3.5.07

"Só um mandato claro permitirá a Portugal concluir a negociação do novo tratado"

Teresa de Sousa, in Jornal Público

O primeiro-ministro italiano esteve ontem em Lisboa para discutir com o seu homólogo português a próxima presidência portuguesa da União



Romano Prodi foi ao Parlamento, avistou-se com o Presidente da República e deu uma entrevista ao PÚBLICO na qual considera que o único critério de avaliação que interessa sobre o novo tratado constitucional é saber se permitirá ou não que a Europa seja capaz de agir em conjunto. Mostrou-se muito preocupado com a crise turca e falou sobre o novo Partido Democrático com o qual quer concluir a reforma do centro-esquerda italiano.

PÚBLICO - A presidência alemã está, de algum modo, a reduzir as ambições para o novo tratado. Qual acha que deve ser o novo consenso? Um minitratado?

ROMANO PRODI - Não sei se estamos a reduzir as ambições. Espero que não. Pode haver um problema de designação formal, mas não de substância. Temos de decidir o que realmente queremos e, depois, podemos chamar-lhe constituição ou tratado. Isso não importa. O meu ponto de partida é que o documento a que chamámos Constituição foi aprovado por 27 Estados-membros e já foi ratificado por 18. O que está lá escrito tem de ser levado em conta como um importante ponto de partida. Não podemos mudar tudo. Não vejo como é que vamos eliminar os resultados principais da revisão, nomeadamente as mudanças institucionais.

Mas, para ter toda a gente de acordo sobre uma versão final, é preciso fazer cedências.

O que significa um minitratado?

Temos de ser claros. Se esse minitratado não nos fornecer as regras para podermos agir em conjunto, se não resolver a questão do voto por maioria qualificada e mantiver a unanimidade em muitos sectores, o que é que eu faço com ele?

Se não tiver essas novas regras que nos permitam funcionar em conjunto, não serve para nada. A Europa não pode manter-se paralisada eternamente. Já temos dois anos de impasse. Tivemos de esperar, e bem, pelas eleições francesas. Agora temos de decidir.
Estamos todos à espera da França, mas já haverá novo Presidente no domingo.

Apoiou Ségolène Royal. Acha que, do ponto de vista europeu, as coisas serão melhores com ela?

Será do interesse do novo Presidente fazer com que a França volte a ser uma força liderante da Europa. O que para mim é claro é que qualquer novo Presidente terá a obrigação de dar prioridade às questões europeias.

Pensa que a presidência portuguesa terá condições para abrir e fechar uma Conferência Intergovernamental (CIG)?

Quanto mais depressa se encerrar a questão, melhor. Mas também tenho plena consciência de que, se Portugal não receber da presidência alemã [na cimeira de Junho] um mandato claro [sobre o âmbito do novo tratado], não estará em condições de fechar as negociações. Só um mandato claro permitirá a Portugal concluir a tarefa. Se isso não acontecer, temo que o desgaste da Europa seja irreversível. Tenho viajado imenso nos últimos meses e não imagina como é cada vez mais pesada a responsabilidade que os outros nos atribuem. Os países do Médio Oriente, por exemplo, dizem-nos claramente: vocês não existem, não conseguem tomar nenhuma decisão e, ao mesmo tempo, vocês são fundamentais para nós. Temos de responder a isto de uma vez por todas, senão desaparecemos.

Discutiu com o primeiro-ministro português alguns dos pontos da agenda da presidência: as cimeiras com África e com o Brasil e as relações como Mediterrâneo. A Itália apoia estas iniciativas?

Certamente. Passaram seis anos desde a última cimeira UE-África. O primeiro país que decidisse fazer a segunda teria só por isso um sucesso. Enquanto andávamos a dormir em relação a África, África mudou. Deram início a novas alianças internacionais, houve mudanças políticas. Nós estamos de acordo com a urgência desta cimeira. Mas também estamos de acordo com a necessidade de uma nova política para os países da orla mediterrânica. Se as coisas não puderem avançar ao nível europeu, os países europeus mediterrânicos devem avançar com iniciativas próprias. Portugal, Itália, Espanha, França e Grécia, e também Chipre. Para demonstrar que nos preocupamos com eles e que o fazemos para evitar o agravamento das clivagens culturais e religiosas.
Portugal e a Itália sempre apoiaram a entrada da Turquia na UE.

Vê nesta grave crise que a Turquia está a viver alguma responsabilidade europeia?

Claro que não. Nós mantivemos as portas da negociação abertas.

Mas a UE tem enviado alguns sinais negativos à Turquia.

A Turquia sabia desde sempre que estas negociações seriam muito longas. Trata-se de uma crise interna que, de facto, pode ter consequências negativas. Espero que não, mas estou muito preocupado, porque nós precisamos de um caminho muito claro por parte da Turquia, sem obstáculos. E esta crise é um obstáculo.

As relações da UE com a Rússia estão a atravessar um momento bastante mau. Como vê que esta situação vai evoluir?

Disse no Parlamento português que não somos só nós que somos dependentes da Rússia, a Rússia também depende muito de nós. É uma ligação nos dois sentidos. É verdade que precisamos da Rússia sobretudo no plano energético, mas também é verdade que a Rússia, sem a Europa, correria o risco de falhar economicamente.

Vladimir Putin ameaçou com uma nova guerra fria. Há os problemas com a Estónia...
Há mais dificuldades nos media do que na realidade. Estamos num momento em que toda a gente está a fazer uma demonstração de força. Mas penso que os interesses comuns, imensos, acabarão por prevalecer. Mas, mais uma vez, o que lhe digo é que nós não estamos unidos. É tão simples como isso.

Os grandes partidos da sua coligação - Democratas de Esquerda e Margarida - decidiram formar um grande Partido Democrático. A ideia é criar um partido reformista de inspiração americana?

Em matéria de inspiração, sinto-me amplamente responsável por esta decisão porque foi por ela que entrei na política italiana há 12 anos. Os reformistas italianos estavam divididos por causa da guerra fria, das diferentes origens ideológicas - católicos, comunistas, socialistas -, mesmo que partilhassem a mesma plataforma económica e social. E isto era completamente contrário a qualquer possibilidade de uma futura frente reformista absolutamente necessária à Itália. Depois de muitos anos, de muitos avanços e recuos, conseguimos fazê-lo.

Vai liderar este novo partido?

Nos congressos dos dois partidos [Democratas de Esquerda e a Margarida], disse claramente que estava disponível para o papel de unificador para lançar o partido e que, no fim desta legislatura, em 2011, sairia da política. O meu papel é dar-lhe forma e depois retirar-me.

Como define este novo partido? Um partido da terceira via?

A plataforma social pode ser próxima do Partido Democrático americano, no sentido de uma plataforma de centro-esquerda muito ampla que é típica dos democratas americanos. Mas não quer dizer que seja directamente inspirada por eles. A verdadeira inspiração é a necessidade de ultrapassar os fracassos da história italiana.

Em "total"convergência com o seu homólogo português sobre a necessidade de resolver rapidamente o impasse constitucional, o primeiro-ministro italiano utilizou uma conferência de imprensa conjunta com José Sócrates e o seu discurso no Parlamento para advertir para a possibilidade de uma solução que venha a passar por uma Europa "a duas velocidades".

"A Europa a duas velocidades não é uma escolha de Itália", mas será uma escolha inevitável "se não soubermos resolver as coisas", disse aos jornalistas. No seu discurso no Parlamento, dissera: "Nesta fase decisiva para o futuro da União, já não chega ser europeísta. É preciso que os países que professam um forte empenho europeu comecem a considerar como será possível que aqueles que desejem andar mais depressa na construção europeia o possam fazer."

Mas Romano Prodi falou sobretudo da necessidade de superar o impasse constitucional e de aprovar rapidamente um novo tratado que mantenha, no que respeita à reforma institucional, aquilo que já está previsto na Constituição. Insistiu em particular na necessidade de eliminar o direito de veto "para que a Europa possa alarga-se cada vez mais e manter-se forte". Defendeu o reforço da política externa e de segurança, uma presidência do Conselho Europeu "mais estável, a generalização do voto por maioria qualificada, o fim da estrutura em três pilares e a personalidade jurídica da União.

E deixou um aviso quanto ao âmbito de um novo tratado: "Quero dizer com clareza que o meu país não está disponível para aceitar tudo, para subscrever qualquer compromisso."

E justificou: "Para nós, a opinião dos cidadãos dos países que já ratificaram o tratado deve valer o mesmo que a dos cidadãos dos países que ainda não o fizeram. Por isso, a Itália não está disposta a aceitar um mínimo denominador comum a qualquer custo."

Na conferência de imprensa, Sócrates declarou-se totalmente de acordo com a posição italiana. Citado pela Lusa, disse que a base do novo tratado deve ser a do actual texto constitucional "já assinado pelos 27" e que é preciso "rapidez" para chegar a um novo acordo.