3.9.15

Editorial: Por que publicamos esta fotografia

in Público on-line

Não é fácil olhar para esta fotografia e não foi fácil tomar a decisão de a publicar. É uma imagem que impressiona. O primeiro instinto que temos é desviar o olhar. A seguir olhamos de novo, mas a querer fechar os olhos. No esforço entre olhar e não olhar, acabamos por levar uma estalada duas vezes.

Tínhamos algumas opções: não publicar, publicar uma imagem mais ambígua, ou publicar no espaço mais nobre do jornal.

Há bons argumentos para não a mostrar. É uma imagem violenta, logo evitável; há formas mais subis de mostrar a realidade sem cair no sensacionalismo, “sem mostrar o horror”, como diz um colega fotógrafo; temos de respeitar a dignidade daquela criança.

Mas há melhores argumentos para a mostrar. Às vezes, é nosso dever publicar imagens impressionantes. Sem pixéis, sem sombras, sem filtros. Vamos de forma paternalista proteger o leitor de quê? De ver uma criança morta à borda da água, numa praia europeia, com a cara na areia? Não é igualmente doloroso ler sobre estas tragédias? Na escrita, não escondemos a realidade. Queremos, pelo contrário, recolher o máximo de factos. Por que é que na imagem usamos critérios diferentes? Porquê ter pudor na imagem, mas não na palavra?

Teríamos tido uma quarta-feira mais simpática se não tivéssemos olhado para esta imagem. Como teríamos tido, há dois anos, um melhor Agosto se não tivéssemos visto os bebés sírios mortos em Damasco com armas químicas. Teria sentido só vermos essas imagens daqui a 50 anos? Esta imagem é uma notícia. É a primeira vez que vemos uma imagem assim. Desde 2013 que lemos sobre mortes diárias no mar Mediterrâneo, de famílias, pais e filhos, que tentam chegar à Europa fugidos da guerra e da pobreza. Em Lampedusa, o Papa Francisco fez um apelo ao “despertar das consciências” para combater a “globalização da indiferença”. O mundo comoveu-se e seguiu em frente. À sua volta, estavam jovens negros de cabelo crespo. Não nos impressionou. Olhámos para eles como aventureiros de países perdidos. Agora os náufragos no nosso mar são brancos de classe média. Tudo neste bebé é familiar. O corpo, a pele, a roupa, os sapatos. Não sabemos se esta fotografia vai mudar mentalidades e ajudar a encontrar soluções. Mas hoje, no momento de decidir, acreditamos que sim.