14.4.08

FMI alerta que inflação do preço dos alimentos e dificuldades no abastecimento agravam cenário de fome

Rita Siza, Washington, in Jornal Público

Ministros avisam que crise está longe de ter sido ultrapassada


É quanto subiu o preço do arroz no último ano, atingindo um valor recorde.
O preço do trigo aumentou 120 por cento

Entre a constatação do agravamento da situação económica a nível mundial, os avisos para a necessidade de medidas de prevenção e combate aos desequilíbrios cambiais e as recomendações para a maior regulação dos mercados, o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, deixou ontem uma importante chamada de atenção: a alta continuada dos preços dos bens alimentares está deixar uma parte do mundo à beira de um preocupante cenário de fome.

"Centenas de milhares de pessoas estão em risco de passar fome. Muitas crianças vão crescer com má-nutrição. As consequências serão terríveis", frisou Strauss-Kahn, no final das habituais reuniões da Primavera do FMI e do Banco Mundial, em Washington.
A escalada dos preços dos bens alimentares básicos - trigo, arroz - e as dificuldades no fornecimento de comida têm vindo a provocar revoltas e tumultos na Ásia, América Latina e África. É neste continente que o problema é mais agudo. "Os avanços alcançados nos últimos anos podem ser destruídos", estimou Strauss-Kahn.
O preço do arroz, que é a base da alimentação de metade do planeta, subiu 96 por cento no último ano, e encontra-se agora no seu valor recorde de 21,60 dólares por 100 libras (aproximadamente 45 quilos). No mesmo período, o preço do trigo disparou 120 por cento.

Vários países já tomaram medidas de emergência para fazer face à inflação alimentar, cortando nas exportações ou levantando tarifas alfandegárias - China, Vietname, Índia e Egipto, que respondem por mais de um terço do mercado mundial do arroz, diminuíram as suas vendas para o exterior. Também a Argentina e a Rússia estão a desencorajar as exportações.

Dominique Strauss-Kahn sublinhou que além de ser um problema humanitário, o espectro da fome é também uma das mais sérias consequências da actual conjuntura negativa a nível mundial - e pode contribuir para o aprofundamento da crise, pois levará a maiores desequilíbrios económicos, com graves repercussões no progresso dos países em desenvolvimento e nas economias mais avançadas.

Para a organização de apoio ao desenvolvimento Oxfam International, grande parte da responsabilidade pela situação cabe precisamente aos países ricos, que têm vindo a cortar no orçamento disponível para a ajuda aos países em desenvolvimento.
Paralelamente, os incentivos à produção de biocombustíveis (particularmente o etanol) levou a uma inflação nos preços dos cereais e a uma diminuição das alternativas em termos de colheitas alimentares. Segundo a porta-voz do Programa Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas, Bettina Luescher, "muitos agricultores estão a arrancar as suas culturas e a substituí-las, por exemplo ,por milho por causa da especulação do mercado dos biocombustíveis".

A ministra do Desenvolvimento da Alemanha, Heidemarie Wieczorek-Zeul, apelou a uma maior regulação do mercado mundial dos biocombustíveis. "É inaceitável que a exportação de combustíveis agrícolas ponha em causa o fornecimento alimentar das populações que vivem em situação de pobreza extrema", disse.

A porta-voz da ONU classificou como uma "tempestade perfeita" a combinação dos factores que explicam esta alta de preços: a subida do preço do petróleo [cerca de 400 por cento nos últimos cinco anos] e dos preços da energia; a pressão na oferta por causa do desenvolvimento de países como a Índia ou a China ou os efeitos de maus anos climáticos.

"É preciso encontrar respostas imediatas para atacar esta emergência", sublinhou o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, acrescentando que a comunidade internacional tem a obrigação de eliminar o défice de 500 milhões de dólares que afecta o funcionamento do Programa Alimentar da ONU. Mas o dirigente quer que os países se comprometam com outras iniciativas e nesse sentido apresentou várias propostas para a política alimentar global: mais apoios para a produção de alimentos e promoção de parcerias com o sector privado em projectos agro-industriais.
Os ministros das Finanças da Europa e dos EUA consideraram ontem que a actual crise financeira provocada pelo colapso do mercado de crédito imobiliário norte-americano está longe de ser ultrapassada e apelaram às instituições bancárias que tomem precauções para evitar que a situação possa repetir-se.

"A cadeia de más notícias ainda não chegou ao fim", declarou o ministro italiano Tommaso Padoa-Schioppa, em Washington para as reuniões do FMI e um encontro do G7-Grupo dos Sete Países Mais Industrializados do Mundo. "Os mercados ainda se estão a ajustar, mas a turbulência ainda não acabou. A situação é muito frágil", concordou o vice-presidente da Reserva Federal americana, Donald Kohn.

Os responsáveis do G7 recomendaram a adopção das medidas propostas num relatório do Financial Stability Forum, nomeadamente a divulgação dos investimentos que registam prejuízo nas contas semestrais, a revisão das regras de gestão da liquidez e o melhoramento dos critérios de contabilidade. Mas Donald Kohn considerou que, por mais apertada que seja a supervisão, os mercados continuarão a registar ondas de optimismo e pessimismo que são imprevisíveis e condicionam o comportamento dos investidores. "O nosso papel como reguladores é tentar tornar o sistema mais resistente", disse. R.S.