Sofia Branco e Dina Soares, in Jornal Público
Bruto da Costa, vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, alerta que ter trabalho não é garantia de não viver na pobreza
Coordenador de um estudo nacional sobre a pobreza, ainda em curso, Alfredo Bruto da Costa diz que a pobreza é "um problema político", cuja responsabilidade é tanto do poder económico e da opinião pública como do Governo.
O que define a pobreza hoje?
Há uma grande confusão entre pobreza, privação e exclusão social. Metemos tudo no mesmo saco, nomeadamente nos planos nacionais de acção para a inclusão. É urgente clarificar estes três conceitos. Chamo pobreza a uma situação de privação por falta de recursos. Privação é alguém não ter as suas necessidades básicas satisfeitas, por não ter recursos ou por outras razões, porque é toxicómano ou porque não sabe gerir os seus bens. Ora, as soluções para estes dois casos são completamente diferentes. Num é preciso ajudar a pessoa a ter recursos, no outro é preciso ajudar a gerir os recursos que tem. A privação precisa de uma resposta imediata. Não posso dizer a uma pessoa que tem fome: "Tire um curso de formação profissional, arranje um emprego e depois coma, daqui a cinco anos." A pobreza só se resolve quando o pobre ganha autonomia. A pobreza é uma das formas de exclusão social, mas há outras: o isolamento pode afectar idosos ricos, excluídos da sociedade não por falta de recursos.
Há novas formas de pobreza?
Não encontro nenhuma. Há novas formas de exclusão social: dos idosos, dos imigrantes, dos portadores de doenças psiquiátricas, onde se incluem toxicodependentes, alcoólicos, doentes mentais e outros comportamentos destrutivos como a prostituição.
Que pessoas são mais afectadas pela pobreza em Portugal?
No estudo que estamos a fazer, e que ainda não está concluído, verificamos que a grande maioria das famílias mais pobres são famílias tradicionais, de casados, de viúvos e de solteiros. Pessoas em coabitação e famílias monoparentais podem ser muito vulneráveis à pobreza, mas, entre os pobres, representam percentagens muito pequenas. Isto surpreendeu.
O estudo concluiu já que 40 por cento dos membros das famílias pobres têm emprego, por conta de outrem ou por conta própria, e outros 30 por cento recebem pensões de reforma...
No estudo que estamos a fazer, a percentagem de desempregados no total de pobres é cerca de três por cento. Portanto, fazer um problema magno do desemprego enquanto problema da pobreza é cientificamente errado. Não estou a subestimar a gravidade da situação do desempregado, porque este não é só alguém que ficou sem os seus rendimentos habituais, é também um socialmente excluído.
Por que é que os que trabalham são tão afectados pela pobreza?
É um fenómeno que tem de ser estudado e por isso decidimos fazer um inquérito só sobre esses 40 por cento. É um grupo que não deveria, em princípio, ser pobre, como aliás o grupo de pensionistas. Há uma ilação que podemos tirar já. Quando temos 40 por cento de pobres activos, torna-se claro que não é só um problema de redistribuição, mas também de repartição primária dos rendimentos, aquela que resulta da actividade económica. A pobreza é, antes de mais, um problema de políticas económicas.
Há hoje um estigma social maior face aos pobres?
Há um estigma, sem dúvida. Que leva a opinião pública a valorizar o pobre por ser pobre. O pobre aparece como uma pessoa intrinsecamente fraudulenta. Desconfia-se da autenticidade da pobreza. Isto levou algumas pessoas a preocuparem-se mais em combater a fraude do pobre do que em combater a pobreza.
Que caminho tem seguido a política económica que leva a que existam 40 por cento de pobres que têm trabalho?
Ou decidimos que vamos crescer primeiro para distribuir depois, ou das várias maneiras de crescer escolhemos a que assegura o crescimento com uma melhor distribuição. Tem-se provado que a primeira não acontece. Ouço-a há 40 anos e estou à espera do dia em que já crescemos o suficiente para distribuir. Há alternativas, mas elas não dependem só dos governos, mas dos empresários, dos trabalhadores, da sociedade em geral, do próprio sistema económico.
Os pobres têm hoje pouco peso eleitoral...
A pobreza é um problema político e de jogo de interesses. Não nos podemos limitar a dizer que é um problema que o Governo tem de resolver. O Governo tem responsabilidades especiais, mas há medidas que pode querer tomar e não poder, porque o poder económico não deixa, a opinião pública não deixa. Um terço da população portuguesa considera que a pobreza é inevitável. Outro terço atribui a pobreza à preguiça. Teríamos dois milhões de preguiçosos! Esta epidemia teria que ter outra explicação, uma doença do sono ou outra coisa qualquer... Dois terços da população não estão, portanto, preparados para medidas realmente necessárias para resolver o problema, que não se limitam a dar umas sobras mas vão bulir com o seu nível de vida.
Acha que a estratégia do Estado, da Igreja, das IPSS tem sido mais assistencialista do que virada para as verdadeiras causas?
A grande maioria das medidas tomadas por essas instituições visa atacar a privação, o que é muito bom, porque é um problema urgente. Se alguém tem fome, tem de comer hoje. Discordo da frase "não dês o peixe, dá a cana". Se só deres o peixe, ele só comerá hoje. Se, além do peixe, deres a cana, ele comerá hoje e o resto da sua vida. Não vale de nada dar uma cana a alguém que está com tanta fome que não pode sequer levantar-se para chegar ao rio para pescar. O mal não está naquilo que se faz, mas naquilo que fica por fazer. Tudo quanto se faz é indispensável, porventura poderá ser feito melhor.
Alfredo Bruto da Costa revela que a percentagem de desempregados no total de pobres no país é de três por cento.