17.9.15

Quem pediu uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza?

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Reflexões de grupo de trabalho apresentadas esta quarta-feira, no Palácio da Bolsa, no Porto


Primeiro passo: constituir um grupo ad hoc na Assembleia da República destinado a criar uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza. Segundo passo: gerar um acordo parlamentar de princípios sobre o que isso pode ser. Terceiro passo: fazer uma lei que enquadre tudo isso. Por fim, definir a dita estratégia e passar a pasta ao Conselho de Ministros.

Ninguém pediu nada. E a EAPN- Rede Europeia Antipobreza/Portugal não esqueceu que é incumbência do Estado definir uma eventual Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza. Considera que, no actual contexto social e económico, essa deve ser uma prioridade do país e procura induzir mudança, apresentando ideias antes mesmo das eleições de 4 de Outubro.

Perante as estatísticas que davam conta de um aumento da pobreza, em particular entre as crianças, criou um grupo de trabalho que congrega estudiosos, activistas e membros de organizações de âmbito local, regional ou nacional. Ao longo de quase dois anos, promoveu encontros para que pudessem reflectir, debater, lançar propostas que possam servir de base a uma eventual estratégia nacional. O resultado é apresentado às 18h00 desta quarta-feira, no Palácio da Bolsa, no Porto, no número anual da Revista de Política Social, editada pela EAPN-Portugal.

Quem põe as cartas na mesa é Alfredo Bruto da Costa, especialista em pobreza e exclusão, professor catedrático, conselheiro de Estado, que faz parte do grupo de trabalho e já foi ministro, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, presidente do Conselho Económico e Social e da Comissão Nacional de Justiça e Paz. A comentar, o cientista Sobrinho Simões e o frei Fernando Vieira.

O documento passa em revista as políticas de luta contra a pobreza desenvolvidas em Portugal e da União Europeia e põe a tónica na actualidade: “A profunda crise que afectou uma parte substancial da economia global a partir de 2008, com reflexos profundos em Portugal, traduziu-se numa clara inversão do ciclo de diminuição da pobreza que se vinha registando desde a década de 90. As políticas de austeridade implementadas a partir desse ano, em particular após a assinatura do Memorando de Entendimento com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia em 2011, traduzem-se num inequívoco agravamento das condições de vida da população”.

O actual Governo merece especial reparo. No entender do grupo, o modelo de Estado Social criado no pós-25 de Abril tem vindo a ser descaracterizado, estando a ser convertido num de "Estado de protecção minimalista, supletivo da protecção privada”. “A abordagem dos problemas de pobreza e exclusão social em Portugal está a ser fortemente marcada por uma ideologia ligada ao assistencialismo e a medidas de emergência social, um recuo inesperado após várias décadas de vigência de um ideário de cidadania social.”

O grupo defende que “é sobretudo em períodos de aumento de pobreza que é necessário um maior investimento nos apoios sociais e uma abordagem preventiva que abranja todos os aspectos relevantes”. “Fazer crer que exclusivamente pela via do crescimento económico se resolvem os outros problemas da sociedade é uma mistificação grosseira em sociedades como a portuguesa”, refere, segundo se pode ler na revista.

Não se limitam a criticar os cortes nas prestações sociais. Lembram que “o investimento na educação constitui uma das principais armas de combate à pobreza”. E sustentam que “o investimento na saúde não pode continuar a ser encarado apenas como um custo”. “A saúde e a protecção social são estabilizadores económicos, pelo que investir nestes domínios serve não só para proteger as pessoas da crise, mas também como factor importante de recuperação económica do país”, sublinham ainda antes de apresentar o roteiro para a definição de uma Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza.