3.10.14

Apesar da crise, Portugal foi o “cão que não ladrou” na Europa

Maria Lopes, in Público on-line

Na abertura da conferência “À procura da liberdade”, no CCB, o antigo líder da oposição canadiana disse que as convulsões económicas podem ser graves para a liberdade.

O Estrela de Prata era um cavalo campeão que desapareceu durante a noite, apesar de bem guardado por um cão, em vésperas de uma importante prova hípica. Chamado a investigar o caso, o detective Sherlock Holmes acabou por perceber que não houve qualquer barulho durante o roubo. Nem o cão ladrou. E não o fez porque o ladrão do cavalo era o dono de ambos os animais.

Foi citando a literatura policial que Michael Ignatieff, escritor canadiano, antigo líder do Partido Liberal do Canadá e da oposição na Câmara dos Comuns entre 2008 e 2011, e actual professor na Universidade de Harvard, apontou o dedo à audiência do grande auditório do CCB para dizer que durante a grave crise que a Europa atravessa desde 2008, “o cão que não ladrava é Portugal”. Ignatieff foi o orador da sessão de abertura da conferência À procura da liberdade, do terceiro encontro Presente no Futuro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos organiza esta sexta-feira e sábado em Lisboa.

E Portugal não ladrou porquê? “Porque está integrado na União Europeia” – de onde veio parte do problema mas de onde veio também a solução. “Há um grande ressentimento por toda a Europa, incluindo na Alemanha, sobre a pouca natureza democrática das instituições europeias”, assinalou, mas os países não lutam contra isso.

“A crise pode ser grave para a liberdade”, disse Ignatieff, lembrando que Portugal, Espanha e Grécia passaram, na sua história recente, por regimes ditatoriais, mas que, apesar das grandes dificuldades em que mergulharam nos últimos anos, não voltaram a ter regimes autoritários. Porque, felizmente, “a democracia liberal é resiliente e forte na Europa Central e do Sul”.

Sobre a Espanha, mergulhada nas últimas semanas na discussão sobre a vontade de autodeterminação – uma “forma de liberdade” - da Catalunha, Michael Ignatieff defende que Madrid e Barcelona devem chegar a acordo sobre um referendo constitucional para perguntar “querem sair? Sim ou não?”. “Seria ideal que os tribunais encontrassem na legislação espanhola uma forma de questionar as pessoas. Não se pode mantê-las assim.” Depois da consulta popular, “concede-se a liberdade por consentimento”, acrescentou.

A escolha “é difícil”, e admite que haja quem se sinta catalão e espanhol tal como na Escócia havia quem se sentisse simultaneamente escocês e britânico. Canadiano, Ignatieff lembrou o caso do Quebeque e realçou que no seu país também se pode sentir alguma fricção de separatismo. “Eu gosto que os países se mantenham unidos.”

O assunto – seja em Espanha ou noutro país -, tem que ser gerido com cuidado, porque a “autodeterminação de uma minoria pode ameaçar a liberdade de uma maioria” e pode levar a uma secessão unilateral “que é receita para a guerra civil”, avisou o canadiano.