27.4.08

Taxa agravada nos contratos a prazo vai diminuir a oferta de emprego

Por José Manuel Fernandes e Graça Franco (Renascença), in Jornal Público

É contra os recibos verdes, mas enquanto não for mais fácil despedir quem não tem brio não acredita na penalização do trabalho a prazo


A Jerónimo Martins é uma empresa familiar que, com Alexandre Soares dos Santos, se tornou um dos grandes grupos portugueses e se internacionalizou. Aos 73 anos, continua a acompanhar a estratégia do grupo e preocupa-se com o futuro de um país onde, na sua opinião, "a grande mudança vai ter de ocorrer no empresariado". Mas acredita nos trabalhadores e elogia o papel das suas comissões representativas, que prefere aos sindicatos.

Ainda acha que é necessário fazer um pacto entre os diferentes partidos e as forças sociais?

Estou cada vez mais convencido de que teremos de fazer um pacto de regime. Não nos podemos esquecer que tivemos uma revolução que teve em Portugal um impacto brutal de que ainda estamos a pagar a factura. É bom não esquecer que nessa altura perdemos 30 mil quadros para o Brasil...

Há uma falha na elite dirigente?

Criou-se depois uma mentalidade de deixa andar, pois neste país só se fala de direitos. Patronato, sindicatos, políticos, têm de sentar-se e fazer como na Holanda, na década de 1980, em que demoraram a chegar a um acordo e depois cumpriram-no rigorosamente.

Outros países conhecerem processos semelhantes, a Finlândia, a Irlanda...
Por isso lá é diferente e não se vive neste clima de fricção permanente. Não pode haver manifestações todas as semanas. Não pode haver tantas greves na função pública. Tem de se explicar quais os desafios que Portugal enfrenta.

Sócrates continua a ser para si uma agradável surpresa?

O problema dos primeiros-ministros é que está a aproximar-se a época das eleições e começa a travar-se algumas reformas. Um exemplo actual: Código do Trabalho. Temos de perceber o mundo que nos rodeia e, ao sentarmo-nos à mesa, perceber o que temos de fazer para fazer face aos desafios.

Não é isso que está a acontecer?

Não sei. Na Jerónimo Martins convidámos dois membros da comissão do Livro Branco para um debate, que foi interessantíssimo, e fizemos depois seguir uma carta para o ministro. Mas o que não vejo são as confederações do patronato discutirem abertamente o que é mais importante. Está-se sempre a falar da mesma coisa, de despedimentos...

Quais são então os pontos mais importantes?

Para nós é importantíssimo a flexibilidade de horários, a mobilidade.

Este código permite acordos de empresa. No seu caso já teve dificuldades neste campo?

Tive. Ainda há pouco uma senhora pediu para lhe reduzirmos a hora de almoço para meia hora, porque necessitava muito de poder sair meia hora mais cedo. Para nós não tinha qualquer problema, mas tínhamos de pedir autorização ao ministério. Foi chumbado. E foi a trabalhadora que pediu.

A lei não devia, pois, regulamentar que o descanso mínimo para almoço é de uma hora?

Claro, pois isso é um problema entre a companhia e as pessoas.

E não haveria quem mudasse os horários só por conveniência da empresa?

Para isso é que há delegados sindicatos e comissões de trabalhadores. Eu sou um grande defensor das comissões de trabalhadores em vez dos sindicatos, que estão muito politizados e desfasados da realidade. Estão sempre a falar dos direitos adquiridos e não dos desafios do futuro. Nós já tínhamos comissões antes do 25 de Abril na fábrica Lever. E depois do 25 de Abril, passado o período louco da politização, foram e são muito importantes, até para nos ajudar a ver se a gestão estava a funcionar bem. Na Iglo, que fabrica gelados, chegámos uma vez a acordo sobre uma mudança de horários, com maior carga no Verão e férias mais prolongadas no Inverno. Foi também chumbado.

A figura que o código prevê da inadaptibilidade ao posto de trabalho vem ajudar a resolver a rigidez do despedimento individual?

Em empresas bem formadas, o despedimento é uma excepção. Por isso o que entendo é que se devia permitir o despedimento sem justa causa, mas com uma indemnização muito mais elevada porque o subsídio de desemprego é baixo. O problema hoje é que é quase impossível despedir alguém com justa causa.

Não haveria abusos?

Acho que não, mesmo admitindo que nem todas as empresas são como a Jerónimo Martins. Mas hoje nas empresas a reestruturação é permanente, não é apenas de três em três anos. Por outro lado, hoje há muita gente a que falta ambição e um pouco de brio. Tem de haver brio tal como deve haver uma boa remuneração.

Como concilia o seu pedido de maior flexibilidade de horários com a defesa que faz da família?

A sociedade teria de se adaptar. Os serviços públicos teriam de estar abertos noutros horários. As escolas também necessitariam de se adaptar. Este conflito tem de se resolver, porque hoje sabemos que o pai e a mãe trabalham.

Já o ouvi dizer, no quadro do debate sobre os horários dos supermercados, que a Jerónimo Martins defende a sua abertura ao domingo, mas pessoalmente era contra.

Como explica esta aparente contradição?

Eu sou de uma escola em que o domingo era o dia da família e de ir à missa. Estava-se com o avô, com os pais, com os tios, e, como defendo que a família é o grande suporte da sociedade, deve ser protegida. É o meu ponto de partida. Onde é que depois entro em luta comigo? Porque hoje os casais têm necessidades e hábitos diferentes, pelo que toda a actividade económica tem de se adaptar.
Como vê esta crise de confiança entre os consumidores?

É o resultado de só se falar dos problemas.

Mas pode-se falar de projectos que não existem?

É verdade: vai ter de haver uma mudança brutal no tecido económico português. Empresas baseadas num único patrão, sem quadros, sem governação, não funcionam.
Isso é uma má notícia para os portugueses. Significa que há uma reestruturação ainda por fazer...

Pois há. As empresas têm de perceber que devem ter uma dimensão mínima. Têm de ocorrer compras, ou fusões, e têm de decidir se querem ser empresas num mercado aberto. Isso implica ter quadros, definir estratégias, políticas salariais.

Então boa parte do nosso tecido empresarial, até industrial, está condenado...
E está mesmo. Mas pode-se mudar. Basta ver como mudou a região do Douro e os vinhos que lá hoje se produzem.

Tem defendido outras políticas salariais. Como é que pode passar a pagar melhor?

Com prémios por objectivos. Dizer, por exemplo, a um operário: o target da sua máquina é realizar um determinado número de embalagens com um determinado número mínimo de avarias, e se isso acontecer haverá prémios de produtividade. Na Fima-Lever-Iglo há prémios semanais por objectivo e anuais em função dos resultados, e na Jerónimo Martins o prémio é uma componente importante do salário anual.

Concorda com a taxa agravada de três por cento nos contratos a prazo?

Não. Isso vai diminuir o emprego. São custos a mais e as empresas vão-se ressentir. Onde estou cem por cento de acordo é no desaparecimento do recibo verde, que acho indecente. Só espero é que o Estado dê o exemplo, porque é o maior empregador de recibos verdes. E também de contratados a prazo, também não paga horas extraordinárias, e o exemplo tem de vir de cima.

Colabora com o Banco Alimentar contra a Fome. Sente que há uma nova pobreza?

Nos grandes centros urbanos como Lisboa há hoje uma pobreza que não havia. Mas, em contrapartida, ando muito pela província e lá não encontro essa pobreza. Por vezes, temos dificuldade em encontrar pessoas para as nossas empresas, para os nossos armazéns.

Por outro lado, a forma como na nossa empresa os funcionários aderiram ao programa Novas Oportunidades foi extraordinária. As pessoas têm vontade de progredir, a grande mudança que vai ter de ocorrer é no empresariado.

Os políticos têm de falar verdade e com coragem. E cumprir as promessas.