17.9.15

Facebook vira ferramenta para traficantes de seres humanos

Daniela Espírito Santo, in Jornal de Notícias

A maior rede social do planeta é uma das principais ferramentas dos traficantes para fazer chegar os seus serviços aos refugiados. Há dezenas de páginas criadas na rede a especificar preços e rotas, para todos os gostos e carteiras, e à vista de todos.

Quem quer asilo na Europa precisa de cá chegar para o poder pedir. Esse fato tem levado cada vez mais pessoas a arriscarem a vida para alcançar o velho continente. No seu encalço vão os traficantes de seres humanos, que procuram, a todo o custo, oferecer os seus serviços a quem procura o Mar Mediterrâneo.

Para tal, utilizam cada vez mais as redes sociais, com especial destaque para o Facebook, que se tem tornado numa espécie de "montra" privilegiada para possíveis clientes. Dezenas de páginas foram criadas na rede e atuam sem filtros e à vista de todos.

Segundo investigou o jornal espanhol "El País", há cada vez mais contrabandistas a competir pela atenção (e dinheiro) de potenciais refugiados, usando o Facebook para divulgar preços, rotas a seguir e até passaportes falsos. O Facebook tornou-se, assim, "num escaparate desmesurado", onde os traficantes de seres humanos "competem sem pudor para rentabilizar a miséria alheia".

Nestas páginas, autênticos "bazares digitais dos desesperados", estão para venda todos os produtos necessários para começar uma nova vida na Europa. "A oferta é muito variada. O cliente pode escolher viajar por terra, por mar ou até de avião", garante o jornal, sendo que as opções mais baratas são, regra geral, as mais perigosas e com "mais probabilidades de morrer", normalmente por afogamento.

Entre as opções é possível escolher, num espectro, um lugar num bote de borracha sobrelotado ou, para bolsas mais recheadas, um bilhete de avião para Estocolmo ou Paris, com um passaporte falso.

Quem quiser ir de carro (com direito a duas horas de caminho a pé) entre a Turquia e Salónica, terá de pagar cerca de 2500 euros. Noutra página, viajar por terra de Adana a Orestiada (na Grécia) fica por 400 euros. Até à Bulgária, o preço sobe para 1500 euros.

E até há descontos: as crianças com mais de quatro anos viajam por metade do preço e os bebés podem viajar de graça.

Nestas autênticas "montras" criadas pelos traficantes tudo está detalhado e visível, para toda a gente ver, desde os preços até aos números de telefone de contacto dos traficantes. "Só para clientes sérios", diz uma das páginas para "chegar ilegalmente à Europa", escrita em árabe.

E nem só as viagens se vendem. Tudo o que é necessário para começar uma nova vida está ao alcance de quem puder pagar: uma família que queira um visto sueco, com direito a selo da embaixada e contrato de trabalho incluído, terá de desembolsar 30 mil euros. Desde que o cliente (ou a família, já na Europa) pague, normalmente no início da viagem, tudo se arranja pelo preço certo.

Os clientes, no entanto, não têm quaisquer garantias quando transferem o dinheiro, pelo que, para além de arriscarem a vida, também arriscam a carteira ao confiarem nos traficantes. Verdadeiras fortunas são entregues a desconhecidos, na esperança de chegar até à Europa.

Rede social também funciona a favor dos refugiados

Ao mesmo tempo, a rede social funciona, para muitos, como uma alternativa aos traficantes. À medida que cada vez mais pessoas vão chegando à Europa e partilhando as rotas que utilizaram, mais são os que lhes seguem os passos e imitam os padrões, deixando de precisar da intervenção de um traficante para chegar a bom porto. Apesar disso, ainda são muito poucos os relatos de refugiados que chegaram à Europa sozinhos e sem qualquer tipo de ajuda.

É, também, no Facebook que ficam a saber que rotas podem seguir, onde há bloqueios policiais e qual é o estado do mar, bem como os sítios na rota pode poderão ter acesso a internet gratuita. A arma que os traficantes mais utilizam para os alcançar é, ao mesmo tempo, a sua principal maneira de fugir ao infortúnio.

Quando chegam são e salvos, com ou sem ajuda, passam a utilizar as redes para partilhar os seus relatos de sucesso ou as histórias dos colegas que tiveram menos sorte. Os telemóveis tornaram-se, de resto, numa das principais ferramentas dos refugiados, que se mantêm online para saber novidades do seu país e dos familiares e amigos que também estão em trânsito... e para levarem consigo memórias da vida que deixaram para trás.