22.2.08

Grupo de reflexão alerta para desigualdades entre utentes em centros de saúde

Catarina Gomes, in Jornal de Notícias

Doentes seguidos em Unidades de Saúde Familiar recorrem menos a urgências hospitalares e SAP


Haverá cerca de 1,2 milhões de portugueses com razão para estarem mais satisfeitos com o seu centro de saúde. Um estudo de satisfação junto de utentes de Unidades de Saúde Familiar (novo modelo de organização de centros de saúde) diz, por exemplo, que tiveram menos tempo de espera pela primeira consulta. O problema é que o modelo tarda em espalhar-se a todo o país, criando "desigualdades entre utentes", alertou ontem o novo grupo de reflexão Saúde-em-Rede.

Um pequeno estudo que inquiriu o grau de satisfação dos utentes das Unidades de Saúde Familiar (USF) concluiu que os seus doentes pensam que a sua organização melhorou. Foram inquiridos 143 utentes num universo de 65 USF.

Uma das conclusões apresentadas ontem em Lisboa pelo Saúde-em-Rede foram os bons resultados do novo modelo.

O grupo de reflexão resulta de uma parceria entre a Escola Nacional Saúde Pública, as associações portuguesas de Desenvolvimento Hospitalar, de Administradores Hospitalares, de Médicos de Clínica Geral e a Pfizer. Até final do ano passado entraram em funcionamento 105 USF, com mais de dois mil profissionais (médicos, enfermeiros e administrativos).

Um dos membros do grupo de reflexão, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral, José Biscaia, afirmou ontem que as USF têm melhores taxas de cobertura de citologia nas mulheres (detecção do cancro do colo do útero), os diabéticos são mais bem seguidos e os seus utentes recorrem menos a urgências hospitalares e Serviços de Atendimento Permanente. O problema é que tardam a espalhar-se pelo país, tendo criado um problema de "desigualdade entre utentes USF e os outros", o que traz consigo o perigo de "discriminação".

Para José Biscaia, "a pressão dos utentes que não estão satisfeitos" pode ser um instrumento importante de propagação do modelo. Por vezes, as diferenças são visíveis num mesmo centro de saúde em que apenas parte dos seus profissionais está organizada em USF. Resultado? Uma parte do centro de saúde funciona melhor do que a outra, notou. Há 222 candidaturas a USF a correr, segundo o site da Missão para os Cuidados de Saúde Primários (www.mcsp.min-saude.pt).

Reconhecendo que a avaliação das candidaturas leva tempo, acrescentou que há outros obstáculos que se colocam à sua abertura. Um deles são os atrasos na informatização, essencial num modelo que é financiado de acordo com uma série de indicadores numéricos, outros são a necessidade de um gabinete por cada médico e a dificuldade na transferência de médicos para os locais onde mais são precisos.

Mas se é reconhecido que o modelo das USF funciona bem, também há "ameaças". Uma delas é a de "burocratização", alertou José Biscaia. O objectivo actual é que as USF sejam financiadas de acordo com indicadores de saúde que obtêm, mas existe o risco de serem reduzidas "à produtividade", olhando-se mais ao número de actos praticados do que aos resultados de saúde.