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26.9.23

Número de adoções volta a descer, aumentam as devoluções e crianças com mais de 7 anos são as que aguardam mais tempo por uma família

Bernardo Mendonça Jornalista, Tiago Miranda, Fotojornalista e Ana Baião Fotojornalista ,in Expresso


O número de crianças adoptadas voltou a descer em Portugal em relação ao ano anterior, passou de 185 para 173. De acordo com o novo relatório do Conselho Nacional para a Adopção (CNA), de 2022, as candidaturas a aguardarem uma proposta foram cerca de seis vezes superiores ao número de crianças em situação de adotabilidade. Por outro lado, aumentaram o número de devoluções ou casos de insucesso, e continuam a ser as crianças com mais de 7 anos e jovens até aos 15 anos os que mais transitam de ano para ano sem família ou pessoa adotante que as queira



Onovo relatório do Conselho Nacional para a Adopção (CNA), de 2022 indica que baixaram novamente o número de adoções no país em relação ao ano anterior. Em 2021 tinham sido 185 adoções efetivadas, e no ano passado foram 173. E os tempos de espera continuam em média muito elevados, “cristalizados entre os 6 e 7 anos”, para as pessoas adoptantes que dirigem o seu projeto de adoção para bebés ou crianças até aos 7 anos de idade, sem problemas de saúde e sem deficiência. Uma realidade que se explica, em grande parte, por haver muito mais candidatos a adotar do que crianças destas idades e perfis em situação de adotabilidade, como se tem verificado nos últimos anos pelo CNA.


Senão veja-se: até ao final do ano passado o número de candidaturas a aguardar resposta era cerca de 6 vezes superior ao número de crianças em situação de adaptabilidade. A traduzir-se em 1322 candidaturas versus 229 crianças e jovens em situação de adaptabilidade.


[artigo exclusivo para assinantes]


17.12.20

Portugal é “uma anomalia” na adoção de crianças: “Há o mito de que basta dar amor. Não é verdade”

Tiago Soares, in Expresso

O Estado português não consegue garantir famílias a 97% das crianças que mais precisam delas. Não há outro país na Europa que seja assim tão incapaz. Este ano houve mais adoções iniciadas mas menos adoções bem-sucedidas que no ano passado. Há nova legislação que promete colmatar as falhas - e “não há direito a errar”

“Portugal é uma anomalia.” Especialistas de todo o mundo reuniram-se em setembro de 2018 no Porto e concluíram isto mesmo: “Portugal é uma anomalia”. A ocasião era o 15º congresso bianual da European Scientific Association on Residential & Family Care for Children and Adolescents (EUSARF) e o assunto era sério: os sistemas nacionais de adoção de crianças.

Os números não mentiam: cá, só cerca de 3% das crianças retiradas às famílias estavam em famílias de acolhimento e 97% encontravam-se institucionalizadas. A situação não tem paralelo na Europa: países como a Irlanda e a Noruega só dependem de instituições para cerca de 10% das suas crianças retiradas aos pais pelo Estado. E mesmo nos países onde o sistema pende mais para a institucionalização, como a Alemanha ou a Itália, essas percentagens são de 54% e 50% respetivamente, bem longe dos 97% portugueses. “Ninguém entendia como é que em Portugal, um país supostamente desenvolvido, isto acontecia. E a diferença continua a ser abissal”, diz ao Expresso Maria Barbosa Ducharne, docente na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto que participou nesse congresso.

Os números não mentiam em 2018, também não mentem em 2020: esta quarta-feira o Instituto da Segurança Social (ISS) divulgou o último Relatório da Adopção Nacional, Internacional e Apadrinhamento Civil e os dados mostram que no ano passado foram iniciados 418 processos de crianças até aos 15 anos com vista à adoção mas apenas 231 dessas adoções aconteceram - em 2018 houve menos processos (366) mas mais adoções plenas (271). Como se explicam estes números?

Primeiro porque, apesar de estas crianças não terem perspetivas de voltarem à família biológica e serem encaminhadas para adoção por um juiz, a adoção só pode ser consumada se os pais biológicos derem autorização. “Vivemos numa sociedade que privilegia muito os laços de sangue e sobrevaloriza muito esses laços em detrimento dos laços emocionais. Isto faz com que exista discriminação para com os pais que consentem a adoção do seu filho, muitas vezes levando essa luta até às últimas consequências [tribunais]”, explica Ducharne, também investigadora no Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA).

“Esta crença nos laços biológicos e na recuperação à força do sangue faz com que os profissionais protelem as tomadas de decisão, quer nos tribunais quer na assistência social. O juiz opta por dar mais uma oportunidade à família para se reorganizar, para tratar os comportamentos aditivos ou ter formação em violência doméstica”, diz a especialista, antes de concluir: “Falta coragem para dizer que a família já teve todas as oportunidades que podia ter tido. Há crianças com dois anos que podiam ser adotadas, mas como ficam neste limbo isso só acontece aos seis ou sete anos. Esse tempo é crucial porque uma casa de acolhimento, por muito boa que seja, não é o sítio ideal”.

O arrastar das decisões não é o único problema. Há três semanas, a Santa Casa da Misericórdia iniciou uma nova campanha com o mote “acolher uma criança é devolver-lhe a infância”, lembrando que tem 1.250 crianças até aos seis anos à espera de uma família com quem possam crescer. “Temos um problema radical de falta de famílias de acolhimento”, corrobora Ducharne. A idade não é um pormenor e está na base de todos os entraves a um sistema de adoção eficaz: dois terços das crianças à espera de uma família adotiva têm entre sete e 15 anos mas menos de 5% das famílias candidatas é que as procuram, diz o relatório do ISS.

“Existe uma discrepância entre as características das crianças que podem ser adotadas e o perfil pretendido pelos pais - e aí a idade é crucial. Um adolescente de 15 anos viveu mais tempo do que um bebé de dois numa família disfuncional, por exemplo, e por isso a sua vulnerabilidade é maior, exige um esforço diferente da parte dos pais adotivos”, explica Ducharne. As crianças no sistema têm a experiência da disfuncionalidade, da adversidade, muitas vezes dos maus-tratos: no momento da adoção podem existir atrasos globais de desenvolvimento, doenças crónicas, doenças neurológicas - e tudo isto torna muito difícil o sucesso do processo. “Algumas situações podem ser controladas e recuperadas mas isso exige muito das famílias, logo o número de candidatos é menor.”
NOVA LEGISLAÇÃO: “NÃO HÁ DIREITO A ERRAR”

Ou seja: as crianças dos anúncios das marcas de fraldas são uma minoria. “Há alguma fantasia relativamente ao projeto de adoção. O que leva os adultos a candidatar-se é normalmente a infertilidade ou o risco genético de uma doença”, diz Ducharne. “Imaginam que vão ter uma criança que não podem gerar e essa imagem é perfeita. Mas o conceito do bebé perfeito, rechonchudinho, lourinho e de olhos azuis não existe aqui. Estas crianças têm perfis e necessidades muito diferentes.”

E por isso a importância da preparação: não há um perfil de competências único, algumas famílias estão mais capazes de acolher bebés, outras serão melhores com crianças em idades escolares ou adolescentes. Mas para tudo isto é preciso formar, selecionar e acompanhar estas pessoas. “As vítimas de maus-tratos, por exemplo, não choram nem procuram ajuda quando se magoam porque não acreditam que o adulto possa ser protetor e cuidador - e os pais adotivos têm de estar preparados para lidar com essa expressão emocional”, diz Ducharne. “Há o mito de que o amor basta. Isso não é verdade”, avisa. E não sendo verdade o poder legislativo português falhou.

Falhou porque em 2015 a lei de proteção de crianças e jovens em perigo (de 2011) foi revista: estipulava que as crianças retiradas às famílias deviam “preferencialmente” ir para famílias de acolhimento e não para instituições, mas não adiantava como é que isso podia acontecer. Quatro anos depois, em setembro de 2019, foi produzido um decreto-lei que regulava esse acolhimento familiar, mas regulamentou os seus aspetos práticos para uma portaria futura. “Passaram cinco anos desde a publicação da lei e a definição do quadro legal. Nesse tempo, o recrutamento, a formação e o acompanhamento das famílias esteve bloqueado por falta de legislação”, explica Ducharne. E se o Estado não ajuda as famílias que querem adotar como é que pode esperar que elas o façam?

A resposta chegou este ano: a portaria foi publicada em novembro, as regras são boas. “Houve a preocupação de acautelar que a formação das famílias candidatas seja feita antes da avaliação. Esta medida é essencial para aumentar o número de famílias disponíveis. Anteriormente a seleção era feita antes da formação, o que é bizarro - é como se os exames nacionais passassem a ser feitos no início do ano”, avalia Ducharne.

Agora Portugal tem mais condições para pôr o sistema de adoções a funcionar e inverter a relação 97% / 3% entre crianças institucionalizadas e acolhidas - e “não há direito a errar”. “Estas crianças não votam, não geram grande interesse da parte dos políticos, mas cada erro tem consequências enormes a longo prazo porque serão os adultos de amanhã”, diz a especialista. Há estudos internacionais que mostram que crianças institucionalizadas têm mais probabilidades de se tornarem jovens que não trabalham nem estudam.

Para que o plano funcione a 100% não basta conseguir adoções, é preciso apoiar esses pais em todos os momentos, dúvidas e problemas - e esses recursos são escassos. “Se essa rede de apoio existisse, provavelmente só não teriam competências adequadas os pais que não quisessem. Mas estes serviços não estão acessíveis à comunidade, e quando os pais pedem ajuda a situação já está tão degradada que é muito difícil recuperar a relação”, diz Ducharne. O Instituto de Apoio à Criança anunciou esta quarta-feira a criação de uma linha telefónica gratuita e confidencial e isso “é um bom primeiro passo”. Outro bom passo começa a ser dado em 2021: a Universidade do Porto e o ISCTE vão criar um sistema para monitorizar 270 famílias no período da pós-adoção durante três anos e assim identificar as necessidades que vão surgindo ao longo do processo e orientar na direção de ajuda especializada.

16.12.20

Houve mais processos de adopção mas menos crianças adoptadas em 2019

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Em 2019, o Instituto da Segurança Social teve 418 processos de crianças com vista à adopção mas apenas 231 adopções plenas. No ano anterior, teve 366 processos a correr e 272 adoptadas. Dois terços das crianças à espera de uma família adoptiva têm entre sete e 15 anos e apenas menos de 5% das famílias candidatas as procuram.

A tendência tem sido esta nos últimos anos e manteve-se em 2019. Menos crianças beneficiaram de uma adopção plena – em 2018 tinham sido 272 e em 2019 foram 231 (menos 41). E isto apesar de o número de processos activos ter sido maior em 2019.

As equipas de adopção do Instituto da Segurança Social (ISS) acompanhavam 366 processos em 2018; em 2019 esse número subiu para 418. Estes processos são abertos por não existir perspectiva de voltarem à família onde nasceram mas se não houver consentimento dos pais biológicos para uma decisão judicial, o processo arrasta-se e as crianças, em vez de serem adoptadas, são entregues a uma instituição. Só poderão ser adoptadas até terem 15 anos.

Nessa situação, entre os bebés e crianças de 15 anos, existiam 183 em 2019, menos 35 do que as 218 igualmente a aguardar uma proposta em 2018 (em qualquer dos anos, há crianças que já estão nesta fase vindas de anos anteriores), de acordo com o Relatório da Adopção Nacional, Internacional e Apadrinhamento Civil do ISS.

Crianças em acolhimento

Este documento reflecte o trabalho das equipas de adopção do Instituto da Segurança Social, responsáveis por cerca de três quartos do total de processos de adopção de crianças em Portugal (os restantes são da competência da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).

Adopção só é “projecto de vida” para 10% das crianças que vivem em instituições


O mais recente tem data de Agosto e ficou disponível para consulta no início de Dezembro. Reporta a 2019, ano em que a diferença entre as características das crianças para a adopção e as procuradas pelos candidatos a pais adoptivos continua bem visível.

Quem quer adoptar um filho procura, em 70% dos casos, crianças até aos três anos. Mas estas são uma pequena minoria das que aguardam uma família adoptiva – apenas 18% do total. Em 2019, eram 34.

São na sua grande maioria crianças acolhidas em residências que passaram por situações de perigo, foram retiradas às suas famílias e receberam do tribunal uma medida de adoptabilidade por não haver perspectiva de regressarem aos pais biológicos.

Predominam as que têm uma idade mais avançada. Acontece quando passam meses ou anos desde que foram retiradas da família até o tribunal decidir não dar mais oportunidades aos pais biológicos para se reabilitarem de modo a poderem recuperar os filhos.

Aos 16 anos, filhos adoptados podem ir à Segurança Social conhecer as suas origens

À espera e sem família

Num total de 183 crianças com uma medida de adoptabilidade em 2019 decidida por um juiz nesse ano ou em anos anteriores, 149 crianças tinham entre quatro e 15 anos. Mas apenas um terço dos adultos candidatos equacionavam essas idades para um filho que iriam adoptar.

Com mais de sete anos, eram 117, procuradas por menos de 5% das pessoas candidatas (casais, pessoas sozinhas, viúvas ou divorciadas).

“Há todo um conjunto de entraves que mantêm as crianças institucionalizadas”, diz João Paulo Remédio Marques, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. São entraves antes da medida de adoptabilidade e também depois, até à confirmação da adopção plena.

E salienta que um dos que se destacam é a prestação do consentimento dos pais biológicos para a adopção, muitas vezes retirado em qualquer fase do processo se não tiver sido um consentimento formal, escrito e assinado perante o tribunal.

Famílias e filhos adoptivos vão ter uma linha de apoio gratuita e confidencial

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Linha lançada pelo Instituto de Apoio à Criança garantirá o anonimato e confidencialidade. Visa dar esclarecimentos e aconselhamento especializado.

Para apoiar as crianças adoptadas e as famílias adoptivas, o Instituto de Apoio à Criança (IAC) lança esta quarta-feira uma Linha SOS Família – Adopção através do número gratuito 800 202 651.

Para começar, estará disponível às terças-feiras entre as 9h e as 13h e às quintas-feiras entre as 14h e as 17h. A linha é inédita em Portugal, e pensada nos moldes da Linha SOS – Criança (que existe desde 1988 para as crianças pedirem ajuda e os adultos denunciarem situações de risco.

À semelhança do que acontece com a linha com 32 anos de existência, esta agora lançada garante o anonimato e a confidencialidade, e é gratuita. Destina-se a quem vive a adopção plena, situação em que a criança passa a ser filho da família que o adopta, adquire o seu nome, faz um corte com o seu passado e com os pais biológicos, passando a nova família a assumir todos os deveres e direitos relativamente à criança.

Apoio emocional

Neste contexto, podem surgir dúvidas e receios da criança como da família, e estas precisarem de ajuda emocional e aconselhamento especializado a desempenhar este papel de pai ou mãe, lê-se no texto de apresentação.

“O que está implícito na adopção é que os laços que se estabelecem são semelhantes aos que resultam da família biológica”, diz a psicóloga clínica Fernanda Salvaterra, investigadora do IAC e responsável pelo projecto. Mas certo é que “mesmo depois de ser decretada a adopção plena e o processo ser arquivado nos serviços de adopção, não está tudo resolvido” pois “a fase pós-adopção apresenta algumas particularidades”.

E continua: “Naquilo que é a função essencial da família, não podemos negar que a família adoptiva enfrenta situações que à família biológica não sucedem, inerentes à parentalidade adoptiva e tarefas psicológicas que são únicas nesta forma particular de vida familiar.”

É nessas tarefas, que a Linha SOS Família - Adopção pretende ajudar “para ser criado um ambiente propício a uma vinculação segura”.


CRIANÇAS
ADOPÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
JOVENS
COMISSÕES DE PROTECÇÃO
FAMÍLIAS

14.11.19

Manuela Eanes. É urgente mudar as regras de adoção em Portugal

in RR

“As crianças não têm sindicato, não votam, nem fazem manifestações de rua”, ficando este problema esquecido. Portugal tem oito mil menores institucionalizados.

A presidente honorária do Instituto de Apoio à Criança defende ser necessário haver um debate urgente sobre a adoção, lembrando que há oito mil crianças institucionalizadas em Portugal.
“Temos o problema da adoção. Há anos e anos que se andam a enrolar as comissões para mudar algo. É inacreditável, pois não ajudamos as crianças a serem mais felizes”, diz Manuela Eanes em tom de desabafo.
Questionada sobre o que tem travado a resolução deste problema? “As crianças não têm sindicato, não votam, nem fazem manifestações de rua”, responde.

Em entrevista à RTP mostra-se preocupada com a forma como as autoridades atuaram relativamente à mulher suspeita de abandonar o filho recém-nascido no lixo, em Lisboa. “Atirar pedras não é nenhuma solução”, alerta Manuela Eanes, lembrando que a jovem mulher está destroçada. “Não sei qual é a solução psiquiátrica, mas é com certeza muito grave”.

“Como cidadã acho que não devia ter ido para prisão preventiva”, esclarece, acrescentado que deveria ter sido observada num hospital por um psiquiatra ou psicólogo.

O recém-nascido encontrado junto a Santa Apolónia vai continuar na Maternidade Alfredo da Costa até ao final da semana por prevenção, segundo uma fonte do Centro Hospitalar Lisboa Central.

A mãe, uma sem-abrigo de 22 anos, aguarda julgamento em prisão preventiva, pois está acusada de homicídio qualificado na forma tentada, mas um grupo de advogados entregou no Supremo Tribunal de Justiça um pedido de “habeas corpus” para libertar a mulher suspeita de abandonar o filho recém-nascido num caixote do lixo, em Lisboa.

O anúncio foi feito nas redes sociais por Varela de Matos, um dos candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados, para quem a prisão da mulher é "ilegal” e pretende “fomentar a discussão" com elevação.

Para o grupo de juristas que avançou com o pedido de libertação da mulher sem-abrigo, não está em causa um crime de tentativa de homicídio, mas sim de exposição e abandono, "que nem sequer permitiria a prisão preventiva".
Este não é caso único, no ano passado, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens identificou dez casos de bebés abandonados nos primeiros seis meses de vida.

18.12.17

A última entrevista de Armando Leandro à frente da Comissão Nacional da Proteção das Crianças

in RTP

Armando Leandro foi durante 12 anos o presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens. No dia 16 de novembro deixou a presidência deste organismo público, sendo substituído por Rosário Farmhouse.

Armando Leandro acumulava esta função na CNPDPCJ com a de presidente, administrador e gerente da instituição privada, a Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família/CrescerSer.
Trata-se de uma Associação com sete lares privados de acolhimento de crianças em risco, cujos corpos sociais são compostos por outras figuras do Estado.

A última entrevista de Armando Leandro, enquanto presidente da CNPDPCJ, foi concedida ao programa Linha da Frente.

Veja a entrevista na íntegra, realizada na sede da CrescerSer.

20.11.14

Instituto de Apoio à Criança lamenta entraves à adopção

in RR

Portugal é um dos países da Europa Ocidental com menor taxa de acolhimento familiar de crianças e jovens em risco.

A presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha, considera que a desconfiança com que são tratados os pais adoptivos pode ter funcionado como um travão ao acolhimento.

“O acolhimento familiar em Portugal é dos mais baixos porque se tratam as pessoas com desconfiança e se quis estatizar a situação das crianças em Portugal. O que é certo é que nos outros países se tem conseguido, e que as nossas famílias têm demonstrado muita solidariedade”, afirma a responsável do IAC, em entrevista à Renascença.

Dulce Rocha aponta como essencial promover o acolhimento familiar, sendo certo que algumas crianças dificilmente serão adoptadas.

“É muito importante fazermos campanhas para acolhimento familiar porque não podemos ter ilusões: as crianças que estão acolhidas nem sempre têm condições para ser adoptadas: algumas já estão muito crescidas, outras mantêm algum contacto com a família ou que se prevê que ainda possam ter”, lembra.

“Temos de ter consciência de que nem todas as crianças podem ser adoptadas. Se se insistir podemos estar a cometer um erro e a ser injustos para com pais que não têm condições para ficar com a guarda das crianças mas que têm com elas uma relação afectiva”, acrescenta Dulce Rocha.

Portugal é um dos países da Europa Ocidental com menor taxa de acolhimento familiar de crianças e jovens em risco.

No dia em que passam 25 anos da Convenção dos Direitos das Crianças, a segurança social conta mais de 8.400 as crianças institucionalizadas em Portugal, de acordo com os dados do Relatório CASA, relativos a 2013.

Em Outubro, o ministro Mota Soares prometeu uma nova legislação para reduzir a um ano o tempo dos processos de adopção. Para o efeito, está prevista uma compilação legislativa numa só lei.

28.10.14

Um só diploma vai regular tudo o que tem a ver com adopção de crianças

Andreia Sanches, in Público on-line

O novo regime jurídico deverá regular diferentes intervenções: do Ministério Público, dos tribunais, da Segurança Social, da Agência para a adopção internacional. O PÚBLICO falou com um casal que entregou os papéis em 2011. O filho chegou este ano a casa.

Ângelo e Leonor iam desistir em Agosto. Quando saíssem de Torres Vedras a caminho das férias no Algarve, com a filha de oito anos, passariam por Lisboa. Dariam um salto à Segurança Social para anular a candidatura à adopção. Não aguentavam mais estar sempre na expectativa, à espera de ouvir o telefone tocar. Tinham-se disponibilizado para receber uma criança de qualquer etnia. Tinham colocado duas condições: não ter problemas de saúde e ter até 36 meses. Tinham-se organizado para isso. Já tinham uma filha biológica mas queriam alargar a família. A adopção parecia um bom projecto.

O casal Félix — ele educador social, ela educadora de infância — tomaram a decisão de adoptar há cinco anos. Depois passaram quase dois anos até formalizarem a intenção — “porque a informação está em Lisboa, fora de Lisboa andamos empurrados de um lado para o outro, andei meses a pedir informações”, diz Ângelo. Em 2011 entregaram os papéis. Depois esperaram — “Às vezes telefonávamos ao técnico que nos acompanhava que, para além do nosso, tinha mais 300 processos. ‘Esqueceram-se de nós?’ Eles dizem, e bem, que não andam à procura de uma criança para a família, mas sim de uma família para a criança, é um processo complexo, leva tempo...” Mas tanto tempo assim, levou-o a querer desistir — a criança vem? Não vem? Ângelo falou ao PÚBLICO dias depois de o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, dizer no Parlamento que haverá mudanças no sistema de adopção.

“Como há famílias que aguardam melhor resposta da adopção, permitam-me anunciar o seguinte: iremos melhorar todos os seus mecanismos para que sejam mais lestos, para que não durem, preferencialmente, mais que um ano na instrução do processo”, declarou Mota Soares na quarta-feira. A intenção passará por reunir num único diploma toda a matéria processual relativa à adopção, criar um regime jurídico do processo de adopção que abranja o processo judicial e o processo administrativo e que regule quer a adopção nacional, quer a internacional.

O diploma deverá contemplar as diferentes intervenções: do Ministério Público, dos tribunais, da Segurança Social e da Autoridade Central para a Adopção Internacional. Pretende-se a qualificação do processo e da informação a disponibilizar às pessoas.

O filho chegou em Junho
O PÚBLICO conheceu Ângelo e Leonor em Junho de 2011, numa reportagem sobre o Plano de Formação para a Adopção, promovido pelo Instituto de Segurança Social (ISS), uma obrigação que tinha sido introduzida havia pouco tempo. Estavam a fazer a formação, acharam útil, mas passou esse ano. E outro. E outro. E... já tinham decidido que Agosto deste ano era o limite quando numa quinta-feira do passado mês de Maio o telefone tocou.

Cinco anos depois da decisão e três anos depois da formalização da candidatura foram chamados a ler o processo de Rui (nome fictício), um menino “de etnia negra que tinha sido entregue a uma instituição depois de nascer”, em Dezembro de 2012, conta Ângelo. Leram a sua história, analisaram os exames médicos... a fotografia só lhes foi mostrada depois de dizerem que o aceitavam. “E é tão giro...” O filho “chegou em Junho”. Uma “loucura” — depois de anos de espera, é “parto e gravidez em 15 dias”, costuma dizer Ângelo a rir.

“A família está feliz”, diz. Continua a ser acompanhada pelos técnicos da Segurança Social. E está a correr bem, afirma. Foi duro esperar mas, sobretudo, continua, foi duro terem feito esperar também o filho. “Em Novembro de 2013 um tribunal decretou uma medida de adoptabilidade, só em Maio de 2014 a decisão transitou em julgado”, conta Ângelo. “Não percebo por que tem que passar tanto tempo, foram mais cinco meses que ele esteve institucionalizado do que acho que seria necessário, o que nesta idade é uma brutalidade”.

Quando o ministro diz que se vai mexer na legislação, o que sugere este pai? Que os tribunais sejam mais rápidos a decretar a situação de adoptabilidade das crianças, quando se entende que o melhor para elas é que sejam adoptadas.

Já Luis Villas-Boas, director do Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, que presidiu o Grupo de Trabalho para a Agenda Criança, defende que não é na demora da Justiça que está o problema. “O problema é que não há intervenção precoce”, que permita detectar o perigo o mais cedo possível e intervir junto das crianças e das suas famílias.

Quanto mais cedo se intervém, mais cedo se percebe se a criança pode ficar com a família biológica ou se a solução é rncminhá-la para a adopção. “Se não há uma intervenção precoce, tecnicamente envolvente, os tribunais não têm hipótese de decretar a adoptabilidade”, diz Villas-Boas — a lei define que uma criança pode ser adoptada até aos 15 anos.

29.7.14

Adopção. João tinha uma mãe mas foi devolvido assim que a irmã nasceu

Por Carlos Diogo Santos, in iOnline

Depois retirado à família biológica em 2004, João esperou cinco anos até ser adoptado. A mãe que quis ficar com aquela criança - portadora de VIH - devolveu-a ao Estado há um ano

Ao fim de um ano, João ainda pede para ligar à mãe, mas quase sempre a chamada acaba no voicemail: “Deve estar a trabalhar”. Tem 11 anos e imagina todos os dias o momento em que voltará para casa. Custa-lhe estar de novo numa instituição. A mãe adoptiva devolveu-o ao Estado no último ano. Diz que tinha em casa uma criança violenta. Mas na cabeça de João a culpa da separação é do excesso trabalho.

Usa a desculpa para justificar todas as falhas: quando o carro não para à porta sábado de manhã, para a visita prometida; quando quer dizer aos adultos da “nova casa” que, apesar do seu metro e trinta e dos seus 32 quilos, há quem o defenda; e até quando passa mais de um mês sem a ouvir. Vive convencido – porque desconhece a decisão do Ministério Público de entregar a sua guarda à instituição – que um dia a mãe que lhe dava o xarope e os quase vinte comprimidos que lhe controlam o VIH o virá buscar de vez.

Há noites em que não consegue disfarçar e a raiva entra a custo no pequeno quarto da vivenda dos arredores de Lisboa onde foi colocado. “Muda tão rapidamente, a cara dele passa de uma expressão zangada para um olhar de ódio tão profundo. Vem de dentro”, conta Lídia, uma das responsáveis da instituição. Mas João volta ao normal com a mesma ligeireza e nunca nos últimos meses o ódio – misturado com saudade – se tornou violento: “Tem as suas guerras, mas não podemos dizer que seja agressivo, bem pelo contrário”.

João não sabe ao certo os porquês desta história de adultos que é a sua vida e nem tão pouco se lembra de como se adaptou à instituição onde esteve quando foi retirado à família biológica, em 2004. Mas com um ano e meio e sem a referência da mãe ideal presente terá sido mais fácil.

O fim dos problemas Em 2009 uma voluntária de um casa de acolhimento de crianças decidiu iniciar um longo processo de adopção singular de uma criança com seis anos que ainda mantinha algum contacto com a sua família. Até aí, os mais próximos visitavam-no com pouca regularidade, devido às dificuldades económicas e aos problemas sociais. A saída da instituição fez a criança esquecer por completo a família biológica. Para trás ficaram os problemas de alcoolismo, as discussões constantes e as condições precárias em que chegou a viver. Ficou também – pensou ele durante anos – fechada a sete chaves a experiência de não ter mãe e de ser apenas mais um entre muitos meninos.

A tia, como lhe chamava na casa de acolhimento, passou a ser a nova mãe e com isso João ganhou uma avó e toda uma família com condições económicas e uma vida desafogada. Uma realidade muito diferente daquela que tinha vivido até então, porque “era uma criança que tinha crescido sem afecto”, explica fonte que conhece o caso.

Mas poucos anos depois de João entrar para a família, houve dois novos elementos que chegaram de rompante lá a casa. A mãe começou um namoro e logo de seguida nasce uma menina dessa relação. A “mana”, agora com dois anos, ainda faz os olhos castanhos de João ganharem outra vida quando o vai visitar à instituição.

O momento de felicidade para a família coincide com o regresso dos problemas à vida de João. Na altura com 9 anos, deixa de ser o centro das atenções e passa a ser o menino violento. Primeiro porque, segundo a descrição que serviu de base ao seu regresso à instituição, terá maltratado o cão da avó e depois porque, numa outra situação, terá tentado sufocar a irmã mais nova. O Ministério Público não teve dúvidas em aceitar o requerimento da mãe adoptiva e voltou a por João à guarda do Estado.

Quinta vida O regresso ao passado começou da pior maneira. João acabara de entrar para o 2.º ciclo e pela frente deixara de ter apenas uma professora. Eram muitos, tantos quantas as disciplinas. A pressão de voltar a ficar sem família fê-lo baixar os braços e acabou por ter as negativas suficientes para chumbar. “Esse foi um dos reflexos de que não tem tido tempo para se construir como pessoa”, diz Josefa uma das educadoras que nos últimos tempos se cruzou com a criança.

Na instituição de acolhimento temporário para onde foi logo encaminhado, a mãe adoptiva – que dificilmente perderá o estatuto legal – tinha várias barreiras para o contactar. Os telefonemas não podiam ser feitos a qualquer hora e as visitas tinham de ser previamente marcadas.

O que levou esta criança, porém, a cair nas mãos da Segurança Social não era um problema temporário e rapidamente surgiu a necessidade de transferi-la para um centro de acolhimento com outras características. Novamente, João é obrigado a mudar de escola, de amigos, de brinquedos. De vida: pela quinta vez em 10 anos.

Há já vários meses que chegou à vivenda onde hoje vive com rapazes e raparigas dos 10 aos 18 anos. E ainda está a tentar estabelecer amizades. João observa muito antes de falar, de dar um primeiro passo. “É reservado, às vezes parece que está apático mas está assimilar tudo antes de responder, de reagir”, explica Lídia. A sua racionalidade nem sempre é bem entendida pelos colegas, que como a maioria das crianças, reagem às emoções sem pensar duas vezes.

Nas aulas, estes últimos meses de estabilização pessoal já se notam. João teve apenas duas negativas e por isso conseguiu sem grandes dificuldades passar para o 6.º ano. A relação com a mãe, contudo continua a perturba-lo. Às vezes – sobretudo quando se aproxima a data de uma visita – basta ser obrigado a fazer os trabalhos de casa ou a tomar um banho para explodir: “Em minha casa…”.
Ao fim de vários meses com a guarda desta criança, os responsáveis pela instituição têm muitas dúvidas de que João seja o menino violento que punha em risco a segurança de animais ou da irmã, como está descrito na fundamentação da sua reinstitucionalização. Joaquim está aliás convencido de que o principal motivo “é a ausência de afecto para com o João por parte família adoptante”. E assegura que, “tendo em conta o comportamento actual”, a descrição feita no pedido de reinstitucionalização foi “empolada”.

“Será que alguma vez maltratou o cão da avó?”, questiona a advogada Rita Sassetti, adiantando que o Ministério Público tem obrigação de verificar as descrições dadas neste tipo de requerimento com toda atenção até porque num tribunal de família, o procurador tem de defender o interesse da criança. A jurista considera ainda que “anormal seria se não sentisse raiva”.

Um álbum vazio João acorda sempre cedo – por obrigação –, salta do beliche, desce as escadas e vai à cozinha onde toma um xarope e os oitos comprimidos ao pequeno-almoço. Desde muito novo tem noção de que não pode falhar e de que também não podem falhar com ele. Mas, nem por isso, a cozinha é lugar de obrigações. Longe disso. É a melhor divisão da nova casa.

E nem é que o seu corpo franzino – que aparenta ter oito anos – seja de muito alimento, mas sempre foi “maluco por doces”. Vinga-se naquilo que mais gosta, apesar de quase nunca ter fome. “Também, com a quantidade de medicamentos que toma para o VIH…”, soltam os que acompanham o seu caso.

Estes adultos que agora têm nas mãos o futuro de João dão-lhe, como aos restantes, uma pequena semanada, mas ele nunca investe esse dinheiro em brinquedos como os outros. “Prefere sempre comprar guloseimas”, conta Lídia.

Muito pouco do que agora tem é dado pela mãe. Até a roupa é quase toda oferecida pela instituição, porque a maioria da que trouxe da sua casa já não lhe serve e as poucas vezes que vai de visita o roupeiro não é renovado. Para os seus amigos mais próximos a vida dele é normal. Tão normal quanto as deles, que nem sabem o que é ter uma família. Mas para João a sua vida é diferente e oscila entre a felicidade do que já viveu e a ausência da pessoa de que mais gosta. “Tenho tantas saudades”, solta de vez em quando.

E é uma ausência tão grande que nem nunca teve direito a uma fotografia para expor na nova casa. “Essa falta do passado e de referências presentes causa-lhe raiva e, aí sim, ele acaba por ter um comportamento mais violento: rasga as fotografias que os colegas têm da família ou corta fios das colunas quando alguns ouvem música”, diz a educadora que desde o início soube travar aos excessos de João.

“Corre o dia todo atrás de mim, mas sabe que não pode fazer disparates quando eu estou, o que mostra que os comportamentos agressivos dele podem ser controlados se os adultos souberem lidar com ele. O João apenas nos quer testar, como qualquer criança”. Com os da sua idade, tudo é diferente: consegue por vezes “manipulá-los” e fazer com que fiquem de castigo por problemas que ele arranja.

A doença Ter VIH não tem qualquer problema: a vida de João é quase igual à de todos os outros. Joga à bola, várias horas por dia, perde-se na Playstation e também já foi apanhado pela febre das pulseiras de elástico. É por baixo da pala do boné que usa sempre – esse sim ainda vem de casa – que esconde muitas vezes um olhar de preocupações, de dúvidas. A criança que pede a todo o momento atenção aos funcionários com quem se dá melhor, pouco fala sobre as outras vidas ou sobre os raros encontros com a mãe. Tenta, enquanto consegue, guardar tudo.

O que tem de evitar – mais que os outros – são as lutas ou as acrobacias mais arriscadas. João tem noção de que ninguém pode tocar no seu sangue, sobretudo agora que está numa instituição onde é o único com VIH. Mas às vezes acontece. Pára imediatamente, vai chamar um adulto e lembra-o logo a regra básica: “Não te esqueças de por as luvas!”

Desde sempre que ouviu esta frase e há dias em que sugere mesmo que deve ser ele a por o penso para que evitar qualquer risco. Os colegas entendem. Mesmo os adversários de luta.

A doença de João está controlada e nunca foi difícil aos colegas perceber que o sangue dele é especial. Na última formação que foi dada para aprender a lidar com o VIH, João foi o mais curioso. Ele que sabe como ninguém os cuidados que precisa ter no dia-a-dia, não parou de fazer perguntas. Interrompia a cada momento para aprender um pouco mais sobre si.

A falta de preparação da actual da casa de acolhimento de João para lidar com crianças portadoras desta doença foi mais um dos obstáculos que teve de enfrentar quando lá chegou. Mas depressa lhes ensinou o básico.

Ainda assim, para que possa ter uma vida igual à dos seus amigos, João precisa de um acompanhamento médico constante. Pelo menos uma vez por mês tem de ir ao médico para verificar se a medicação está adequada ou se é preciso fazer algum ajuste. A mãe comprometeu-se a pagar essa despesa e tem cumprido sempre. Faz questão que o “filho” seja visto pelo médico privado que sempre o acompanhou e recusa que João seja controlado por médicos do Serviço Nacional de Saúde.

A doença de João é mais uma dos cordões umbilicais que o mantém ligados à mãe. O facto de essa responsabilidade ser assumida é uma entrave a por fim a esta adopção. Para fontes ligadas ao processo da criança, a mãe quer continuar a manter este laço apesar de não a reconhecer como família: “Os miúdos têm famílias idealizadas, mas eles também têm de ser idealizados pelas famílias. Neste caso só existe a primeira parte...”

Jogo do toca e foge A mãe liga-lhe quase sempre à noite depois de as responsáveis da instituição saírem, tenta evitar o confronto. É nesta espécie de conversas escondidas que surgem as promessas e as expectativas que acabam quase sempre da mesma maneira: com o João a tomar os oito comprimidos e o xarope do jantar e a adormecer no seu beliche.

E mesmo nas poucas vezes que o vem buscar para umas pequenas férias volta a entregá-lo durante o fim-de-semana, quando só lá está um funcionário a tomar conta de todas as crianças. É por isso que actualmente é considerada uma mãe adoptiva social ausente: não tem a guarda, mas não abdica de alguns vínculos.

Ainda este Verão já o foi buscar para umas pequenas férias. Para João, aquela semana passou a correr, tão rápido que nem houve tempo para que ele entrasse nas fotos de família que foram tiradas. “Tiramos várias, mas eu não fiquei em nenhuma”, contou.

Só que, por cada momento que se alimenta a esperança de João, cria-se uma entrave ao seu desenvolvimento. “Pergunto-me quais as consequências psicológicas para esta criança”, atira Rita Sassetti, que trabalha o direito da família e acompanha processos de adopção. A jurista diz mesmo que os contornos desta história só trazem interrogações sobre a forma como se lida com a adopção: “Para todos os efeitos não se pode chamar mãe adoptiva a quem só paga uma consulta e vai de vez em quando buscar o filho à instituição para passear. E não percebo como é que o Ministério Público vai nestas conversas”.

Até aos 18 anos? Talvez... A grande questão que se coloca actualmente é: João pode ser novamente adoptado e tentar aos 11 anos reconstruir uma vida que lhe tem sido negada? Pode enfim chamar mãe a alguém para sempre? A resposta é simples: por enquanto não, porque para efeitos legais tem uma família adoptiva.

Segundo a instituição, o comportamento de João está a ser avaliado ao pormenor para que se possam tirar conclusões mais precisas sobre a instabilidade que a mãe adoptiva representa para a sua vida. A instituição admite mesmo por fim à questão, mas diz que ainda não é a altura para isso. “Pode haver um parecer, mas teria de haver fundamentação para pedir que esta adopção seja declarada sem efeito”, explicam, adiantado que para isso é preciso esperar mais algum tempo. Até lá, João apenas poderá ter uma família amiga que o acolha de vez em quando. É o que diz a lei.

Outra hipótese é esta espera ser tão longa que acabe com o processo de autonomia, quando João fizer 18 anos. Isto, porque se se optar por aguardar que João e a família reúnam as condições para que voltem a viver no mesmo espaço o mais provável é que daqui a sete anos esteja tudo na mesma. Aí a única alternativa é a instrução de um processo com vista à sua autonomização. Só que João já está farto de esperar. Quando pede alguma coisa e lhe dizem para aguardar uns minutos olha para o relógio e cobra: “Já passaram!”

Todos os nomes usados nesta reportagem são fictícios, à excepção do da advogada Rira Sassetti

10.7.13

Pobreza não pode ditar adopção

por Margarida Davim, in Sol

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é claro: «O papel das autoridades de protecção social é ajudar as pessoas em dificuldades» e evitar que os filhos possam ser retirados aos pais por situações de carência económica. «Trata-se de uma medida extrema, que só pode ser aplicada aos casos mais graves».

A posição do Tribunal é assumida numa sentença de 18 de Junho passado, que condenou Espanha a indemnizar uma mãe a quem foi retirada e dada para adopção uma filha de três anos. Mas a mensagem dos juízes serve para todos os países que adoptaram a Convenção Internacional dos Direitos do Homem, que estabelece no artigo 8.º «o direito ao respeito da sua vida privada e familiar» e que faz com que os Estados tenham «a obrigação positiva de adoptar medidas para facilitar o regresso à vida familiar».

E foi precisamente aí que as autoridades espanholas falharam, quando em Agosto de 2005 uma mãe se dirigiu, com a filha de três anos ao colo, aos serviços sociais de uma câmara da Andaluzia, pedindo «trabalho, alimentos e alojamento». No mesmo dia, a comissão de protecção de menores foi chamada a intervir e a menor foi levada para uma instituição.

Carência económica foi único motivo para retirar menor

Com trabalhos esporádicos na agricultura e a viver na quinta de uma avó, juntamente com outros familiares, a mãe estava numa situação «de indigência», que fez com que os serviços sociais considerassem que não tinha condições para cuidar da filha. O desespero de ver a criança ser-lhe retirada dos braços fez com que tivesse uma reacção que foi considerada «violenta» e «agressiva» e que viria a servir de fundamento para impedir as visitas ao centro de acolhimento para onde foi levada a menor.

Dois anos depois, a menina foi colocada numa família de acolhimento, que acabaria por a adoptar, apesar de durante mais de sete anos a mãe ter lutado nos tribunais pela guarda da filha.

O TEDH considera que em todo o processo houve «inércia da administração» e dos tribunais, que nunca tiveram em conta o facto de a mãe ter entretanto melhorado as suas condições de vida, arranjando trabalho em França. A sentença diz mesmo que «a constatação inicial de abandono foi mecanicamente reproduzida» ao longo do processo, sem que fosse feito qualquer esforço para avaliar a evolução da família.

O Tribunal entendeu que as alegações sobre o estado mental da mãe nunca foram devidamente sustentadas em relatórios, sendo as carências económicas o único motivo para a retirada da menor.

A decisão do TEDH não vai, contudo, resolver a situação. Sem poderes para reverter a adopção, tudo o que Tribunal Europeu pôde fazer foi obrigar o Estado espanhol a indemnizar a mãe, pagando-lhe 30 mil euros. A criança tem agora 11 anos e está integrada na sua nova família.

790 bebés retirados aos pais em Portugal, em 2012

Em Portugal, em 2012, havia 8.557 menores em regimes de acolhimento, segundo o relatório da Segurança Social CASA, que faz a caracterização anual da situação de acolhimento das crianças e jovens. Os dados mostram que, nesse ano, foram retiradas aos pais 790 bebés entre os 0 e os três anos.

Três deles foram os mais novos dos sete filhos retirados a Liliana Melo em Julho de 2012: entre os menores retirados a esta mãe que recusou a laquear as trompas, estavam um bebé de seis meses, dois gémeos com dois anos e uma criança de três.

J.M. foi outro destes casos. Nem chegou a sair da maternidade. «Disseram que o meu filho estava em risco social», conta ao SOL Helga Aveleira, que há um ano luta para recuperar o filho mais novo, sem entender por que motivo não lhe foi aplicada a mesma medida de promoção e protecção junto da família a que estão sujeitos os irmãos de cinco e três anos. «Se tenho condições para cuidar deles, porque é que não posso ficar com o irmão?».

Segundo um despacho do Ministério Público (MP), que pede ao Tribunal de Menores a entrega do menor para adopção, «a progenitora padece de patologia de personalidade», que não é especificada, e o pai «revela-se imaturo». O facto de dois dos três irmãos mais velhos de J.M. – filhos de duas anteriores relações de Helga – «encontrarem-se institucionalizados» são outra razão apontada pelo MP para justificar a adopção como um melhor projecto de vida para o menor.

Mas a história contada por Helga é muito diferente. «Não escondo que temos muitas dificuldades e que tive problemas com os meus filhos mais velhos, mas há muito amor nesta casa e temos feito muito esforço para melhorar a nossa vida». Com uma relação estável com Hugo – pai dos três filhos mais novos –, Helga tem lutado para ter uma vida melhor, mas não encontra apoios.

‘O meu erro foi pedir ajuda’

«Dizem que falto às visitas do meu filho, mas eu moro em Mira Sintra e ele está no Estoril. Em transportes públicos, demoro mais de uma hora só para chegar lá». Helga tem ainda de compatibilizar o rígido horário da instituição que acolhe J.M. com o curso de Turismo que está a tirar no Instituto de Emprego e Formação Profissional. «Como faltei muito às aulas, tiraram-me a bolsa», lamenta, explicando que isso tornou ainda mais complicadas as contas da família, agora que o marido, que trabalhava no Exército, foi despedido. «Mas nós não baixamos os braços. Fazemos bolos e salgados para vender para fora. Não falta comida em casa», garante.

Se J.M. for dado para adopção, será o segundo filho que Helga perde. «Em 2003, estava grávida quando procurei ajuda na escola dos meus filhos». Era vítima de violência doméstica, o então marido estava envolvido em negócios duvidosos e o filho mais velho, então com oito anos, começava a dar sinais de ser problemático. «O meu erro foi ir pedir ajuda. A partir daí, a minha vida ficou um inferno», lamenta, explicando que a filha que teve há dez anos acabou por ser também retida na maternidade.

Para sobreviver, Helga trabalhou em restaurantes, lares de idosos, nas limpezas e até fez vindimas. Com os filhos mais velhos numa instituição no Porto, a filha nas Caldas da Rainha e ela e o companheiro a viverem em Samora Correia, manter as visitas tornou-se cada vez mais difícil. «E a minha menina foi dada para adopção», resume, com a voz triste e as lágrimas nos olhos.

Segundo os dados da Segurança Social, a retirada para adopção é, contudo, das medidas menos aplicadas. Em 2.590 crianças sinalizadas em 2012, apenas 44 foram entregues para adopção. Os números mostram também que 58% dos menores entre os 0 e os três anos que estiveram institucionalizados acabaram por regressar à família em menos de um ano – o que, segundo o próprio relatório CASA, «leva a questionar as razões de se ter optado pela separação da sua família, ao invés de se desenvolver uma intervenção integrada de preservação familiar».

Apesar dos esforços do SOL, que durante meses procurou esclarecimentos sobre o caso de Helga junto da Procuradoria-Geral da República, da Segurança Social, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e do Tribunal de Sintra, não foi possível obter esclarecimentos destas entidades sobre o caso de Helga Aveleira e J.M, tendo todas invocado a especial confidencialidade que reveste os casos de protecção de menores.

28.1.13

Juízes dizem que pobreza foi determinante para adopção das 7 crianças

por Margarida Davim, in Sol

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) assegura que foi a falta de condições o factor determinante para a decisão de retirar sete dos dez filhos de Liliana Melo. E a Associação Sindical dos Juízes Portugueses diz que a laqueação de trompas foi proposta e não imposta.

Em comunicado, o CSM afirma que «a decisão que foi tomada funda-se unicamente na existência de perigo concreto e objectivo para os menores, quanto à satisfação das suas necessidades básicas de protecção e de cuidados básicos relativos à sua saúde e segurança».

E assegura que «não foi fundamento da decisão do Tribunal, para aplicação das medidas concretas de protecção, qualquer incumprimento de hipotética obrigação de laqueação das trompas por parte da mãe dos menores».

Mas não foi só o Conselho Superior da Magistratura a vir a público explicar a decisão do Tribunal de Sintra. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) resolveu fazer também um comunicado.

No texto, a ASJP assume que o esclarecimento prestado «tem natureza excepcional», mas é justificado pelas notícias que têm vindo a público e foi feito em articulação com a Sra. juíza presidente do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste.

Nesta declaração, os juízes recordam o historial do processo iniciado em 2005 e sublinham que os pais «assumiram, voluntariamente vários compromissos».

«Entre esses compromissos a mãe dos menores obrigou-se a fazer prova do seu acompanhamento no hospital Fernando Fonseca, no âmbito do seu processo de laqueação de trompas», lê-se no esclarecimento.

A ASJP explica que a sentença, proferida em Maio de 2012, «refere que a mãe efectivamente não procedeu à laqueação das trompas (o que traduziu uma violação de um compromisso assumido em acordo de promoção e protecção)», mas frisa que este incumprimento não esteve na base da decisão judicial.

«A decisão foi tomada em virtude da incapacidade dos progenitores em garantir às crianças condições de vida minimamente adequadas, pelo que estas se encontravam em perigo», escrevem os juízes.

23.7.12

Adoção por casais do mesmo sexo

Sara Rodrigues, in Visão

A adoção de crianças por casais do mesmo sexo vai voltar à Assembleia da República. Quatro deputados do PS entregarão, este mês, uma proposta de co adoção que salvaguarde os casos já existentes

Isabel Moreira assina este projeto, com mais três colegas da bancada socialista: Pedro Delgado Alves, Elza Pais e Maria Antónia Almeida Santos. O diploma deve ser discutido ainda este ano

Garantir que as crianças que já vivem em famílias constituídas por casais do mesmo sexo tenham os mesmos direitos que as outras, isto é, que o poder paternal seja dividido por ambas as partes do casal. É este o teor do diploma que quatro deputados do PS - Pedro Delgado Alves, Isabel Moreira, Elza Pais e Maria Antónia Almeida Santos - vão apresentar, ainda este mês, na Assembleia da República para que seja agendado e discutido depois das férias (o Parlamento encerra a 31 de julho e reabre a 3 de setembro).

Não se trata de consagrar a adoção, explica Isabel Moreira, deputada independente do PS, no sentido em que não se "fala de situações a constituir", mas sim de "co adoção, pois o que se pretende é resolver situações que existem".

'Homofobia é inadmissível'
E muitos destes casais têm-se juntado às Famílias Arco-Íris, um grupo da ILGA Portugal (associação de defesa dos direitos dos homossexuais) que apoia casais do mesmo sexo e com filhos. Paulo Côrte-Real, presidente da ILGA, não tem dúvidas de que a atual lei "privilegia o preconceito, ignorando a existência destas famílias" e que elas devem ter os mesmos direitos que as outras. Por isso, congratula-se por o projeto do PS incidir exatamente sobre "realidades e não sobre fantasmas, aqueles que muitos associam à homossexualidade".


Ler mais: http://visao.sapo.pt/adocao-por-casais-do-mesmo-sexo=f676508#ixzz21SihcglJ

14.5.12

Há menos famílias a querer adotar crianças

Joana Pereira Bastos, in Expresso

Entre 2009 e 2011 o número de menores sinalizados para adoção aumentou 22%.

Há cada vez mais crianças para adotar e cada vez menos famílias que as queiram. Segundo dados do Instituto da Segurança Social, entre 2009 e 2011 o número de menores sinalizados para adoção aumentou 22%, de 463 para 568.

No mesmo período, as candidaturas de casais ou famílias monoparentais interessadas em adotar diminuiu quase ao mesmo ritmo - de 706 para 583 (menos 18%).