21.4.08

Há lares de idosos sem fins lucrativos que arranjam vagas em troca de donativos

Joana Pereira Bastos, in Jornal Público

Responsável diz que não tem dúvida de que situação "acontece em larga escala e que precisa de investigação"

Há lares sem fins lucrativos apoiados pelo Estado que "vendem" vagas em troca de avultados donativos, deixando em lista de espera os idosos mais carenciados. A Segurança Social sabe da prática, que pode constituir um crime de burla, mas diz ter dificuldade em actuar.

No final de 2006, Graça (nome fictício) tentou pôr a mãe, então com 92 anos, no lar da Santa Casa da Misericórdia de uma vila transmontana, onde lhe pediram 15 mil euros. Disseram-lhe que "havia uma longa lista de espera e que se não pagasse davam a vaga a outra pessoa".

Numa outra instituição de solidariedade social, na área do Porto, a mãe ficou em lista de espera. Passados alguns meses, Graça voltou a contactar esta instituição de beneficência apoiada pelo Estado. "Disseram-me que iam ser francos, que havia pessoas em lista de espera dispostas a pagar cinco mil euros. Ficou decidido que se eu desse essa quantia, a minha mãe tinha uma vaga. Paguei mil contos, deram-me um recibo a dizer "donativo" e ela entrou logo".

A história de Graça é apenas uma entre muitas, segundo a Rede Internacional de Prevenção da Violência Contra a Pessoa Idosa, que garante que situações como esta são generalizadas em Portugal. "Não tenho nenhuma dúvida de que isso acontece em larga escala e que precisa de uma investigação judicial", disse à Lusa José Ferreira Alves, representante português nesta rede internacional. "A situação ainda acontece muito nas Misericórdias e nas instituições particulares de solidariedade social (IPSS)".

O presidente do Instituto da Segurança Social (ISS), Edmundo Martinho, sublinhou que "a pressão para dar donativos em troca de uma vaga é ilegal e constitui um crime de burla". "A grande maioria das instituições não utiliza essas práticas, mas sabemos que a realidade existe. Já nos chegaram cartas, algumas das quais anónimas, a relatar essas situações", afirmou o responsável. Edmundo Martinho garante que o instituto tentou investigar os casos, mas que "é difícil provar que os idosos foram pressionados a fazer um donativo para assegurar a vaga e que só entraram porque deram esse dinheiro". No ano passado tiveram apenas uma queixa que deu entrada na Procuradoria-Geral da República, que a remeteu para a Inspecção-Geral da Segurança Social.

A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) tem dado orientações aos lares para não condicionarem as vagas à entrega de donativos, considerando que "isso não é uma boa prática". No entanto, o padre Lino Maia, presidente da CNIS, salienta que "muitas instituições estão a lutar pela sua sobrevivência", uma vez que a comparticipação do Estado por idoso, fixada nos 330 euros mensais, não chega a metade do custo que, em média, um lar tem por cada pessoa internada. Por isso, defende que deveria ser criado um novo modelo de financiamento.