por Rita Carvalho, in Diário de Notícias
Em 2009, havia 9563 crianças em instituições. Mas a aposta na família aumentou
Cristina foi socorrida na urgência de um hospital da periferia de Lisboa com sinais visíveis de maus tratos. O caso foi imediatamente sinalizado ao tribunal, que acabou por retirá-la ao pai, violento e alcoólico, e entregá-la a um centro de acolhimento temporário. Cristina juntou-se, assim, às 2187 crianças e jovens que em 2009 entraram num lar, centro ou família de acolhimento, fazendo um total de 9563 institucionalizações. Mas o percurso inverso também ocorreu. Das 3016 que saíram, 30% voltaram para casa.
Os dados do Plano de Intervenção Imediata de 2009, relatório elaborado pela Segurança Social, mostram que a maioria destas crianças tem menos de nove anos, mas possui já um historial complexo de desestruturação familiar, com problemas de maus tratos, perturbações mentais, dependências e abandono que determinaram o seu afastamento da família. Contudo, com o apoio dos técnicos das instituições e de toda a rede social, foi possível que pais, tios ou avós os recebessem de volta.
"Uma tarefa trabalhosa que exige muita dedicação. Implica estudar a viabilidade da família, falar com pais, familiares, analisar as suas condições psicológicas e sociais, visitar o local de trabalho ou resolver um problema de saúde, dependência ou emprego", explicou ao DN Cecília Abecassis, directora do Centro de Acolhimento Temporário de Tercena. Para isso, diz, é preciso haver técnicos que possam sair porta fora e trabalhar no terreno, fomentando a aproximação da criança à família.
"O primeiro investimento é sempre aqui, mas em muitas famílias não é possível e as crianças acabam por perder tempo demais neste processo. Mas nas que funciona, depois de avaliado o risco, solicitamos uma medida de confiança ao tribunal." Se a resposta for positiva, a criança regressa a casa, mas o trabalho de acompanhamento social não acaba aqui, prolonga-se por mais tempo.
A aposta nas famílias é uma prioridade, assume a secretária de Estado adjunta e da Reabilitação. Idália Moniz reconhece que isso exige capacitar os pais para as suas funções parentais e funcionais, que vão desde a gestão do orçamento familiar à criação de cuidados de saúde e de higiene. "Este trabalho tem permitido desinstitucionalizar estas crianças com segurança", afirmou ontem, sublinhando o reforço de meios humanos e técnicos que chegou em 2008, com o Programa Desafios, Oportunidades e Mudanças.
Filomena Bordalo, da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, diz que o sucesso deste trabalho depende em muito da articulação dos agentes sociais da comunidade, pois as famílias sofrem de múltiplos problemas.
No ano passado subiu também o número de crianças com projecto de vida. Das 12 579 acompanhadas pela rede social, só 282 é que não tinham um futuro delineado. O regresso à família nuclear e alargada era o objectivo para mais de 2800 crianças. Em 2004, só 1614 tinham esse projecto traçado.
O Governo sublinha o facto de em 2009 o número de crianças e jovens que saíram das instituições ter superado o das que entraram. Mas o perfil está a mudar. Mais de 50% são adolescentes, problemáticos, sofreram maus tratos físicos e psicológicos e têm problemas de comportamento e saúde mental.