10.2.08

Uma crise sem fim numa região marcada pelo desemprego

Natália Faria, in Jornal Público

O Vale do Ave tem mais de 500 mil habitantes e uma taxa de desemprego de quase 14 por cento, o dobro da média nacional


Fábricas a encerrar, salários em atraso, jovens qualificados sem trabalho, mulheres acima dos 45 anos que já perderam direito ao subsídio de desemprego, homens a emigrar para a Galiza em busca de trabalho. O diagnóstico no Vale do Ave pouco mudou nos últimos anos.

E, poucos dias depois de ter deixado a presidência da Associação de Municípios do Vale do Ave (Amave), o socialista Castro Fernandes, também presidente da Câmara de Santo Tirso, acusa o Governo de José Sócrates de ter votado a região ao esquecimento.

"Por várias vezes desafiámos o primeiro-ministro a vir visitar a região, mas ele nunca veio. Há três anos que andamos a pedir coisas e não acontece nada. Esta região precisa de medidas urgentes que ajudem a minorar os efeitos da crise", alerta Castro Fernandes, incitando José Sócrates a carrear "grandes investimentos públicos" capazes de dinamizar uma região que soma mais de 500 mil habitantes.

"A formação é fundamental e, além disso, a rede nacional de estradas precisa muito de apoios, assim como a área da saúde", especifica.

Depois das grandes, as PME

Se não se vêem, como na década de 90, as célebres bandeiras negras que pontuavam a crise social da região, é porque os efeitos são hoje mais diluídos.

"As grandes fábricas que tinham que fechar já fecharam. Hoje fecham todos os dias, mas são as micro e pequenas empresas. Só no ano passado, em Guimarães, fecharam 52. Mas o subsídio de desemprego e, depois disso, a pré-reforma têm funcionado como válvulas de escape", aponta Adão Mendes, da União de Sindicatos de Braga.

O desemprego no Vale do Ave oscila entre os 13 e os 14 por cento. Muito acima dos 7,9 por cento da média nacional e mesmo dos 9,5 por cento da Região Norte. E o pior, como nota Adão Mendes, é que dos cerca de 50 mil desempregados da região (o Instituto de Emprego e Formação Profissional fala em 37.239 inscritos nos centros de emprego, em Dezembro de 2007, mas não inclui os que estão em programas ocupacionais, nem os que já perderam direito ao subsídio), a maioria são mulheres.
"O desemprego de longa duração atinge quase 70 por cento dos desempregados e, destes, a maior parte são mulheres", diz ainda.

Debandada para a Galiza

Podia ser pior não fosse a debandada geral para a Galiza. "No final de 2007, havia dez mil portugueses a trabalhar legalmente na Galiza. Haverá mais 30 a 40 por cento de clandestinos", soma Adão Mendes.

"Se o sector imobiliário na Galiza entrar em recessão, ficamos entalados. Onde é que vamos encaixar esses milhares de trabalhadores?", acrescenta. De resto, o sindicalista ri-se quando ouve os empresários portugueses queixarem-se da falta de mão-de-obra.

"Querem contratar pessoas por 380 euros/mês. Na Galiza, a chegar tijolo de um lado para o outro, ganham mil e tal euros, já com descontos feitos", assinala, dizendo conhecer vários professores portugueses desempregados a exercerem tarefas desqualificadas naquela região espanhola. Basta chegar a Valença e passar o rio para ganhar o dobro ou o triplo do que se ganha aqui".

Para Castro Fernandes, o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) é o momento para que José Sócrates mostre que quer "dar a mão" ao Vale do Ave.
"Atendendo a que a Região Norte conta receber oito mil milhões de euros, segundo as mesmas regras de proporcionalidade, o Ave tem direito a pelo menos mil milhões", lança, em tom de alerta, convicto de que a região "conseguirá ser concorrencial e apresentar projectos válidos".

O autarca não espera ver repetidas as operações integradas de desenvolvimento ou sequer o Plano Integrado de Desenvolvimento que os governos de Cavaco Silva e António Guterres, respectivamente, gizaram para alavancar a região na década anterior.

"Mas - alerta - não podem continuar a ser as câmaras, sozinhas, a combater a crise, porque os cabazes alimentares e os apoios ao arrendamento não chegam para resolver os problemas."

Já o presidente da Câmara de Famalicão, Armindo Costa, gostaria de ver repostas algumas das medidas sociais extraordinárias que estiveram em vigor nos anos 90.
"Medidas especiais de protecção, sim, mas acompanhadas de medidas especiais de vigilância", reage Adão Mendes, dizendo não querer ver repetido o enriquecimento rápido dos empresários das décadas de 80 e 90.

À margem disso, na óptica de Castro Fernandes, a regionalização surge como a derradeira esperança para a região.

"Veja-se o que se passou na Galiza", argumenta, descrente de que algo possa mudar enquanto "o Vale do Ave continuar a precisar do aval de um ministro para fazer uma simples rotunda numa estrada nacional".

O autarca socialista Castro Fernandes acusa José Sócrates de ter votado a região do Vale do Ave ao esquecimento