29.9.15

Portugal esqueceu-se da sua estratégia para ser mais sustentável

Ricardo Garcia, in Público on-line

Plano nacional aprovado em 2007 está em estado vegetativo há anos e foi substituído por uma agenda para o crescimento verde que não cobre todos os princípios da sustentabilidade, agora renovados pela ONU.

Portugal vai-se lançar no novo roteiro global para a sustentabilidade com um plano estratégico nesta área esquecido na gaveta. No seu lugar, há uma agenda para o crescimento verde que cobre apenas parte dos princípios das Nações Unidas para um mundo ideal, e agora com novas metas adoptadas numa cimeira que termina este domingo em Nova Iorque.

A Estratégia Nacional do Desenvolvimento Sustentável, aprovada em 2007 para vigorar até 2015, está há anos praticamente em estado vegetativo. Não há relatórios de monitorização, os indicadores não são actualizados e o seu prazo de vida chega ao fim sem que se tenha feito uma análise dos seus efeitos ou planeado a sua revisão.

Nem o Compromisso para o Crescimento Verde, a iniciativa do Governo que é agora o farol oficial para um Portugal sustentável, faz qualquer menção à estratégia de 2007, que em tese ainda está em vigor, embora já desfasada da realidade.

É o fim de um plano que viveu dificuldades desde o seu início, quando começou a ser elaborado em 2002. Dois anos depois, uma proposta foi entregue ao então primeiro-ministro Durão Barroso, mas no preciso momento em que este já estava de partida para a Comissão Europeia. O processo parou e foi relançado em meados de 2005.

Em 2007, a estratégia foi finalmente aprovada. Contemplava sete objectivos centrais e dezenas de metas concretas, grande parte a ser cumprida antes de 2015. Vinha acompanhada de um plano de implementação.

Durante alguns anos, ainda foi seguida com algum rigor. Foi seleccionado um conjunto de indicadores para a monitorizar – em áreas como pobreza, educação, saúde, emprego, ambiente, energia, cidades –, nomeou-se um grupo de trabalho e iniciou-se a elaboração de relatórios periódicos.

O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), um órgão consultivo do Governo, deveria avaliar os relatórios bienais de progresso da estratégia. Mas, em oito anos, recebeu apenas dois: um em 2009 e uma versão provisória do seguinte, em 2011.

O CNADS ainda enviou ao Governo os seus comentários sobre esse último relatório provisório, mas vieram as eleições legislativas de 2011 e não se ouviu mais falar nem daquela segunda avaliação, nem das que deveriam ser feitas a seguir. “A partir daí, perdemos o rasto. A estratégia entrou em hibernação, foi esquecida”, afirma o biólogo António Abreu, membro do CNADS que acompanhou este processo desde o princípio.

Na página da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) na Internet, ainda se vê a informação de que o segundo relatório de avaliação, de 2011, foi “submetido para aprovação”. As ligações para a estratégia e o seu primeiro relatório não funcionam. Desapareceu do site o portal com os indicadores do desenvolvimento sustentável.

Segundo a APA, o portal foi desactivado devido à falta de recursos para actualizar o vasto conjunto de indicadores. No entanto, uma parte destes indicadores está contemplada nos relatórios do estado do ambiente, que a APA publica anualmente.

Os indicadores ainda são encontrados numa página especial do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas muitos estão desactualizados.

Em 2014, segundo a assessoria de imprensa do INE, colocou-se a questão da continuidade ou não do projecto dos indicadores de desenvolvimento sustentável. Para alguns, já não estava a ser produzida informação que permitisse a sua actualização. Por outro lado, diz o INE, não só a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável parecia que já não estava a ser monitorizada, como a própria estratégia europeia – aprovada em 2001 e revista em 2006 – também estava em descontinuidade. Por outro lado, as datas para o cumprimento da maioria das metas da estratégia nacional já tinham sido ultrapassadas.

Sem um sinal político de que o sistema de indicadores seria revisto, o INE manteve apenas a actualização das metas cujo prazo ainda não tinha expirado. “Os próprios indicadores de desenvolvimento sustentável na União Europeia enfrentam um idêntico período de transição, aguardando-se desenvolvimentos decorrentes da aprovação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”, refere uma nota do INE enviada ao PÚBLICO.

O Governo também fala num período de transição e argumenta que a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável (ENDS) não pode ser revista enquanto não for feita a revisão intercalar do roteiro de crescimento da Europa até 2020, que está atrasada.

Mas o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, diz que as linhas da ENDS estão vertidas no Compromisso para o Crescimento Verde, aprovado este ano pelo Governo. “É o upgrade da estratégia de desenvolvimento sustentável”, afirma.

Este documento fixa 13 objectivos e 83 metas até 2020 e 2030, com o intuito de pôr a economia a crescer novamente, de forma sustentável, protegendo e tirando partido do ambiente.

É uma iniciativa do ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, que reuniu 82 organizações públicas e privadas para subscrever aquilo que considera um pacto da sociedade para o crescimento sustentável do país. O objectivo é fazer de Portugal o líder mundial do crescimento verde.

“É uma componente fundamental numa estratégia de desenvolvimento sustentável, mas não a substitui”, afirma, porém, António Abreu, do CNADS. “Falta a dimensão social e falta a governança”, avalia.

“O Compromisso para o Crescimento Verde é uma visão muito redutora da sustentabilidade”, concorda Viriato Soromenho Marques, um dos autores da primeira proposta para a ENDS, em 2004. “Aproxima-se muito de uma visão economicista. O desenvolvimento sustentável é uma coisa muito mais vasta. O crescimento verde seria uma das suas componentes”, completa.

O compromisso verde não chega para a nova agenda das Nações Unidas para o mundo até 2030. Numa cimeira que encerra este domingo em Nova Iorque, a ONU aprovou os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, que substituem os oito Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, antes destinados sobretudo a combater a pobreza. Agora, há 17 objectivos e 169 metas, muito mais abrangentes, num verdadeiro roteiro para um mundo perfeito.

Muitos deles – em áreas como a pobreza, saúde, educação, igualdade de género, desigualdade social, justiça e cooperação – não estão contemplados no roteiro nacional do crescimento verde.

Com as eleições legislativas à porta, Paulo Lemos diz que caberá ao próximo Executivo decidir como fará a adaptação nacional do que agora foi adoptado pelas Nações Unidas. “O próximo Governo terá de fazer uma reflexão”, afirma.

Contrariamente aos Objectivos do Milénio, que tinha como foco os países mais pobres, as novas metas aplicam-se a todas as nações. “É uma to do list para todos”, afirma Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus. Ferreira diz que algumas terão maior importância para Portugal, como a desigualdade de rendimentos, a protecção dos ecossistemas, a adaptação climática e a produção e consumo sustentáveis.

Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, acrescenta que, com a crise, alguns objectivos da agenda da ONU tornam-se mais relevantes para o país. “Tudo o que diga respeito a direitos económicos, sociais e culturais será mais difícil”, afirma.