24.2.08

"Isto não é um asilo, onde as crianças são maltratadas"

Bárbara Wong, in Jornal Público

Colégio Eduardo Claparède só recebe alunos encaminhados pelo Ministério da Educação


"Tum, tum, tum, tum." O professor João toca tambor e Duarte (nome fictício) tenta repetir a sequência: dois toques longos, dois curtos. Não consegue. O professor repete e o rapaz também, sem sucesso. De repente, começa a tocar com toda a força, ora num tambor, ora noutro, ora nos pratos, descontroladamente. Já não há ritmo, há barulho feito com tanta força que uma das baquetas se parte. Impávido, o professor pede-lhe para parar e entrega-lhe o seu par. Volta a repetir a sequência com as baquetas partidas, mas Bruno não o acompanha.

Duarte é um dos 80 alunos do Colégio Eduardo Claparède, em Lisboa, um estabelecimento de ensino especial privado que só recebe crianças que são encaminhadas pelas escolas públicas. A directora Maria João Gouveia e a psicóloga Isabel Beirão estão preocupadas com a possibilidade de a escola poder fechar; de os 34 funcionários, entre auxiliares, professores e técnicos especializados, perderem o emprego; e, sobretudo, de os alunos não estarem preparados para ser integrados numa escola regular, dizem.

Na escola, que funciona numa vivenda num bairro sossegado da cidade, onde vive um enorme cão pachorrento que é mimado por todos, os alunos estão protegidos do mundo. Estão protegidos dos meninos que podem ser cruéis com eles por serem diferentes, dos professores das escolas públicas que não estão preparados para trabalhar com eles e até das próprias famílias - dez rapazes e cinco raparigas não vão a casa durante a semana e três deles nem sequer ao fim-de-semana por ordem dos tribunais ou porque têm famílias complicadas, explica Maria João Gouveia.

O colégio foi fundado por João dos Santos, psiquiatra que dedicou a sua vida a estudar e a criar soluções de apoio a crianças com dificuldades. A instituição nasceu na década de 1950 e defende que "a escola deve ser um ambiente protector, mais ou menos familiar, com equipa disponível, toda a agir de uma forma coerente. Com segurança e onde se estabelecem limites", explica a directora.

"É um ambiente controlado. Um espaço contentor de que eles precisam porque são crianças que podem ser violentas", reforça Isabel Beirão.

O espaço da escola está todo decorado com os trabalhos que os estudantes fazem e reflectem as visitas de estudo que têm feito ao Oceanário, à Quinta Pedagógica, ao Museu Berardo, ao Pavilhão do Conhecimento... Os trabalhos permanecem intactos e os alunos não os destroem, orgulha-se Maria João Gouveia.

O colégio não é um gueto, continua. "Isto não é um asilo, onde as crianças são maltratadas", diz em reacção às declarações que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues fez sobre este ensino dizendo que "era uma vergonha o que se passava" nestas escolas. Os alunos têm contacto com o a escola básica de 1.º ciclo do bairro, onde fazem actividades conjuntas.

As crianças não estão divididas por anos de escolaridade, mas por grupos. Estão na sala de aula com o professor e, ao longo do dia, vão saindo, em pequenos grupos para fazer outras actividades como musicoterapia, psicomotricidade e expressão plástica. Têm ainda acompanhamento de terapeutas da fala e de psicólogas.

Não há manuais escolares, os materiais são construídos para eles. Podem ficar na escola até aos 18 anos e alguns conseguem aprender algumas matérias do 1.º e 2.º ciclos. Mas muitos não vão aprender a ler, escrever e contar. Por isso, a escola prepara-os para a vida activa.

Ao lado da cozinha, há um espaço onde os alunos podem aprender culinária. Na parede as receitas estão desenhadas, em vez de escritas. Fazem empadas, que depois vendem e assim aprendem a contar o dinheiro e a fazer trocos. "Aqui, há uma visão construtiva que falta lá fora", termina Maria João Gouveia.