26.2.08

Pobreza extrema em Lisboa tende a ser “cada vez mais crónica”

Mário Cruz, Lusa, in RTP

Idosos, famílias sem estrutura, pessoas endividadas e crianças e jovens de bairros periféricos são alguns dos grupos mais vulneráveis
Lisboa apresenta “uma pobreza extrema com tendência a ser cada vez mais crónica e muito visível”. Este é um dos alertas do I Relatório do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa.

O documento, apresentado esta terça-feira no âmbito de um seminário promovido pelo Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, assinala a existência, na capital portuguesa, de diferentes graus de pobreza, da mais “visível” à mais “difusa”. Numa leitura geográfica, os relatores concluem que o risco de pobreza toca os bairros históricos, o centro da cidade e zonas periféricas.

De acordo com o relatório, as situações de pobreza extrema tendem a ser cada vez mais visíveis e crónicas nas grandes cidades e "Lisboa não é excepção". Um diagnóstico que assenta no facto de as grandes cidades acolherem, hoje, pessoas que “concentram em si diferentes problemas (não possuírem emprego nem grandes qualificações, estarem sem abrigo, sofrerem de diferentes dependências e encontrarem-se envolvidas nas formas mais subterrâneas de economia informal)”.

O trabalho do Observatório traz ainda a lume a existência de “uma população que se encontra em risco de pobreza e que, devido a circunstâncias que a ultrapassam e que não pode minimamente controlar (doença prolongada, perda de emprego, viuvez, catástrofes naturais, etc.), pode cair em situações de grave carência e, no limite, numa situação de pobreza extrema”.

Por outro lado, Lisboa serve de cenário a uma pobreza oculta: “Uma pobreza difusa, não concentrada, que permanece escondida e que por vezes não expressa as suas necessidades e carências (idosos, pobreza envergonhada, deficiência...)”.

O risco de pobreza é elevado entre as crianças e jovens de bairros periféricos da capital, mas também entre os mais velhos, as famílias afectadas pela “destruição das estruturas tradicionais” e “mulheres isoladas com enormes responsabilidades familiares”. A lista de grupos de risco inclui ainda as pessoas com qualificações mais baixas e aquelas que enfrentam problemas de endividamento.

Em 2006, constata o relatório, a capital acolhia 16 mil pessoas abrangidas pelo subsídio de desemprego e mais de quatro mil beneficiários do Rendimento Social de Inserção.

O Observatório conclui que Lisboa enferma de um desajustamento entre aquilo que são as necessidades da população e as respostas das entidades públicas. Embora seja “enorme”, o elenco de planos revela-se insuficiente para dar respostas eficazes. Somente 10,9 por cento dos “planos, programas e medidas” estabelecem “objectivos directos no combate à pobreza”.

Freguesias de Marvila e Castelo são exemplos de vulnerabilidade

No I Relatório do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Marvila e Castelo são as freguesias apontadas como exemplos de vulnerabilidade a situações de pobreza.

Também no plano das freguesias, Lisboa reflecte um quadro de “enorme desequilíbrio e desigualdade social, coabitando no mesmo espaço territorial, ainda que com margens bem delimitadas, situações de forte riqueza e situações de extrema pobreza”.

Para o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, o grosso das responsabilidades deve ser assacado aos serviços centrais do Estado e à própria Câmara Municipal.

Em declarações citadas pela Agência Lusa, Belarmino Silva lamentou o facto de não possuir os recursos financeiros e humanos adequados para fazer face aos índices de pobreza e acusou mesmo os responsáveis pelos serviços do Ministério da Segurança Social e da Câmara de Lisboa de “ficarem sentados e fechados nos gabinetes”.

“Cerca de 30 por cento da população da freguesia é realmente pobre”, indicou o presidente da Junta. Admitindo que grande parte da população da freguesia “não quer trabalhar”, Belarmino Silva sublinhou que “pior do que a pobreza de dinheiro é a do espírito”. “Recebem o rendimento mínimo e não querem fazer mais nada”, rematou.

Em 2001, Marvila evidenciava a segunda maior taxa de desemprego na capital (dez por cento).

Por seu turno, o presidente da Junta de Freguesia do Castelo admite a existência de “casos de pobreza encoberta”, em que “as pessoas têm vergonha de o dizer”.

“Não existe pobreza extrema na freguesia do Castelo”, sustentou Carlos Lima, citado pela Agência Lusa.

A média de idades dos habitantes do Castelo aproxima-se dos 65 anos e quaso 70 por cento da população está já reformada, apontou o presidente da Junta, acrescentando que “os valores mensais da reforma são baixos”. Ainda assim, “a solidão a que os idosos da freguesia estão sujeitos é a principal preocupação”.

À semelhança de Marvila, a falta de recursos é um problema diário na Costa do Castelo, segundo Carlos Lima: “Mesmo que queira resolver mais situações, a freguesia do Castelo é parca em recursos financeiros”.

Carlos Santos Neves, RTP