27.4.08

Perguntas & Respostas - Crise prejudica mais quem gasta tudo em comida

in Jornal Público

Quanto aumentaram os preços?

De Março de 2007 a Março de 2008, o índice de preços de alimentos da FAO subiu 57 por cento. Na base destes aumentos estão os cereais. No mesmo período, o milho aumentou 31 por cento, o arroz 74 por cento, a soja 87 por cento e o trigo 130 por cento.

Porque aumentaram os preços?

Por uma conjugação de factores. O primeiro teve a ver com o aumento da população, mas sobretudo com o crescimento da procura de países como a China e a Índia, que começaram a ter um nível de vida que lhes permitiu incluir carne na sua dieta. Por isso, houve mais necessidade de rações para os animais. A procura também aumentou para biocombustíveis, que começaram a competir com o sector alimentar. Por outro lado, alguns países exportadores tiveram maus anos de colheitas. O aumento do petróleo também contribui para encarecer os factores de produção, desde os fertilizantes aos transportes. Acresce ainda a especulação no mercado de futuros.

A situação é inédita?

Não, já houve outros picos, o mais grave dos quais no final dos anos 70. Mas, depois, os preços sofreram, ao contrário do que agora se prevê, uma queda abrupta. Aliás, em termos reais, os preços têm vindo sempre a cair nos últimos 30 anos. Em termos nominais, foram-se mantendo estáveis, em grande parte devido à intervenção dos Estados que, nos países ricos, subsidiam os agricultores para que estes não aumentem os preços ao consumidor, enquanto nos mais pobres, os produtores foram sendo gradualmente descapitalizados.

Quem ganha e quem perde?

Os do costume. Nos países ricos, os agricultores começaram a reagir aos preços e a plantar mais, prevendo-se que Estados Unidos, Austrália, França e Canadá sejam recompensados. Outros países emergentes, como o Brasil e a Argentina, também podem sair a ganhar. Mas também haverá perdedores no mundo desenvolvido, pois há países que são grandes importadores e a balança comercial tende a ressentir-se, como é o caso de Portugal. África e Ásia perdem em toda a linha, com algumas excepções. Mas quem fica realmente a perder é quem tem menos. Os mais pobres, que gastam mais de metade do seu orçamento em comida, têm de racionar ainda mais. E as zonas rurais, onde se aninha boa parte da pobreza mundial, também não está a ganhar nada com a situação, pois, além de não receberem mais pela alta dos preços, são também consumidoras de alimentos. E a fome começa a ganhar raízes mais profundas nas zonas urbanos das nações em desenvolvimento.

Há realmente falta de comida no mundo?

Não. Apesar da queda na oferta e das baixas reservas, ainda há alimentos até às próximas colheitas, diz a FAO. Mas há um problema grave de acesso a estes produtos, que se agravou imenso com a actual alta de preços.

Terá o planeta capacidade de resposta para a crescente população mundial?

Se todos consumissem como os países ricos, de forma alguma. Isso ficou agora muito claro. Mas a agricultura já está a responder à crescente procura e prevêem-se boas colheitas no Verão, o que poderá aliviar a pressão sobre os preços. Mas nada voltará a ser como antes.

Quais as soluções possíveis?

Muito depende da vontade política dos governantes. Medidas como o proteccionismo que alguns países adoptaram nos últimos dias só pioram a situação, porque distorcem ainda mais um mercado já de si completamente desvirtuado. Aliás, muitas das discussões sobre o futuro do sector vão ter de passar pela correcção de inúmeros factores de distorção, como as barreiras às importações e os subsídios. Mas o mercado, só por si, não irá resolver tudo e parte da acção mundial, como muitos defendem, poderá passar por apoiar os agricultores dos países pobres a aumentar a sua produtividade através de novos métodos e tecnologias, onde houve grande desinvestimento nos últimos 30 anos.

Os transgénicos são uma solução?

Os seus defensores dizem que sim, porque poderiam ser desenvolvidas sementes mais adaptadas a climas e solos menos aptos, assim como aumentar a produtividade. Mas a opinião pública europeia - e também alguma asiática - é muita adversa a estas técnicas. Receiam-se os impactos sobre a saúde e o ambiente e a dependência que esta tecnologia cria junto dos agricultores, já que as sementes têm de ser adquiridas todos os anos. Este confronto está agora a ganhar novo fôlego. A.F.