de mulher casada: “Trato dos meus dos ? lhos e faço o jantar.” Lidera a Câmara de Arronches e também da Associação de Agricultores de Portalegre, é a primeira mulher na presidência desta organização.

“Vêem-me como uma igual, sem diferenciações ou estigmas pelo facto de ser mulher”, observa a autarca que diz atribuir um cunho “assertivo e personalizado à sua liderança”, tal como a sua colega de Alfandega da Fé, Berta Nunes.

A autarca do nordeste transmontano critica a atitude de alguns colegas presidentes de câmara que, “inconscientemente, continuam a fazer uso de uma certa condescendência paternalista”. Berta Nunes diz não dar tréguas a este tipo de atitudes, aproveitando a sua posição privilegiada: “Eu é que sou a presidente” e, como tal, “tenho legitimidade para combater as atitudes de quem nos tenta subalternizar”.
Na presidência da Câmara de Portalegre, a independente Adelaide Teixeira resiste às posições “por vezes agressivas” dos seus opositores masculinos, alegando que a este tipo de atitudes está associado o reconhecimento de que resolveu “problemas que eram encarados como insolúveis”. O problema maior que se coloca às mulheres “entronca nas questões de natureza cultural e de disponibilidade para fazer política”, assinala a autarca portalegrense. “Se os meus ? lhos fossem pequenos, não estaria onde estou, neste momento”, confessa Adelaide Teixeira, explicando que a “maior parte das mulheres continua a dar prioridade à família”.

A importância da família é igualmente valorizada por Hortênsia Menino. “Só com a partilha de tarefas” é possível manter actividade no mundo da política, acentua a autarca.

Lideranças mais democráticas Num estudo sobre a transparência económico-? nanceira dos municípios portugueses, apresentado, em 2014, por Solange Sousa Nunes, do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, constata-se que o estilo de liderança feminina é “mais participativo e democrático”. Acresce, segundo o mesmo estudo, que as mulheres portuguesas à frente de autarquias se têm revelado mais “adversas a violar normas sociais e políticas”, por um lado, ao mesmo tempo que vêm demonstrando um “maior sentido da responsabilidade”.

Outra conclusão interessante é que diz respeito à comparação entre a informação económica e ? nanceira disponibilizada pelos municípios com presidentes de câmara do sexo maculino e do sexo feminino.

De acordo com esta investigação, a informação económico e ? nanceira disponibilizada por autarquias lideradas por mulheres “é superior”, com um índice de 83,62, enquanto que nas câmaras presididas por homens a média é de 66,11.

candidata-se na lista da CDU, Isabel Catarino, que assim poderá vir a tomar o lugar ocupado por Pica Tereno, por ter cumprido os três mandatos previstos na lei. A candidata é vereadora no concelho raiano desde 1997.

Mais a sul em Odemira, a CDU propõe uma jovem, Sara Ramos, para a liderança da sua lista e na Vidigueira acaba de ser anunciada a candidatura de Helena D’Aguilar, actual vereadora eleita nas listas da CDU, que optou pela constituição de uma lista de cidadãos independentes para se candidatar nas próximas eleições autárquicas de 1 de Outubro.

Mulheres eleitas presidentes de câmara em 2013 Ao todo há 23 mulheres como responsáveis máximas de autarquias. Amadora, Odivelas e Setúbal são as autarquias mais populosas geridas por mulheres. Entre estas 23, 12 são socialistas e seis da CDU, o segundo partido mais representado neste âmbito.

Há ainda três autarcas do PSD e duas eleitas em listas de grupos de cidadãos independentes.
Anadia — Teresa Cardoso (Grupo de Cidadãos) Alfândega da Fé — Berta Nunes (PS) Freixo de Espada à Cinta — Maria do Céu Quintas (PSD) Góis — Lurdes Castanheira (PS) Alandroal — Mariana Chilra (CDU) Arraiolos — Sílvia Pinto (CDU) Montemor-o-Novo — Hortênsia Menino (CDU) Mourão — Maria Clara Safara (PS) Lagos — Maria Joaquina Matos (PS) Portimão — Isilda Gomes (PS) Silves — Rosa Palma (CDU) Amadora — Carla Tavares (PS) Odivelas — Susana Amador (PS) — actualmente deputada Arronches — Fermelinda Carvalho (PSD) Nisa — Idalina Trindade (PS) Portalegre — Adelaide Teixeira (Lista Grupo de Cidadãos) Vila do Conde — Elisa Ferraz (PS) Abrantes — Maria do Céu Albuquerque (PS) Alcanena — Fernanda Asseiceira (PS) Constância — Júlia Amorim (CDU) Rio Maior — Isaura Morais (PSD-CDS-PP) Tomar — Anabela Freitas (PS) Setúbal — Maria das Dores Meira (CDU) Maria das Dores Meira (CDU) preside à Câmara de Setúbal desde 2006, quando Carlos de Sousa se demitiu