8.4.10

Manuel Lemos: Combate à pobreza não passa pela distribuição de dinheiro às pessoas

Hélder Nunes, in Barlavento

Para Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias, a pobreza deve-se à incapacidade de gestão das pessoas. Prestar serviços às comunidades mais carecidas é o caminho indicado, fugindo à entrega de dinheiro, cuja administração é sempre duvidosa. Eis a segunda parte da entrevista que Manuel Lemos deu ao semanário «barlavento».

b. - A política de apoio à terceira idade deve passar pelo apoio domiciliário, pelos lares...

M.L. - O envelhecimento é um processo. Há gente que precisa de ir logo para um lar, há gente que pode ficar cada vez mais tempo no apoio domiciliário.
Uma coisa é certa, não podemos transformar o imenso Portugal num quarto. Temos oito por cento de pessoas com mais de 65 anos, em breve teremos 32 por cento.
O processo de envelhecimento obriga, em cada comunidade, a um conjunto de respostas, não há nada versus este versus aqueloutro, ou lar versus unidade de cuidados continuados.

Temos que olhar para o envelhecimento como um processo e temos que ser suficientemente flexíveis, nós, as pessoas e o Estado, para, a cada instante, respondermos às necessidades das pessoas da forma mais eficaz e mais segura.
Hoje muita gente quer ir para um lar, não porque precise verdadeiramente de ir para um lar, mas porque tem medo de, no dia em que precisar, não ter lugar.

Só se dá resposta a esta necessidade se tivermos um apoio domiciliário efetivo. Então vamos conseguir libertar a pressão que existe em cima dos lares e em contrapartida tentamos responder às pessoas quando precisam.

b. - Como é que se combate a pobreza?

M.L. - Combate-se com persistência e tempo. Com medidas que não passam pela distribuição de dinheiro às pessoas. Pobreza é incapacidade de gestão de recursos.
Se distribuírem dinheiro às pessoas, elas gastam-no muitas vezes mal gasto. É nas escolas junto aos bairros pobres que as crianças têm um telemóvel de cada rede.
Digamos que há uma incapacidade da gestão de recursos. As Misericórdias sempre entenderam que o que é importante para combater a pobreza, nomeadamente num momento de grande contração económica como este que vivemos e viveremos nos próximos quatro a cinco anos, em vez de dar dinheiro às pessoas, é prestar-lhes serviços.
Querem comer, damos comida, querem segurança, damos segurança, querem afeto, damos afeto, querem ir ao médico, levamo-las ao médico, precisam de estar numa unidade de cuidados continuados, respondemos dessa forma.
Isto é mais importante do que dar dinheiro e a grande resposta do setor social geral e das Misericórdias em Portugal é colaborar com o Estado nesta fase para podermos prestar estes serviços.

b. - Foi eleito presidente internacional das Misericórdias. Que papel cabe às Misericórdias portuguesas no mundo?

M.L. - As Misericórdias são, em muitos aspectos, líderes mundiais na cooperação com o Estado. As nossas Misericórdias, se fossem alemãs, inglesas ou francesas eram impostas pela União Europeia, assim custa-nos mais, mas lá chegaremos.
É evidente que temos Misericórdias noutros países com atividades fantásticas, como as italianas, que são setecentas e são mais antigas que as portuguesas, e estão à nossa frente no apoio à pobreza envergonhada.

Têm soluções muito interessantes e por isso a Confederação Internacional das Misericórdias é sobretudo um espaço de diálogo, à volta de um ideário comum que são muito os valores da nossa civilização ocidental.

No momento em que estamos, com uma grande crise de valores, a circunstância de quase quatro mil instituições se terem juntado para trabalharem em conjunto é um grande sinal de esperança para a humanidade e para mim é uma honra enorme ter sido escolhido para liderar.

b. - O próximo congresso internacional, em 2012, vai ser em Portugal. Já há comissão formada, quais os temas que irão debater...

M.L. - O último congresso foi em Novembro, no Brasil, e o próximo será em Portugal, para passarmos o testemunho.

Não faz sentido que o presidente se prolongue no tempo e encontremos outro presidente de outra Nação, para que o efeito simbólico que tem se propague. Não temos ainda uma comissão. Já temos o local, será no Porto/Gaia.
Ainda não temos escolhidos os temas, mas, até ao final deste ano, em reuniões internacionais, vamos começar a escolher os temas que mais interessam às Misericórdias, mas andarão muito à volta da problemática do envelhecimento.

b. - As Misericórdias têm futuro ou vão ter grandes dificuldades nos próximos anos? Que medidas preconiza para responder a essa situação?

M.L. - As Misericórdias são instituições com muito futuro. Desfeito o mito de que os Estados iam responder a todas as necessidades das pessoas, que foi um mito do meio do século XX e já estamos no XXI, cada vez mais as sociedades são responsabilizadas através das suas instituições organizadas a tomarem conta de si.

Os Estados têm uma parcela de responsabilidades, mas não conseguem resolver esses problemas todos.

É evidente que hoje o grande problema da humanidade é a questão do envelhecimento e sobretudo nos países muito desenvolvidos, em que o envelhecimento é um problema que leva a mudar tudo. Vai mudar tudo, o consumo, os interesses, mas também vai mudar a própria população idosa que vai querer ter um computador.

As instituições da sociedade civil, como as Misericórdias, que têm valores seculares com os quais as populações se identificam, têm que ser protegidas pelas comunidades, porque elas são de alguma maneira a continuidade no tempo de um conjunto de valores em que nós acreditamos, que nos marcam e ao mesmo tempo são suficientemente flexíveis para acompanhar a mudança dos tempos, porque são instituições da comunidade.