25.9.15

Como sobrevivem os voluntários a tempo inteiro

Joana Ferreira da Costa, in Sol

Depois ver o apelo de João Vasconcelos no Facebook, Maria Miguel Ferreira, de 37 anos, nem hesitou. Telefonou ao amigo e disse-lhe:
«João, quero ir contigo para a Croácia ajudar os refugiados que estão a chegar à Europa». Os dias que se seguiram foram caóticos. A empresária falou com o colega da agência de comunicação, onde trabalha, para aguentar a sua ausência. E depois contactou alguns dos seus principais clientes: «Expliquei-lhes a urgência da minha partida, pedindo a sua compreensão, mas sobretudo o seu contributo para levar roupas e alimentos aos refugiados». Esteve fora do país durante cmco dias, juntamente com outros dois companheiros de viagem. os empresários João Vasconcelos e Miguel Vieira - que partiram no sábado passado acompanhando os três camiões TIR que levaram a ajuda portuguesa à fronteira
com a Sérvia onde todos os dias chegam milhares de refugiados. «Nunca tinha feito voluntariado desta forma, mas para mim a situação era tão grave que tinha de ter resposta imediata. O trabalho e tudo o resto passaram para segundo plano».

50 ouros por mós

Se para Maria Miguel este apoio foi uma experiência curta, há portugueses espalhados pelo mundo que se tornaram voluntários a tempo inteiro.
Miguel Jarimba, 31 anos, fez da educação e ensino em Moçambique o seu projeto de vida. Há oito anos que faz voluntariado. Para isso, trabalha ao longo de vários meses em Portugal para depois ir para Moçambique participar em projetos da associação Equipa D África.
Licenciou-se em Geografia e foi juntando dinheiro a dar explicações a colegas, a ensinar Religião
e Moral em escolas básicas dosarredores de Usboae a trabalhar em vários organismos. Quando surgia uma missão, demitia-se. «Despedi-me várias vezes. Em 2009. estive sete meses na Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal e despedi-me para ir para Moçambique», recorda.
Pressionado pela famiia, que vive nos Açores, e pelos amigos, decidiu fazer uma pausa no vohmtanado. «Diziam-me que nunca ia ter uma carreira profissional e, por isso, em novembro de 2010 aceitei ir trabalhar em Macau». Mas o emprego durou pouco. Ao fim de três meses, desafiado pela AMI, foi para o Sri Lanka ensinar portugnés aos membros de uma minoria católica, durante seis meses. Em dezembro passado regressou de um dos seus maiores desafios.

Esteve um ano num projeto em Mecanhelas, na provincia moçambicana de Niassa, com a namorada Bruna. de 27 anos. Ele deu aulas a crianças ejovens e ela estudante de enfermagem, ensinou as mães a escolher alimentos nutritivos para os filhos. Viveram sem ordenado, com 50 euros por mês de ajudas de custo, que gastavam em café expresso ou numa Coca.cola quando iam à cidade. Miguel regressou, entretanto, a Portugal mas continua a viver para o voluntariado. «Estou a trabalhar com os Missionários da Consolata numa quinta do Cacém». Já a namorada Bruna arranjou emprego como enfermeira num lar de idosos.

Desde que chegaram, nunca foram ao cinema e raramente jantaram fora. Não têm carro e vivem em casa dos pais dela. Mas em outubro vai tudo mudar: vão casar e alugar um apartamento pequeno em Algés. «Sentimo-nos felizes a fazer isto», explica Miguel, lembrando que a sua opção de vida significa não ter luxos. «É por Isso que muitos voluntários acabam por desistir».

Viver feliz numa favela de Nalróbi

Aos 26 anos. Marta Baeta coordena sozinha um projeto que apoia 65 crianças e jovens no Quénia. Vive na maior flwela do país, nos
Dez voluntários que foram à Croácia entregar doações aos refugiados chegaram ontem. Mas há portugueses espalhados pelo mundo que deixaram para trás a carreira e abdicaram de um salário para ajudar os outros.

Instituições prontas a acolher

A Plataforma de Apoios aos Refugiados (PAR) Já tem garantido o acolhimento imediato em 47 instituições do país de famílias de migrantes que cheguem e Portugal. «Se os refugiados chegassem amanhÃ, essas Instituições já teriam capacidade de lhes entregar uma casa, dar alimentaçêo, apoio na procura de trabalho, ensino de português. educaçÃo e saúde», explicou ao SOL o coordenador da PAR, Rui Marques. Portugal deverá acolher 4.500 refugiados nos próximos dois anos, mas para as organizações no terreno continua a ser uma incógnita o perfil e as características destas famílias. O país deverá receber mais de 70 milhões de euros em fundos comunitárlos para integrar estes migrantes. J.F.C.
arredores de Nauóbi, e tem uma vida bem diferente daquela que tinha em casa, no Barreiro.

Hoje, trabalha todos os dias para dar educação, roupa e uma refeição diária às crianças do projeto de voluntariado Fom Kibera with Love. E consegue concretizar a sua missão graças aos donativos e apoios que arranja em Portugal, mas também com a ajuda de outros voluntários, alguns portugueses.

Não recebe um salário e sobrevive com o dinheiro que junta num part-time de venda de suplementos alimentares. «A coisa boa é que em Klbera vive-se com muito pouco: é tudo barato», relata Marta ao SOL.

Em vez de comprar em lojas, veste roupa em segunda mão, vendida nos mercados locais por menos de um euro. «Por Incrivel que pareça, consegue-se comprar roupa girw, diz. «Nunca fizi habituada a grandes luxos e sempre trabalhei para ter dinheiro», explica.

Só quando vem a Portugal é que Marta consegue manter hábitos antigos: não prescinde de ir ao cabeleireiro, de comer no McDonalds e de fazer uma noitada com os amigos. A famiia também já aceitou a sua opção de vida. Quando em janeiro do ano passado partiu para o Quénia, foi dificil convencer o pai a aceitar a decisão: «Queria que eu tivesse uma vida e um trabalho normais, que estivesse perto dele».

Entretanto, ontem chegaram a Portugal os 10 voluntários que foram à Croácia levar roupa, alimentos e brinquedos doados por portugueses de todos os pontos do pais.

O mentor da ideia, o empresário João Vasconcelos, conta com orgulho que «a sociedade civil

À falta de uma união espontânea, a Europa força uma posição comum para responder à crise de refugiados. O Conselho Europeu de quarta-feira em Bruxelas acenou com mais dinheiro, mas o «plano concreto» pedido por Donald Tusk fica adiado para nova cuneira de lideres, em outubro. O presidente do Conselho lembrou, já depois da reunião, que ((a maior maré de refugiados e migrantes ainda está por vir».

A cimeira inconclusiva dos chefes de Estado e de Governo dos 28 foi reflexo do encontro do dia anterior entre os ministros da Administração Interna. As propostas para acolher mais 120 mil refugiados (ver coluna) e requerentes de asilo através de um sistema de distribuição obrigatório na UE foram aprovadas por maioria qualificada, e não pela habitual unanimidade.

República Checa, Eslováquia, Roménia e Hungria votaram contra (Finlândia absteve-se) na terça-feira, por considerarem o sistema de quotas um ataque à sua soberania. O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán - o maior contestatário à receção dos refugiadose engenheiro do mais recente muro erguido na Europa -já tinha deixado claro que Berlim não pode impor o «moralismo imperial» aos outros Estados-membros. As reações multiplicaram-se, desde o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, a recordar que «para desafios globais uma resposta nacional é impossível», até ao mais assertivo PR gaulês François Hollande:
«Aqueles que não partilham os nossos valores, que nem sequer querem respeitar esses princípios, precisam de se questionar sobre o lugar deles na União Europeia».

Cimeira de nmneros

Com este precedente de divisão no seio da UE, a cimeira de quarta-feira fez progressos mas nos números: para Ancara ficam prometidos mil milhões de euros, já que a Turquia é a principal via de acesso para a Europa e alberga cerca de dois milhões de sinos em
campos de refugiados. A próxima cimeira contará com a presença do PR turco Recep Erdogan, cuja cooperação na crise deverá ser paga com uma mais rápida aproximação à União Europeia.

Entre outras medidas, mais dinheiro terá de seguir para a agência das Nações Umdas para os Refugiados (ACNUR) e o Programa Alimentar Mundial, assim como para os países na linha da frente da crise na UE: Itália e Grécia.

É nesses dois paises - e na Bulgária, por também fazer fronteira coma Turquia - que deverão estar a funcionar até ao fmal de novembro centros de registo para uma primeira triagem. Ali vão ser criados os processos com recolha de impressões digitais, identificação e outras informações, centralizadas numa base de dados. Segue-se a recolocação dos requerentes de asilo ou refugiados noutro país da UE -e o repatriamento, por exemplo, de migrantes económicos.

Após este procedimento, Portugal poderá receber a quota que lhe coube, de 4.500 refugiados (entre 160 mil), e 70 milhões de euros de fundos europeus até 2020.

Bom na teoria, Insuficiente na prática As organizações de defesa dos direitos humanos aplaudiram o plano de medidas europeu. Peter Sutherland, representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para a migração internacional, elogiou a «mudança no pensamento».

O sistema de distribuição de 160 mil pessoas na UE fica, no entanto, muito aquém da realidade, levando em conta que são já estimados em 500 mil os que chegaram à Europa só em 2015. E que Donald Tusk admitiu estarem em causa «milhões de potenciais refugiados». A porta-voz do ACNUR, Carlotta Sami, sublinhou por isso que este esforço «não é suficiente». Até porque, ainda que a entrada de migrantes venha a ser negada nos centros de registo, 84% dos que entraram qualificam-se à partida para o estatuto de refugiado.