27.4.08

A crise é como um imposto sobre os mais pobres

in Jornal Público

Mais desigualdade, mais inflação e menos crescimento: ninguém pode deixar de se alimentar e, por isso, nenhum país do globo está a salvo dos efeitos da subida dos preços dos alimentos. No entanto, uma coisa é certa, seja nos países ricos, seja nos que estão em vias de desenvolvimento, é sempre a parte da população mais pobre que acaba por sofrer mais com os últimos acontecimentos.

A razão é simples: quando os preços dos bens essenciais sobem, aqueles que gastam uma maior parte do seu orçamento para comprá-los são os que ficam mais prejudicados. É assim, claro, com os quase três mil milhões de pessoas no mundo que vivem com menos de dois dólares por dia e que usam esse dinheiro apenas para se alimentar e sobreviver. E é também assim com os agregados familiares mais pobres dos países desenvolvidos. Em Portugal, os dez por cento da população com menores rendimentos, gastam 24,3 por cento do seu rendimento em alimentação, enquanto os dez por cento mais ricos, apenas 10 por cento, revela o INE. Isto faz com que, devido sobretudo à escalada de bens alimentares como o leite ou o pão, os mais pobres sintam uma inflação de 3,5 por cento, enquanto os mais ricos ficam com uns mais confortáveis três por cento.

Por isso, uma das consequências mais importantes daquilo que se passa no mercado dos bens alimentares é o aumento da desigualdade mundial. Os mais pobres ainda perdem mais o seu reduzido poder compra, enquanto os mais ricos quase conseguem passar ao lado do problema.

Quase porque os efeitos da subida de preços não ficam por aqui. A subida dos preços dos bens alimentares está também a ser um dos factores por trás do agravamento das pressões inflacionistas em quase todo o globo. E isso condiciona fortemente a forma como está a ser conduzida a política económica na Europa, Estados Unidos e Ásia.

Na zona euro, o BCE, preocupado com uma inflação de 3,6 por cento, recusa-se a descer as taxas de juro, mesmo com a economia a dar sinais de querer abrandar. Nos EUA, a Fed tem sido mais agressiva, mas, também por causa dos preços, não deverá ir além dos dois por cento na descida de juros que está a realizar para evitar uma recessão. Na China, a taxa de crescimento ainda é forte, mas a ameaça de um descontrolo da inflação já está a forçar as autoridades a tomar medidas para arrefecer a economia. O resultado é a redução das perspectivas de crescimento, numa conjuntura que já aponta para um forte abrandamento da economia mundial.

E há ainda o medo de que, em termos de inflação, as coisas não fiquem por aqui. Há já sinais de que, por causa do que se passa nos alimentos e com a ajuda decisiva do petróleo, a próxima subida de preços possa surgir no vestuário. Nos EUA, os produtores de algodão estão a mudar para colheitas agora mais atractivas como o milho ou o trigo e o resultado começa a sentir-se com a redução da oferta de algodão nos mercados internacionais.

O impacto final ficará dependente das respostas dadas pelas autoridades. E algumas soluções, avisam muitos economistas, podem vir a revelar-se afinal em problemas acrescidos. Em alguns países em desenvolvimento onde a falta de alimentos e a fome geraram protestos e conflitos, os governos anunciaram a imposição de obstáculos às exportações. O objectivo é, num cenário de escassez da oferta, o de manter os alimentos produzidos localmente dentro do país. Parece lógico, mas, ao mesmo tempo, está a eliminar-se a esperança de que o sector agrícola e, em particular, os pequenos produtores consigam retirar vantagens da subida dos preços no mercado internacional dos bens que cultivam, retirando-lhe os incentivos e os meios para produzir mais. De igual modo, na Europa e nos EUA, é possível que os Governos atrasem ainda mais o fim dos subsídios dados aos agricultores, com medo de agravar a subida de preços dos alimentos. No entanto, deste modo, estão também a adiar a entrada em pé de igualdade dos produtores dos países em desenvolvimento nos países mais ricos, estimulando a produção mundial.