27.2.08

"A habitação continua a ser um problema difícil de ultrapassar"

Céu Neves, in Diário de Notícias

Entrevista com Rosário Farmhouse, alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural


Acabou de ser nomeada alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI). Encontrou o que esperava?

Tinha a ideia que faziam um trabalho bastante bom, mas não tinha a noção da vertente internacional do ACIDI. Ao nível dos projectos e parcerias, mas também temos recebido visitas de representantes dos estados europeus que querem importar o modelo do Centro Nacional de Atendimento ao Imigrante. A nível da organização, estamos numa fase complexa. O ACIDI é um instituto público que ainda está a dar os primeiros passos e é preciso reorganizar a estrutura.

Recebeu uma herança pesada do anterior alto-comissário, Rui Marques, ou, pelo contrário, tem o caminho facilitado?

O ACIDI cresceu muito e estamos numa fase de manter o que cresceu. Não é uma herança pesada, é diversa, mas interessante. Estou bastante entusiasmada, é muito viciante. Há muitas coisas para fazer, ideias novas a pôr em prática...

Que coisas e quando passará à prática?

Ainda estou numa fase de observação, mas há muitas coisas que podem ser feitas, nomeadamente ao nível de parcerias. Quero estudar mais a fundo todas as questões e só em Maio poderemos avançar.

Qual vai ser a sua prioridade?

Este ano é especial porque é o Ano Europeu para o Diálogo Intercultural e temos de acompanhar as várias iniciativas. Ao mesmo tempo, é o lançamento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) que tem um financiamento muito grande, 74 milhões de euros até 2013. Temos de reestruturar tudo para aproveitar o que há e avançar com coisas novas, nomeadamente no âmbito da aprendizagem da língua portuguesa, do acolhimento dos imigrantes e da sensibilização.

O Plano de Integração de Imigrantes (PII) tem 122 medidas, como o acesso à saúde, à educação e à habitação. Como é que isso se vai concretizar?

O PII tem definidas as metas a atingir. Cabe ao ACIDI ver se essas metas são alcançadas e, se não foram, ver o que é que se pode fazer. O plano está muito bem estruturado, com objectivos a que os ministérios se comprometem cumprir, e penso que não haverá o perigo das metas não serem alcançadas.

Qual será o objectivo mais difícil de alcançar?

É prematuro dizer porque a visão que tenho é de quem vem de fora.

Estava a pensar da experiência que teve no Serviço de Jesuítas aos Refugiados. Quais são as principais queixas dos imigrantes?

A habitação continua a ser um problema difícil de ultrapassar e temos que ver o ponto da situação. Uma das áreas que temos de trabalhar muito é a da sensibilização. Por mais medidas que existam, cabe a cada um de nós perceber que alugar uma casa a alguém, tanto pode correr bem como mal, independentemente da origem da pessoa. Não é por uma vir do Brasil, de África ou da Europa de Leste que as coisas correrão mal.

Que tipo de medidas podem inverter a situação?

Tem mesmo que haver uma maior sensibilização e, se calhar, temos de começar pelas crianças. O QREN pode ser uma oportunidade para sensibilizar a população. Mas existem diferentes situações a nível da habitação: desde o caso mais simples, que é um casal não conseguir alugar uma casa por não ter fiador, até ao casal que está numa casa ilegal ou subalugada. Cada tipo de alojamento tem uma resposta diferente.

E como é que se concretiza o acesso à saúde?

A ideia é que a pessoa vá a um estabelecimento de saúde e que tenha acesso a todos os cuidados, independentemente de estar legalizada ou não. O fluxo imigratório estagnou, alguns imigrantes estão a sair de Portugal, não para o país de origem mas para outros países, nomeadamente para Espanha, e estamos numa fase em que nos podemos concentrar mais na integração, o que passa pelo reconhecimento dos direitos da população imigrante.

É do PS?

Não. Sou independente.

Fazia parte da lista de António Costa para a Câmara de Lisboa. Não teme que este cargo seja visto como uma recompensa?

Acredito que foi pelo trabalho que tenho desenvolvido nos últimos 12 anos no Serviço de Jesuítas aos Refugiados, até porque o dr. António Costa não sabia que tinha sido nomeada. Participei na campanha como independente, o que tinha a ver com o trabalho feito nas Cáritas de Lisboa.