27.4.08

A próxima revolução verde será transgénica ou tradicional?

Clara Barata, in Jornal Público

As divisões entre apoiantes e opositores das culturas geneticamente modificadas continuam tão pronunciadas como antes. Mas a polémica reacendeu-se


Todos concordam que o sistema de produção agrícola está em crise. E que, se nada for feito, a desigualdade no acesso aos alimentos só tem tendência para tornar maior o abismo entre os mais ricos e os mais pobres habitantes da Terra, com a população a crescer a um ritmo anual de mais de 70 milhões de pessoas. Mas se o diagnóstico é mais ou menos unânime, continua a haver um fosso de opinião sobre o que fazer para solucionar a crise. Em particular, os organismos transgénicos continuam tão polémicos como dantes.

Uns julgam ter chegado o momento de nos entregarmos de alma e coração aos organismos geneticamente modificados - como Norman Burlaugh, o cientista creditado como pai da revolução verde dos anos 60, que por isso recebeu um Nobel da Paz. Mas outros não querem sequer ouvir falar nisso: defendem os métodos tradicionais, o apoio às pequenas propriedades agrícolas, a adequação das tecnologias às condições particulares de cada tipo de terreno e exploração, a construção de estradas para fazer chegar os excedentes agrícolas aos mercados e fazer chegar fertilizantes a preço acessível ao continente africano. Em vez de uma segunda revolução verde, defendem que em África é preciso fazer uma verdadeira revolução, verdadeiramente verde e sem os problemas de fertilizantes e exploração industrial que caracterizaram a primeira.

No Ocidente, onde ocorreu a maior parte das inovações em que se baseou a revolução verde que permitiu acabar com a fome declarada em boa parte do mundo - Ásia e América Latina, sobretudo -, o dinheiro canalizado para a investigação na agricultura tem vindo a diminuir acentuadamente.

O investimento na investigação científica destinada ao sector agrícola tem vindo a reduzir-se desde a década de 90: nos países ricos, o investimento nesta área diminuiu ao ritmo de 0,58 por cento anualmente, quando durante a década de 80 tinha crescido 2,3 por cento ao ano. O investimento em África cresceu 0,82 por cento por ano a partir dos anos 90, quando na década anterior era de 1,25 por cento anuais.
A grande inovação da última década foi a das culturas geneticamente modificadas - que estão já presentes em mais de 100 milhões de hectares em 22 países do mundo, segundo a revista Nature. O milho, a soja e outros cereais são as principais culturas, embora existam muitas outras que não chegaram ainda ao mercado. Uma papaia resistente ao vírus que está a matar as árvores deste fruto em muitos países foi desenvolvida no Havai, por exemplo. Ou o famoso arroz dourado, enriquecido com um grupo de genes de flores e de uma bactéria para passar a produzir betacaroteno, que é um precursor da vitamina A -os seus inventores defendem que poderia ajudar a combater a cegueira nos países onde há mais fome e subnutrição.

A segunda geração

E uma segunda geração de produtos transgénicos está já na calha, diferente dos primeiros que chegaram ao mercado - e causaram violenta rejeição, pelo menos na Europa. "A primeira geração de produtos geneticamente modificados deu um tom errado. Não ofereciam nada aos consumidores pobres que não pudessem obter com a agricultura convencional, e os seus impactes ambientais continuam ambíguos", escrevia na revista New Scientist uma especialista holandesa em sistemas rurais, da Universidade de Wageningen.

Mas as novas culturas transgénicas em estudo pretendem ser diferentes, trazer algo de útil para aumentar a rentabilidade dos terrenos agrícolas - que ocupam pelo menos 15 milhões de quilómetros quadrados, ou 12 por cento das terras sem cobertura de gelo do planeta, segundo dados de satélite relativos a 2000, publicados este ano na revista Global Biogeochemical Cycles. Tolerância à seca e à água com muito sal, ou maior eficácia no uso do azoto, para que as culturas exijam menores quantidades de fertilizante são algumas das ideias a fervilhar, tanto em pequenas empresas de biotecnologia, como nos grandes gigantes da área, caso da Monsanto ou da Syngenta.

Há também ideias para melhoria das plantas pelo método tradicional: identificar variedades com genes interessantes, para depois as cruzar com outras plantas, como os agricultores fazem há 10.000 anos. Um exemplo disso é a Aliança para Uma Revolução Verde em África (AGRA), uma organização financiada pelas fundações Rockefeller e Bill e Melinda Gates, dirigida pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, que financia investigação para desenvolver colheitas resistentes a doenças e à falta de água.

Há muitas ideias, mas elas só se concretizarão se houver vontade de mudar e uma parte importante das resistências está na Europa: no sistema de subsídios à produção e no "não" aos organismos transgénicos, que continua bastante popular.

0,58%
Nos países ricos, a investigação destinada ao sector agrícola diminuiu ao ritmo de 0,58 por cento por ano desde os anos 90