28.2.08

Suspeitas de abusos sobre 665 crianças

Leonor Paiva Watson, in Jornal de Notícias

O Instituto de Medicina Legal (IML) examinou 665 crianças menores de 14 anos suspeitas de terem sido vítimas de abusos sexuais, em 2007. Ao todo, foram 545 meninas e 120 meninos. "A estatística conheceu um significativo aumento na sequência do caso Casa Pia", afirmou Duarte Nuno, presidente do IML.

Este aumento tem na origem o maior número de denúncias, ou seja, "uma maior consciência pública desta realidade", acrescentou aquele responsável. No entanto, por oposição a uma sociedade que acorda para o problema, foram feitas alterações ao Código Penal que "significam um claro retrocesso, sem precedentes, nesta matéria", alerta João Palma, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Neste momento, ao contrário do que sucedia antes da entrada em vigor destas alterações (a 15 de Setembro de 2007), o arguido que tenha praticado vários crimes desta natureza à mesma pessoa deverá ser condenado por um só crime na forma continuada, por força da Lei (artigo 30, n.º 3). "Um indivíduo que cometeu 15 vezes o mesmo acto contra o mesmo menor, será condenado apenas por um crime. Em vez de ser condenado, por exemplo, a cinco anos vezes 15 vezes, sê-lo-á apenas por uma vez, desde que se verifiquem os pressupostos do crime continuado (a repetição das circunstâncias do crime)", acrescentou o magistrado.

A questão não pode ser dissociada de uma outra alteração concomitante que permite, neste momento, a suspensão das penas de prisão até cinco anos (anteriormente era até aos três anos). "Como pessoa, como pai, como cidadão e, finalmente, como magistrado considero esta alteração uma irresponsabilidade", defendeu João Palma.

A sociedade está, contudo, muito mais atenta aos sinais de alerta, a medir pela estatística. E sobre este crime de abuso sexual a menores de 14 anos, o procedimento criminal não depende de queixa, pelo que é suficiente uma comunicação às autoridades para que o processo de investigação tenha início.

Maior incidência na capital

Ainda relativamente aos números do ano passado, o maior número de situações teve lugar em Lisboa, onde o IML atendeu 508 casos de suspeita de abuso sexual a menores de 14 anos.

A capital verificou o dobro dos casos registados no Porto e em Coimbra. No Porto, por exemplo, foram atendidas 269 crianças para perícias médico-legais e em Coimbra o IML recebeu, no mesmo contexto, 286 crianças. O crime terá maior incidência sobre crianças até aos nove anos.

Relativamente a condenações, os números do Ministério da Justiça indicam que, em 2006, 161 pessoas foram condenadas por abuso sexual de crianças e de menores dependentes, tendo sido aplicada pena suspensa à maioria dos casos.

Se o número de denúncias tem aumentado, tem crescido, igualmente, o número de condenações. Em 2003 foram condenados 148 indivíduos, tendo este valor subido para 151 no ano de 2005. Contudo, a condenação não significa, numa percentagem significativa dos casos, pena de prisão efectiva.

As alterações feitas ao Código Penal facilitam a redução da pena e a sua suspensão. Este quadro "não está em concordância com aquilo que é a cultura Europeia", concluiu João Palma.