24.2.08

Investigadores dizem que muitos alunos vão ficar de fora

Bárbara Wong, in Jornal Público

É ponto assente. David Rodrigues, José Morgado, Carlos Filipe e Luísa Mesquita são a favor da educação inclusiva. Mas não concordam com o modo como o Ministério da Educação quer aplicá-la. Por um lado pode deixar de fora muitas crianças que têm necessidades educativas especiais, que não são de carácter permanente. Por outro, quer levar para a escola pública crianças que não devem lá estar.

Vamos fazer as apresentações: David Rodrigues é professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa e coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI). José Morgado, professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Carlos Filipe, psiquiatra, ligado à Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) e actual director científico do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (Cadin). Luísa Mesquita é deputada independente.

Quais são os problemas da nova lei? Antes de mais a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que as escolas vão adoptar para classificar as crianças e definir quais devem ser abrangidas pelo ensino especial. A tutela adoptou uma classificação que a Organização Mundial de Saúde considera que não deve ser utilizada, porque é direccionada para a saúde, diz José Morgado. Com tantas crianças deixadas de fora, a tutela estará a poupar recursos financeiros, acusa Luísa Mesquita. Contudo, a CIF "vem rotular as crianças deficientes", condena a deputada que já foi da CDU.

"Portugal não colaborou para a elaboração da CIF" e no entanto vai usá-la, insurge-se Carlos Filipe. "Trabalho com uma equipa de 40 pessoas, das melhor preparadas, e nunca niguém usou a CIF", revela. Recentemente, a tutela assinou protocolos para dar formação nesta área aos técnicos que vão trabalhar com a CIF.

"A utilização desta ferramenta pode ser bem intencionada, mas a comunidade científica diz que não é adequada", resume José Morgado.

Perante estas críticas, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, lembra que até agora "não havia qualquer tipo de controlo", admite que a CIF não será o instrumento "ideal" mas garante que ainda "ninguém apresentou um sistema alternativo de sinalização com tanta tecnicidade".

Há docentes de ensino especial que estão no desemprego e no seu lugar a tutela pôs professores que não tinham horário na escola, denuncia Luísa Mesquita. "Se fossem técnicos ou se tivessem formação, não havia problema. Mas não são."

O Governo quer ainda criar escolas de referência para o ensino especial. "A ideia parece interessante, mas temos crianças que estão integradas nas suas escolas e que vão ter de mudar. Esse é um princípio pouco inclusivo, pois está-se a juntar na mesma escola todos os que são parecidos", argumenta David Rodrigues, para quem é importante que o aluno permaneça onde está a sua rede social de apoio.

Nem todos os meninos podem estar na escola pública, defende Carlos Filipe. O exemplo que dá são as crianças que estão na APPDA com deficiência mental profunda, que não verbalizam, têm crises epilépticas, que agridem os outros e a si mesmas, que se auto-mutilam. "É inviável o apoio noutras estruturas", considera.

Além disso, continua, a escola pública não consegue ter uma oferta de horários alargados como as actuais estruturas, que correm o risco de fechar. "Onde ficam aos fins-de-semana e nas férias escolares? As famílias vão ser duplamente obrecarregadas, porque têm um filho deficiente e um elemento da família vai ter de se desempregar para tomar conta dele", analisa.

"É preciso garantir que estruturas como a APPDA não são destruídas", defende o psiquiatra.

No terreno, as dúvidas são muitas. Por isso, no próximo dia 1, o FEEI vai debater a nova lei. As 170 inscrições iniciais foram alargadas para 450 e já foi marcado novo encontro, a 15 de Março, no Porto. Com I.L.