8.3.23

Anulações de subsídio de desemprego no nível mais alto desde 2013

Raquel Martins , in Público

Em 2022, os centros de emprego anularam a inscrição de 5818 desempregados subsidiados, mais 30,5 % do que em 2021. Subida é explicada por anulações incorrectas em centros de emprego da zona de Lisboa.

No ano passado, os centros de emprego anularam a inscrição e o subsídio de 5818 desempregados que não cumpriram os deveres a que estão obrigados. Trata-se do número mais elevado dos últimos dez anos e um aumento de 30,5% face a 2021, uma evolução explicada por um maior dinamismo da economia e por um “conjunto vasto” de anulações incorrectas feitas pelos centros de emprego de Lisboa e Vale do Tejo.

Os dados constam do relatório de actividades de 2022 da Comissão de Recursos do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), um órgão a que os desempregados podem recorrer, quando consideram que a anulação do subsídio não tem fundamento.

Para encontrar um nível de anulações superior ao registado em 2022, é preciso recuar a 2013, quando os centros de emprego anularam a inscrição de 6678 desempregados que não cumpriram os seus deveres. Mas, se olharmos para o total de desempregados subsidiados, a proporção de anulações em 2022 é a mais elevada do período analisado e chega a 3,8%, uma percentagem superior aos 1,8% de 2013 e aos 2,1% verificados em 2021.

No relatório, a presidente da Comissão de Recursos, Cristina Rodrigues, atribui a subida das anulações ao aumento da oferta de trabalho e à consequente “intensificação da actividade do IEFP”.

“O ano passado, apesar de ainda serem notórias as consequências da pandemia, marca o regresso do país a alguma normalidade, com maior dinamismo económico e do mercado de trabalho. Este dinamismo reflectiu-se na actividade dos centros de emprego, que aumentaram o número de decisões de anulação”, lê-se no documento.

Mas há outra razão que ajuda a explicar o elevado nível de anulações e que foi detectada pela comissão na análise aos 733 recursos que lhe chegaram.

Em Lisboa e Vale do Tejo, refere o relatório, houve “um conjunto vasto de convocatórias emitidas exclusivamente para efeito de entrega de certificado de habilitações, o que veio a verificar-se – com a intervenção da Comissão de Recursos – que era uma prática incorrecta”. De acordo com os dados, houve pelo menos 171 anulações que resultaram desta prática.

Os centros de emprego podem anular a inscrição e, consequentemente, cortar o subsídio de desempregados que por duas vezes não cumpram o dever de procura activa de emprego pelos próprios meios, de comparecer nas datas e locais determinados pelo serviço de emprego ou de realizar as acções previstas e contratadas no Plano Pessoal de Emprego (PPE).

São também motivos de anulação a recusa do PPE, assim como a não-aceitação de emprego conveniente ou socialmente necessário e de acções de formação profissional.

Quase 80% das 5818 anulações feitas no ano passado tiveram como fundamento a falta de comparência a uma convocatória do centro de emprego, 12% a falta de comparência nas entidades para onde os desempregados foram encaminhados e 4% por recusa de emprego conveniente.

Comissão obrigou a devolver subsídio a 345 desempregados

Entre os desempregados que viram a sua inscrição no centro de emprego anulada, 733 (12,6% do total) não se conformaram e pediram a intervenção da Comissão de Recursos.

A maioria dos desempregados que se queixaram alegou que o subsídio foi cortado por não terem respondido à convocatória do seu centro de emprego, em que 62% garantem que ela não lhes chegou à caixa de correio.

Este é um problema que já vem de anos anteriores, o que levou Cristina Rodrigues a estabelecer um canal de comunicação directo com o provedor do Cliente dos CTT.

Ao todo a comissão acabou por dar razão a 345 desempregados. No relatório sublinha-se que as 247 intervenções junto dos centros de emprego para que a anulação fosse revogada “ultrapassaram em muito” os 98 deferimentos expressos.

Apesar de nos anos anteriores a resolução dos recursos também ser feita maioritariamente através da articulação entre a comissão e os serviços de emprego, em 2022, essas intervenções tiveram maior expressão.

Isso aconteceu sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, por causa das convocatórias para entrega de certificado de habilitações enviadas aos desempregados e que serviram de justificação para as anulações. A Comissão de Recursos entendeu que essa era uma “prática incorrecta” e 171 dessas anulações acabaram por ser rectificadas.

No relatório, sublinha-se que o não recebimento das convocatórias tem que ver com problemas na distribuição postal (da responsabilidade dos CTT), mas identificam-se outros motivos que têm que ver com a situação social dos desempregados que pediram a intervenção da comissão, nomeadamente as “frequentes mudanças de morada, residências precárias e deficientes condições dos receptáculos postais”.

“O crescimento destas situações não pode ser dissociado do aumento da população desempregada imigrante”, refere Cristina Rodrigues, acrescentando que no próximo relatório semestral já será possível indicar a origem nacional dos recorrentes.