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27.1.21

Jovens mulheres estão a ser “afectadas desproporcionalmente” pela pandemia

Por Lusa, in Público on-line

O Instituto Europeu para a Igualdade de Género assinala uma prevalência de desigualdade de género elevada nas jovens mulheres (15 aos 24 anos), nas mulheres com menos qualificações e nas mulheres estrangeiras.

A crise pandémica está a afectar “desproporcionalmente” as jovens mulheres, indica uma investigação do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, divulgada numa reunião de alto nível da presidência portuguesa da União Europeia (UE).

Os resultados preliminares — enviados à Lusa pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla em inglês), ao qual a presidência portuguesa da UE pediu que elaborasse uma “nota de pesquisa” sobre o impacto da pandemia nas mulheres — revelam ainda que as oportunidades de emprego para as mulheres que já tinham menos oportunidades antes da crise pandémica “diminuíram desproporcionalmente e têm um efeito a longo prazo potencialmente maior”.

“Manter o emprego está a ser especialmente difícil para as mulheres”, constata-se nas primeiras conclusões da pesquisa, que, esta segunda-feira, 25 de Janeiro, serão partilhadas com os técnicos de todos os Estados-membros que participam na reunião de Alto Nível para o Mainstreaming de Género.

O estudo do EIGE reflecte já uma prevalência de desigualdade de género elevada nas jovens mulheres (15 aos 24 anos), nas mulheres com menos qualificações e nas mulheres estrangeiras.

Recorrendo a dados do Eurostat, o EIGE refere que as necessidades de emprego no segundo semestre de 2020 eram de 16,9% para as mulheres e de 12,5% para os homens.

Estes primeiros dados mostram ainda que há uma percentagem superior de mulheres em teletrabalho — 45%, face a 30% de homens —, sendo que o EIGE reconhece impactos positivos e negativos nesta forma de trabalho. Entre os primeiros está “um aumento da flexibilidade e potenciais novas dinâmicas de género na divisão de tarefas domésticas e de cuidado”. Entre os segundos estão “obstáculos à progressão na carreira, efeitos psicológicos e aumento da violência doméstica”.

Os resultados preliminares recordam que há mais mulheres do que homens em trabalhos não convencionais, que enfrentam um maior risco de perder o emprego e de ver o salário reduzido ou a protecção social diminuída ou eliminada.

Além disso, “as mulheres desempregadas tendem a ficar inactivas muito mais do que os homens [na mesma situação]”, observa-se.

Como ainda há muitas mulheres que trabalham em sectores que não podem estar em teletrabalho, como a agricultura e o têxtil, esta situação poderá vir a criar “uma nova divisão entre quem podem estar em teletrabalho e quem não pode”, assinalam estes primeiros resultados, realçando também que as mulheres estão em desvantagem nas competências digitais, sobretudo as mais velhas.

6.10.20

Em cada cinco pedidos de apoio excepcional à família, quatro são de mulheres

Aline Flor e Sofia Neves, in Público on-line

Durante a pandemia, as desigualdades entre homens e mulheres no cuidado doméstico continuam a ser claras: entre trabalhadores que pediram apoio excepcional para ficar em casa a cuidar dos filhos, a larga maioria foram mulheres.

No início da pandemia, durante o período de fecho das escolas que colocou pais e mães num autêntico malabarismo para cuidar das crianças em casa, quem afinal sacrificou mais o trabalho para cuidar dos filhos? Parte da resposta está nos dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, publicados no início de Setembro, relativamente ao apoio excepcional à família: entre os 200.649 trabalhadores que pediram o subsídio, 81% eram mulheres. À excepção dos trabalhadores independentes, também elas ficaram em casa em média mais dois dias do que eles.

Daniela Pacheco, de 33 anos, é uma dessas mães. Trabalha numa confecção, em Lousada, e pediu o apoio em dois momentos. No início da pandemia, faltou ao trabalho durante três meses e meio para ficar em casa a cuidar dos filhos: durante o período de aulas suspensas, teve direito ao apoio excepcional por causa do filho mais velho, de nove anos; pelo meio, nas férias da Páscoa (entre 28 de Março e 13 de Abril), pôde ficar em casa porque também tinha a seu cuidado uma criança com menos de três anos. Já em Setembro, voltou a ter direito ao apoio quando teve que cuidar do filho mais novo durante o isolamento profiláctico devido a um caso de covid-19 identificado na creche.

Ao PÚBLICO, a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares, afirma que a entidade que lidera já se tinha apercebido desta discrepância entre o número de mulheres e homens que pediram apoios e já havia alertado a tutela para este problema. “Quando nos fomos apercebendo que na sua maioria eram as mulheres quem ficava em casa em regime de teletrabalho, sobretudo, ou mesmo em regime de apoio especial, manifestamos de imediato essa preocupação junto do Ministério do Trabalho para que essa situação fosse avaliada e que no futuro fossem tomadas medidas que minimizassem o facto de serem sempre as mulheres as prejudicadas e aquelas a quem incumbe sempre o dever de cuidar dos filhos”, diz.

Para Carla Tavares, esta é uma questão estrutural que ultrapassa o problema do teletrabalho. A CITE tem pensado em formas de equilibrar estas questões, mas a solução deve ter em conta a complexidade das situações. “Poderia ser feito através da rotatividade, mas depois como se faz esse controlo? Teríamos sempre de articular com as profissões de cada um, algo que pode nem sempre ser compatível. É uma questão mais estrutural que está por detrás de tudo isto, algo que não vamos conseguir alterar só fazendo mudanças no regime do teletrabalho”.

No caso de Daniela Pacheco o teletrabalho não era opção, e o que pesou na decisão de qual dos progenitores ficaria em casa foi a dimensão das respectivas empresas. Ela trabalha numa confecção com quase 40 funcionárias onde oito tiveram que faltar para cuidar das crianças; o marido era o único empregado, trabalhando directamente com o patrão. Daniela não considera o processo para pedir o apoio demasiado complicado, apesar de ser preciso renovar todos os meses. Bastou-lhe ir à Internet, preencher um formulário, entregar ao patrão. Questiona-se se terá sido tão simples para colegas que não lidam habitualmente com a Internet, e lamenta que a muitas tenha sido vedado este direito porque os filhos tinham mais de 12 anos. A atribuição do apoio tinha ainda outros limites, por exemplo, ao não abranger os casos em que um dos progenitores estivesse em regime de teletrabalho — o que pode explicar, em parte, que em Março tenha havido muito mais pedidos (162.059) do que nos meses seguintes (92.629 em Abril, por exemplo).

Este direito, contudo, trouxe um corte ao orçamento familiar: no caso de Daniela, um terço do salário era assegurado pela Segurança Social, outro terço pela entidade empregadora, e o restante ficou perdido. Em alguns casos, esta distribuição do apoio pode embater no tecto máximo, de 1905 euros, ou na base mínima, de 635 euros, o que significa que os trabalhadores que recebem o salário mínimo não perdem rendimento.

"Tinha que ficar com eles"

“No meu caso, tinha que ficar com eles”, diz a trabalhadora têxtil. “A minha sogra já tem 70 anos, estava no grupo de risco, não havia forma”. Esta foi uma das diferenças essenciais desta pandemia: os avós, a quem frequentemente os pais recorrem para cuidar das crianças, não puderam ficar com os netos. O investigador Manuel Abrantes, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (Cesis), nota que a presença de avós no cuidado às crianças tem sido um elemento importante “para que as mulheres possam ter mais tempo para o trabalho”, com base nas conclusões do estudo Os Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal, publicado em 2016.

Neste inquérito, coordenado por Heloísa Perista, os investigadores encontraram dados que mostram que a disparidade de género agora encontrada nos pedidos de apoio à família tem raízes anteriores. Se por um lado há cada vez mais jovens casais que dividem as tarefas de forma igualitária, outra das conclusões é que “o nascimento das crianças é um ponto decisivo em que as coisas começam a desequilibrar-se”, já que o cuidado das crianças pequenas “recai muito mais sobre as mulheres”, diz Manuel Abrantes. Ao perguntarem, por exemplo “quem são as pessoas adultas que no agregado doméstico habitualmente cuidam das crianças aí residentes”, explica, a resposta foi “apenas uma mulher” em 83,2% dos casos de crianças com menos de três anos; e de 68,8% no caso de crianças entre os seis e os 14 anos.

E será possível prever que as desigualdades de género nos cuidados domésticos se acentuem com a pandemia? “Há riscos de reforço das desigualdades”, diz o investigador do Cesis. Na casa de Daniela, o cuidado dos filhos continuou repartido: em Setembro, quando teve que se fechar duas semanas num quarto com o filho mais novo para isolamento profiláctico devido a um caso identificado na creche, era o marido quem “preparava as refeições cá fora” e cuidava do resto da casa. Mas este tipo de divisão não é dos mais comuns ainda, nota Manuel Abrantes. Apesar da lenta evolução que tem acontecido nesta matéria, Portugal é um país em que os cuidados ainda recaem predominantemente sobre as mulheres. E, ao acrescentar este “factor de stress" na vida das famílias, explica, a tendência é a de “reforço do estereótipo da mãe como primeira protectora”.

6.3.20

Nove em cada dez pessoas têm preconceitos contra mulheres

Por Sara de Melo Rocha, in TSF

O Índice de Normas Sociais e de Género, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, avaliou 75 países que abrangem cerca de 80% da população mundial.

Índice de Normas Sociais e de Género avaliou a perceção das mulheres em 75 países © Catarina Vieira/Global Imagens

Quase 90% das pessoas entrevistadas num estudo publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento têm algum nível de discriminação contra mulheres. De acordo com o Índice de Normas Sociais e de Género, 91% dos homens e 86% das mulheres mostram pelo menos um preconceito contra a igualdade de género em áreas como política, economia, educação, direitos reprodutivos das mulheres e violência doméstica.

Metade dos homens e mulheres neste estudo acreditam que o género masculino dá melhores líderes políticos e consideram que, numa situação de escassez de empregos, os homens teriam mais direito aos postos de trabalho do que as mulheres. Cerca de 40% sente que os homens são também melhores gestores de empresas.

Os dados mostram que 28% das pessoas entrevistadas consideram ser aceitável que um homem bata numa mulher.

No mercado de trabalho, as mulheres recebem menos do que os homens e têm menos probabilidade de ocuparem cargos seniores. Menos de 6% dos diretores executivos das 500 maiores empresas cotadas em bolsa são mulheres. Há apenas 10 chefes de governo mulheres num total de 193 países.
Mais preocupante, escrevem os investigadores, é que apesar de décadas de avanços nos direitos das mulheres, o estudo mostra que o número de pessoas com algum tipo de visão negativa sobre as mulheres aumentou nos últimos anos. O número de mulheres com preconceitos contra mulheres subiu de 57% para 60% no caso dos homens aumentou de 70% para 71%.

O Índice de Normas Sociais e de Género, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, avaliou 75 países que abrangem cerca de 80% da população mundial. Os dados dizem respeito aos últimos nove anos.
O estudo revela ainda que estes preconceitos não estão ligados ao grau de desenvolvimento de um país. Há uma parcela considerável de homens na Suécia, Alemanha, Índia e México que garantem não ter uma visão negativa sobre o papel das mulheres na sociedade. No campo aposto estão países como a Austrália, Chile, Estados Unidos e Holanda.

14.11.18

Portugal na primeira liga dos direitos humanos, mas falta melhorar integração de minorias e igualdade

in o Observador

Portugal, apesar de ter passado à primeira liga da proteção dos direitos humanos, continua "deficitário" na integração das minorias ou a igualdade de género, segundo Vital Moreira.

Portugal passou de zero à primeira liga da proteção dos direitos humanos em 40 anos, mas continua “deficitário” em questões como a integração das minorias ou a igualdade de género, defende o académico e político Vital Moreira.

Em entrevista à agência Lusa, o comissário das comemorações dos 70 anos da declaração das Nações Unidas sobre direitos humanos sublinhou o papel decisivo neste progresso da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos em 1978.

“Orgulhámo-nos de, em 40 anos, termos passado do zero à primeira liga da proteção de direitos humanos, mas devemos querer Portugal nos primeiros”, disse. “É um feito histórico o que Portugal conseguiu. Passar de réprobo da ordem internacional de direitos humanos para um país que está na primeira linha, que tem um enorme prestígio e autoridade para ter uma política de direitos humanos ativa”, nas Nações Unidas, na União Europeia e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), sustentou.

O comissário das comemorações admite que não há violações graves nem reiteradas dos direitos humanos em Portugal, mas aponta áreas em que é preciso melhorar. “Devemos aproveitar para melhorar os aspetos de direitos humanos em que Portugal ainda é deficitário. Por exemplo, na igualdade de género, na mutilação genital feminina, na inclusão das minorias étnicas, nas garantias de processo penal ou nas condições prisionais”, apontou.
“Obviamente que não se trata de violações reiteradas, nem profundas, mas mesmo os casos pontuais, devemos fazer com que não ocorram”, acrescentou.

Para Vital Moreira, o principal desafio em termos de direitos humanos tem que ver com a inclusão de minorias e com o racismo, não apenas em relação aos afrodescendentes, mas também aos ciganos. “São problemas de trabalho, de escola, de habitação, de relações sociais e mesmo de racismo implícito que, de vez em quando, aflora em algumas manifestações, felizmente em níveis baixos”, disse.

Ainda assim, considerou, que o “nível de consciência racial” deve ser motivo de orgulho em Portugal e apontou “esforços notáveis” nesta área, dando como exemplo as alterações introduzidas à lei para reconhecer o direito à nacionalidade aos filhos de imigrantes nascidos em Portugal.

“Mas é preciso fazer mais em termos práticos…] e isso faz-se com programas sociais bem conseguidos e bem dirigidos. E nem se quer custa muito dinheiro. É uma questão de vontade e consciência política e de consenso social, e isso existe”, sustentou.

Vital Moreira sustenta que é preciso “utilizar a extraordinária situação portuguesa”, onde não existem partidos de extrema-direita, racistas ou populistas para promover essa integração.

Sobre as comemorações das duas datas históricas da proteção internacional de direitos humanos em Portugal, Vital Moreira espera que possam contribuir para reforçar consciência dos direitos humanos, que, segundo disse, “em Portugal é relativamente baixa”. “Como não temos em causa, em Portugal, a liberdade de expressão, de opinião, de religião, de reunião, nem de manifestação, entendemos que não são questões de direitos humanos, mas em 1974 eram […]”, lembrou.

Segundo Vital Moreira, como em Portugal se beneficia de uma “alta proteção”, dão-se os direitos humanos como “adquiridos e resolvidos definitivamente”. “Mas muitos países mostram que o adquirido pode ser revertido”, alertou.

4.12.15

Educar para a Igualdade

In "Açoriano Oriental"

Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência de Género Educar para a Igualdade As crianças de hoje, Homens e Mulheres de amanhã A UM AR Açores - delegação do Faial, marcou o dia 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, com a temática, "As crianças de hoje, Homens e Mulheres de amanhã. - Como educar para a Igualdade?". As crianças são o nosso futuro... são o futuro das famílias, da comunidade, da região e do país... são elas que transformam um pais, no sentido mais lato da evolução, mas que tipo de país queremos nós, ou que mundo estamos a criar? Que tipo de educação estamos a transmitir e a incutir às nossas crianças...estaremos a ensiná-las a sobreviver ou a viver?

Educamos no sentido da solidariedade com o próximo, a não discriminar, a ver o outro como igual... ADE ensinamos o valor dos afetos, do respeito, da amizade; com- o panhcirismo, ou estaremos a transmitir o egoísmo, e o egocentrismo, num mundo centrado no parecer e no ter, em detrimento do ser? Deste modo, o painel de convidados palestrantes, incluíam uma professora, Dora Pimcntel, dando-nos uma visão da educação e da formação, e do papel da professora, uma mãe, Sandra Silva, a falar das dificuldades e constrangimentos de educar para a igualdade e sem preconceitos e estereótipos, o Presidente da CPCJ da Horta, Vítor Reis, dando-nos urna visão da problemática das comissões e João Paiva, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), com a desconstrução de mitos e estereótipos que nos assolam todos os dias no nosso quotidiano, e pela repetição de erros que insistimos em perpetuar, com os nossos pares, jovens e na relação com o outro. Com este momento não quisemos criar um manual de instruções, mas sim um momento, ou vários momentos de reflexão para todos, nomeadamente, jovens, pais e mães, docentes, cidadãos e cidadãs...

será cada um e cada uma de nós que marcará a diferença... essa diferença começa Lodos os dias, com um novo dia, onde através das nossas atitudes e dos nossos comportamentos podemos realmente marcar a diferença, e sermos melhores connosco e com os outros...há uma tendência em olharmos para o individual, mas esquecemo-nos que fazemos parte de um coletivo, bem maior que nós... quando prejudicamos os outros estamos a longo prazo a prejudicarmo-nos a nós próprios... se não educarmos as nossas crianças e jovens para a igualdade, estaremos a hipotecar o nosso futuro em termos humanos, em termos dos nossos direitos e deveres, estaremos a regredir no nosso processo evolutivo

26.1.15

Violência doméstica: Se Alice saiu de casa foi para não morrer

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Durante anos, Alice sofreu ameaças, insultos, humilhações. “Essas palavras nunca saem da cabeça.” São piores do que as agressões físicas, diz também Sílvia. Numa das 37 casas de abrigo existentes em Portugal para vítimas de violência doméstica, uma e outra tentam refazer a vida com os filhos. Aqui, o número de entradas de mulheres em situação de emergência quase duplicou desde 2012.

Chegam com medo, por vezes apenas com a roupa que trazem no corpo. Na incerteza, sem saber como dar rumo a uma vida que, aos poucos, se desfez na violência que invadiu os seus dias.

Deixam para trás a casa, os pais, os irmãos, os amigos, o emprego, o curso. Algumas planeiam a saída, em segredo. Outras não têm tempo para isso. Fogem a um ataque físico ou a uma ameaça súbita. Saem sempre no desconhecimento dos agressores. Chegam às casas de abrigo quase sempre com os filhos. Sentem-se protegidas e ao mesmo tempo presas, condenadas – em vez deles – a um afastamento forçado, a recomeçar uma vida noutro lugar.

Todas têm histórias distintas, mas semelhantes nas humilhações que sofriam – “os maus tratos psicológicos eram bem piores do que os físicos” –, nas acusações de que eram alvo sem se poderem defender e nas ameaças que ouviam quando pediam o divórcio ou acenavam com a hipótese de uma queixa na polícia – “Eu mato-te a ti e ao filho que trazes no ventre.”

Durante anos Sílvia isolou-se da família e dos amigos, sem pensar nas consequências de se anular assim. Durante três anos, sofreu em silêncio. Assim passou todo o tempo da gravidez. Aos poucos, desaprendeu a cuidar da imagem, a olhar-se ao espelho e a acreditar em si. “Comecei a acreditar que era verdade o que ele me dizia.” Que era louca, que não valia nada e servia para muito pouco. Foi ganhando forças e um dia saiu de casa. Até então era vergonha o que sentia.

Sílvia esteve em pelo menos duas casas de abrigo, das 37 que existem no país para acolher vítimas de violência doméstica. São geridas por várias instituições e associações como a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), a UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), a AMCV (Associação de Mulheres contra a Violência), a Santa Casa da Misericórdia, entre outras. Algumas destas casas passaram a prever, nos últimos anos, lugares para acolhimento de emergência.

De uma delas, Sílvia foi obrigada a sair em poucas horas, depois de o ex-marido a descobrir ali. Já tinha um contrato para começar a trabalhar nesse concelho e uma inscrição na creche para o filho que entretanto nasceu. Já tinha ensaiado uma nova vida. Teve de deixar tudo para trás, uma segunda vez. Ela e o filho foram levados de noite, como fugitivos, para outra casa de abrigo. Hoje estão na Casa Alcipe em Lisboa, um dos dois abrigos geridos pela APAV.

Por esta casa, desde a abertura em 2006, passaram 350 mulheres vítimas de violência doméstica e os seus filhos, expõe a directora Cátia Rodrigues. E ao longo desse tempo, as situações de violência têm-se tornado mais violentas, nota. O recurso a armas, por exemplo, explica em parte o número de mortes nos últimos anos. Em 2014, morreram 42 mulheres em contexto de violência doméstica em Portugal.

Além dessa tendência, também o número de pessoas que chegam em situação de emergência aumentou muito na Casa Alcipe. Em 2012, entraram 32 pessoas (entre mulheres e crianças), nessas circunstâncias, e esta casa de abrigo passou a prever esse tipo de acolhimento, até então inexistente. Em 2013, foram 44. No ano passado, esse número subiu para 54.

Visível é também o facto de o tempo de permanência na casa de abrigo ser agora muito superior àquilo que era habitual – e que Cátia Rodrigues atribui, pelo menos em parte, à conjuntura de crise. As vítimas têm mais dificuldade em encontrar emprego ou uma casa para arrendar, e vão ficando. O tempo regulamentado, para o regime prolongado, é de seis meses. Antes da crise e do aumento do desemprego, muitos acolhimentos duravam entre 10 a 18 meses. Agora, duram no mínimo um ano. Nalguns casos, chegam a durar dois anos.

Também aqui, já vieram bater à porta alguns agressores, à procura das suas ex-companheiras. Mas nenhum destes episódios teve consequências sérias. Chegaram à casa, cuja localização é confidencial, muitas vezes por culpa das próprias vítimas que, nalguns casos, aceitam que os ex-companheiros as contactem por telefone e depois se aproximem.

Marcas profundas
“As histórias são todas diferentes mas todas têm o mesmo denominador”, descreve Cátia Rodrigues. “O abuso emocional e os maus tratos psicológicos são situações que deixam marcas mais profundas. São episódios vividos com maior intensidade por elas.”

Durante os primeiros meses na casa, algumas mulheres continuam a justificar cada movimento, como faziam quando estavam com os companheiros. E mostram-se extremamente vigilantes nas saídas à rua, como se continuassem a ser seguidas por eles. “Leva tempo até perceberem que são mulheres livres”, diz a psicóloga Cátia Rodrigues. “Durante muito tempo, foram reduzidas a um nada.”

Algumas destas vítimas tiveram tempo de programar a saída de casa e chegam com algumas roupas numa mala. Outras são trazidas de um momento para o outro, ou das urgências do hospital, onde deram entrada por causa das agressões. Essas situações são encaminhadas pelos técnicos dos serviços sociais dos hospitais. Outras situações, que se arrastam no tempo, são encaminhadas através da Segurança Social, das escolas ou das comissões de protecção de crianças e jovens, que sinalizam situações de risco. Também surgem pedidos dos gabinetes de apoio às vítimas ou pelo tribunal, quando houve uma denúncia.

“São pessoas que de repente se vêem sem nada. Chegam com muito medo. Medo de represálias dos ex-companheiros, de serem confundidas com pessoas loucas, que faltam à verdade. Medo que as comissões de protecção lhes retirem as crianças”, relata Cátia Rodrigues. “Vêm muito desorganizadas, com dificuldade de concentração, de memória e em situar-se no tempo. Muitas chegam com um historial de depressão.” Algumas sofrem insónias.

Algumas vezes o isolamento em que viviam, porque deixavam que os ex-maridos as afastassem do resto da família e dos amigos, “faz com que se sintam ainda mais desvalorizadas e pequeninas”, acrescenta a psicóloga.

A maior parte das mulheres chega com os filhos. “Algumas crianças vêm perturbadas com o sofrimento das mães”, descreve a responsável. “Umas chegam muito agitadas, têm pesadelos nocturnos ou dificuldade em adormecer. Mas também há crianças apáticas. Aconteceu com dois bebés. Ficavam muito parados. Só passado algum tempo, voltaram a ser crianças.” Muito depende da idade da criança e da forma como vivenciaram a violência. Entre as mais crescidas, muitas revelam dificuldades na escola.

Segundas oportunidades
“Se eu saí de casa foi para dar um rumo à minha vida e tentar dar uma vida melhor à minha filha”, diz Alice. Se Alice saiu de casa, foi também para não morrer. Aos ataques verbais, seguiram-se as agressões físicas e, mais tarde, as ameaças com facas.

Foi como se não visse todos esses anos passar. Perdeu-se na conta das segundas oportunidades que deu ao marido, quando este mostrava arrependimento e pedia perdão. O ciúme transfigurava-o e o álcool piorava as coisas. Alice não sabe onde encontrou forças para suportar os insultos e as acusações de “mulher vulgar”, “capaz de ir com qualquer homem”, que ele lhe lançava à frente da filha.

“Se ele te matar, eu mato-o a ele”, dizia-lhe a filha, quando ainda tinha oito ou nove anos. A criança passou depois a viver assombrada pelo medo de que a mãe se suicidasse. Nos últimos tempos, Alice não saía de casa e muitas vezes ficava fechada no quarto, incapaz de olhar a vida em frente. Também ela passou a gritar por tudo e por nada. Dormia com uma pequena faca escondida debaixo da cama. Um dia pediu ajuda. Saiu da sua residência em Bragança, foi acolhida em situação de emergência, numa casa de abrigo. Passou depois por outro antes de chegar à Alcipe, em Lisboa, onde está em acolhimento prolongado.

Já por aqui passaram pessoas licenciadas ou com o 12º ano, mas são sobretudo mulheres sem a escolaridade obrigatória e com poucos meios que recorrem ao acolhimento por falta de alternativas, explica Cátia Rodrigues.

Sílvia, por exemplo, não ficou com a família, porque isso seria manter o perigo de uma aproximação do agressor. O medo perturbou o dia-a-dia de todos – os padrinhos de Sílvia, que a criaram e a quem chama “pais”, os irmãos, os sobrinhos. Também por isso ela se afastou. Preparou a saída de casa com toda a precaução. Mesmo assim, e desde então, também a sua família teve de mudar da casa onde sempre viveu no Algarve. Estão em parte incerta, pelo menos até uma decisão judicial, que pode ser uma medida de afastamento do agressor.

A violência era sobretudo psicológica – acompanhada mais tarde de ameaças de morte. E mesmo a violência visível fora das quatros paredes de casa era ignorada por vizinhos e até amigos. Só os padrinhos de Sílvia se dispuseram a testemunhar. O desfecho do processo é por isso uma incógnita. Nem ela nem a família têm planos de algum dia regressar ao concelho onde moravam.

Sílvia não pensou no suicídio, mas várias vezes imaginou: “Se eu não tivesse nascido nada disto acontecia.” Não faria sofrer os outros. Durante muito tempo, não contou nada à família. Depois, tudo se tornou evidente. E já depois de sair de casa, o sobrinho de sete anos, que várias vezes assistiu às ameaças de morte contra o avô, recusava sentar-se à mesa de jantar enquanto a porta não estivesse trancada.

As agressões, com cabelos puxados ou braços torcidos, eram a forma que o companheiro de Sílvia encontrava para a forçar a ouvir. Ela sentia dor, mas não tanta como a que sentia quando aquela voz ecoava, tantas e tantas vezes, dentro dela. “Quando somos rebaixadas psicologicamente sentimos vergonha de nós próprias, perdemos a vontade de viver.”

Sílvia consegue vislumbrar o fim do tomento e o início de algo melhor para ela, para o filho, para o resto da família que vai poder reencontrar em breve, num lugar onde também eles estão a refazer a vida. Os insultos talvez permaneçam para sempre com ela. “Essas palavras nunca saem da nossa cabeça.” Mas aos poucos reaprendeu a olhar-se ao espelho. E a acreditar em si.

Alice e Sílvia são nomes fictícios

10.3.14

Nos grandes museus de arte, as mulheres ainda estão atrás dos homens

Cláudia Carvalho, in Público on-line

Google disponibiliza exposição virtual sobre o papel da mulher na Cultura.

As mulheres dirigem apenas um quarto dos maiores museus nos Estados Unidos e Canadá e ganham menos do que os homens que ocupam o mesmo lugar. As conclusões são do relatório da Associação de Directores de Museus de Arte, uma organização profissional, divulgado esta sexta-feira.

As conclusões deste relatório, que se baseou nos dados dos 217 membros da Associação de Directores de Museus de Arte, avaliando pela primeira vez, segundo o New York Times, a questão do género, foram conhecidas na véspera do Dia da Mulher, que se celebra este sábado. Estes são apenas mais uns números que vêm mostrar como, apesar dos avanços feitos no feminino a nível económico, social e político, ainda existem bastantes desigualdades entre géneros.

De acordo com este estudo, no que diz respeito à direcção de pequenos e médios museus, com orçamentos abaixo dos 15 milhões de dólares (10,8 milhões de euros), as mulheres estão em pé de igualdade com os homens, mantendo quase metade das direcções e ganhando praticamente o mesmo salário. No entanto, é quando saltamos para museus e instituições culturais maiores, que a desigualdade salta à vista.

Apenas 24% das instituições com orçamentos acima dos 15 milhões de dólares é dirigida por uma mulher. E dos 33 museus de arte mais proeminentes, só cinco têm mulheres ao leme. Como museus de arte mais proeminentes, entende-se aqueles com orçamentos superiores a 20 milhões de dólares (14,4 milhões de euros), como é o caso do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), liderado por Glenn D. Lowry, ou do Museu Metropolitan de Nova Iorque (Met), que é dirigido por Thomas P. Campbell.

O estudo, realizado em parceira com o National Center for Arts Research, foi feito através de uma intensa pesquisa à situação actual dos museus, assim como à sua história, e ainda recorrendo a várias entrevistas a muitos dos responsáveis das instituições culturais. Os dados foram depois analisados por investigadores da área, que tentaram traçar a situação geral.

Apesar das desigualdades detectadas, o estudo nota que a situação é hoje melhor do que há 25 anos, assistindo-se a uma mudança no paradigma cultural, com o aparecimento da primeira geração de mulheres directoras. Resta perceber porque é que os números ainda são tão baixos, se por falta de oportunidade ou por falta de interesse das mulheres nestes cargos de topo.

A situação nas direcções dos museus não é porém muito diferente daquela que se encontra nas próprias colecções dos museus, constituídas maioritariamente por obras de arte assinadas por homens.

Mas este tema não é novo. Já no passado, Gemma Rolls-Bentley, uma curadora independente britânica, debruçou-se no top dos 100 artistas que mais venderam em 2012 e percebeu que nesta centena não surgia uma única mulher. Num estudo mais aprofundado, Rolls-Bentley chegou à conclusão de que, por exemplo, na Tate Modern, em Londres, 83% dos artistas representados são homens. E o seu estudo vai mais longe: estima-se que apenas cerca de 5% do trabalho apresentado nas principais colecções permanentes de todo o mundo é de mulheres.

Google destaca o papel da mulher na Cultura
Foi neste sentido que, assinalando o Dia da Mulher, o Google Cultural Institute, plataforma online da Google para a divulgação de conteúdos culturais, disponibiliza online a exposição O Papel da Mulher na Cultura. O objectivo é mostrar como a mulher teve ao longo dos séculos um papel determinante na evolução da Cultura, admitindo a empresa que tantas vezes os relatos históricos das mulheres foram ignorados.

Esta exposição está assim dividida em 12 núcleos, ou 12 exposições, criados a partir de conteúdos de novos parceiros do Google Cultural Institute e de parceiros já presentes neste serviço. A partir deste sábado podemos então mergulhar na vida de Frida Kahlo ou ficar a saber mais sobre a luta pelo direito das mulheres ao voto no Reino Unido.

24.1.14

No Plano Nacional para a Igualdade, o género feminino aparece entre parênteses

Andreia Sanches, in Público on-line

Orientações em vigor dizem que a Administração tem a obrigação de se referir explicitamente a ambos os sexos “de forma igual e paralela”. Secretaria de Estado diz que documento que enviou para publicação em Diário da República não tinha parênteses.

No V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (que estará em vigor até 2017) o Governo compromete-se a encomendar um estudo para avaliar até que ponto já se utiliza “linguagem inclusiva” na administração pública — seja nos balcões de atendimento ou nos documentos oficiais. Acontece que o próprio Plano da Igualdade, publicado no Diário da República (DR) no último dia do ano, não é um bom exemplo de linguagem que promova a igualdade, tendo em conta as orientações em vigor.

No V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (que estará em vigor até 2017) o Governo compromete-se a encomendar um estudo para avaliar até que ponto já se utiliza “linguagem inclusiva” na administração pública — seja nos balcões de atendimento ou nos documentos oficiais. Acontece que o próprio Plano da Igualdade, publicado no Diário da República (DR) no último dia do ano, não é um bom exemplo de linguagem que promova a igualdade, tendo em conta as orientações em vigor.

Inicialmente, na proposta de Plano Nacional, que começou por ser posta à discussão pública e que foi para consulta de vários especialistas na matéria, utilizavam-se expressões como “conselheiro/a...” — o que é um exemplo de “linguagem inclusiva”. Já a versão final, publicada em DR, contém expressões como “conselheiro(a)”. Qual a diferença? A barra deu origem a um parênteses.

É a própria Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), numa publicação de 2009, que sintetiza as regras da linguagem inclusiva e sustenta que o parênteses pode ser lido como uma forma de menorizar a forma feminina das palavras. E não de a equiparar à masculina.

“Porque o emprego mais geral dos parênteses é para ‘intercalar num texto qualquer indicação acessória’”, como refere a Gramática da Língua Portuguesa, de Celso Cunha e Lindley Cintra, “não parece que seja esta uma forma adequada para uma representação simétrica do género feminino, uma vez que abre a possibilidade de interpretação como um reforço da ‘menoridade’ ou ‘subsidiariedade’ das mulheres”, lê-se no Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, da CIG.

“Pai e mãe” em vez de “pais”
O Guia dá vários exemplos do que está correcto: “pai e mãe” em vez de “pais”; “trabalhadores e trabalhadoras estrangeiras”, em vez de apenas “trabalhadores estrangeiros”. O emprego de barras também é uma possibilidade, para economizar espaço: “o/a doente”, “o/a requerente”, “A/O Presidente”, “Os/As Estudantes”, “a/o funcionária/o”, “o/a aposentado/a”.

Todos estes exemplos são considerados “formas não discriminatórias que respeitam o direito de homens e mulheres à representação linguística da sua identidade” e que implicam “o reconhecimento de que nenhum dos dois sexos tem o exclusivo da representação geral da humanidade ou da cidadania”. E é assim que devem ser escritos impressos, leis, publicações, e sites dos ministérios.

Ora o V Plano Nacional, abundam formulações como: “dos(as) dirigentes”, em vez “dos/das dirigentes”; ou “Decisores(as) políticos(as)”, em vez “Decisores/as políticos/as”.

Contactada pelo PÚBLICO, a Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, que tutela esta área, faz saber que os parênteses não foram introduzidos por si e que não estavam na versão do Plano remetido à Imprensa Nacional, para publicação em DR. Como lá apareceram, então?

“É verdade que a versão publicada em DR utiliza antes os parênteses. Esta alteração aconteceu aquando da publicação do Plano e a diferença prende-se com as regras de legística da Imprensa Nacional”, diz em e-mail enviado ao PÚBLICO. De resto, nota, não é a primeira vez que acontece: anteriores planos para a igualdade utilizavam a mesma formulação, ou seja, parênteses. Por causa das mesmas regras, que ditam como se fazem e escrevem leis.

Sobre se está a ser ponderada a republicação do V Plano, tendo em conta que ele próprio torna o tema da “linguagem inclusiva” tão relevante que até prevê a elaboração de um estudo para avaliar a sua utilização na Administração, a secretaria de Estado liderada por Teresa Morais diz apenas: “Não está tomada qualquer decisão de republicação”.

“Fico perplexa”
Sara Falcão Casaca, Investigadora do ISEG, da Universidade de Lisboa, e ex-presidente da CIG, não percebe. “Fico perplexa porque, na verdade, tanto o IV Plano como o V Plano não estão publicados com linguagem promotora da igualdade entre mulheres e homens. As barras são frequentemente convertidas em parênteses. Vamos, aliás, assistindo ao uso do parênteses… São várias as entidades oficiais, empresas, universidades que o utilizam”, diz em declarações ao PÚBLICO.

“Ora, esta é — na minha perspectiva — uma forma infeliz, igualmente discriminatória, de comunicação e de contemplar ambos os géneros gramaticais na linguagem, dado que remete para uma indicação acessória do género em parênteses, secundarizando-o. Está, portanto, muito longe do referencial da igualdade de género.”

Contactada pelo PÚBLICO, a CIG remeteu para a resposta da Secretaria de Estado.

Sara Casaca acredita que a linguagem usada na administração pública tem a obrigação de se referir explicitamente a ambos os sexos “de forma igual e paralela”. Sucessivos planos nacionais têm, aliás, previsto a adopção “de forma progressiva” de “uma linguagem inclusiva nos diversos documentos produzidos, editados e distribuídos” em linha com o guia da CIG, como se lê no IV plano, de 2001, ou no III, de 2007. O V Plano foi, aliás, mais longe, sublinha Sara Falcão Casaca: “É louvável a determinação em assegurar e avaliar o cumprimento pela Administração Pública”, da utilização de linguagem inclusiva.

A dúvida é esta: como é que se vai avaliar a aplicação de regras que as regras de legística da Imprensa Nacional não contemplam?

É verdade, prossegue, que o país atravessa “um período dificílimo, que muitas mulheres e os homens estão a passar por grandes dificuldades, mas isso não significa que descuremos outras questões fundamentais, relativamente às quais temos tentado a mudança, o progresso”. E a linguagem, diz, não é uma questão menor. “Aquilo que persiste, em muitas situações, é uma linguagem sexista, legado sociocultural de um contexto de supremacia do poder masculino” na política, na economia, na cultura, na linguagem.

Mas o problema de serem os próprios organismos que promovem a igualdade entre homens e mulheres a não dar o exemplo do que o Governo quer que seja a regra na administração pública, não é de agora. Em 2007, foi aprovada a nova lei orgânica da Presidência do Conselho de Ministros, que tutela a CIG. E logo no artigo 4.º desse decreto-lei lê-se que o novo organismo, que então substituía a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, deverá ser dirigido “por um presidente, coadjuvado por um vice-presidente”. A hipótese de “uma presidente”, não é colocada, apesar de até agora terem sido sempre mulheres a liderar a CIG.

Breve cronologia

1987: A UNESCO aprova Resoluções, em 1987 e 1989, adopta directrizes para um vocabulário que se refira explicitamente à mulher e diz que os Estados-Membros devem zelar pelo respeito das mesmas em todas as comunicações, publicações e documentos da Organização.

1990: O Conselho da Europa aprova uma Recomendação aos Estados-Membros no sentido do emprego de uma linguagem que reflicta o princípio da igualdade entre os homens e as mulheres.

2006: Em Portugal, o Regimento do Conselho de Ministros incluiu, nas regras de legística na elaboração de actos normativos pelo XVII Governo Constitucional, a utilização de uma linguagem não discriminatória de forma a “neutralizar-se ou minimizar-se a especificação do género através do emprego de formas inclusivas ou neutras”.

2007: O Conselho da Europa considera “a promoção de uma linguagem que reflicta o princípio da igualdade de género” como uma das seis Normas Gerais a seguir pelos Estados-Membros.

8.11.13

Investigadora defende que a igualdade de género é prioritária

por Susana Madureira Martins, in RR

Anália Torres quer mais e melhores políticas públicas que permitam o aumento da natalidade.

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa defende que ou a Europa começa a pôr na agenda os temas da igualdade de género e a conciliação entre o trabalho e a família ou então não há crescimento da população.

Anália Torres avança com estudos que dão conta da dificuldade das mulheres em conciliar, por exemplo, uma carreira académica com o nascimento e acompanhamento dos filhos.

“As mulheres mais jovens, muitas vezes, quando os filhos eram mais pequenos, tendiam a ficar numa situação de ‘standby’ em termos profissionais, porque estavam mais preocupadas com os filhos.”

“Eram muitas vezes eles que avançavam mais, tiravam mestrados, seguiam a carreira. Depois quando as crianças já tinham10 ou 11 anos, muitas vezes se verificava que as mulheres voltavam a investir ou na carreira ou em formação escolar. A questão que está levantada é se efectivamente depois conseguem ou não recuperar”, aponta.

Assim começam os problemas da desigualdade. “O acordo é feito no princípio, agora vais tu mais para o trabalho, e tu vais mais para as crianças, e depois? O acordo vai-se mantendo e aqui começa essa desigualdade que tem de ser compensada”, considera a investigadora.

Anália Torres defende mais e melhores políticas públicas que permitam o aumento da natalidade.

15.7.13

Setúbal - Igualdade de género há decréscimo no número de queixas

in Rostos

«As pessoas já não se queixam porque têm medo do desemprego»

A presidente da CIG, Fátima Duarte, salientou a relevância do papel dos municípios para promover as mudanças culturais, ao nível da “eliminação de estereótipos, do incentivo à cidadania e do desenvolvimento local”.
O trabalho desenvolvido pela Câmara Municipal de Setúbal na igualdade de género foi elogiado pela presidente da CIG, uma vez que, referiu, “já vem evidenciando há muito” boas práticas nesta área.


O Plano para a Igualdade de Género da Câmara Municipal de Setúbal, resultante de um diagnóstico interno que permitiu delinear estratégias e ações, foi apresentado publicamente esta manhã num seminário que decorreu no Cinema Charlot – Auditório Municipal.

Na abertura do encontro, que contou com a presença de funcionários do município, a presidente da Autarquia, Maria das Dores Meira, começou por dizer que a conclusão do plano é “um pequeníssimo passo na enormíssima caminhada” rumo à igualdade de género.

“O preconceito involuntário ainda existe nas nossas cabeças desde há milhares de anos”, lamentou. “E o mais difícil é vencê-lo.”

Dignificar e melhorar o serviço público que a Câmara Municipal de Setúbal presta à população passa pela execução das boas práticas, sinalizadas no plano para a igualdade entre homens e mulheres.

“Como mulher, estou profundamente empenhada. Como presidente, estou duplamente empenhada nesta missão”, salientou Maria das Dores Meira.

A autarca lembrou que algumas das medidas preconizadas no plano de ação para a igualdade têm vindo a ser postas em prática em parceria com organizações do concelho, como a SEIES – Sociedade de Estudos e Intervenção em Engenharia Social.

Para o acompanhamento e elaboração do plano, que se enquadra no IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e não Discriminação e numa das diretrizes do QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional, referentes ao reforço da integração nas políticas da administração pública local, foi criada, em fevereiro de 2012, a Comissão Municipal para a Igualdade de Género.

Neste contexto, foi assinado, durante o encontro desta manhã, um protocolo de colaboração com a CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, com o objetivo de promover intervenções pró-ativas em benefício de homens e mulheres, facilitando as relações sociais e reforçando as competências para a autonomia económica e a participação nos processos de decisão.

A presidente da CIG, Fátima Duarte, salientou a relevância do papel dos municípios para promover as mudanças culturais, ao nível da “eliminação de estereótipos, do incentivo à cidadania e do desenvolvimento local”.

O apoio dos municípios aderentes ao plano nacional para a igualdade contempla ainda medidas de combate à violência doméstica. Fátima Duarte explicou que a disponibilização de fogos de habitação social e arrendamentos a baixo custo à mulher vítima de violência doméstica é um contributo importante por parte das câmaras municipais.

O trabalho desenvolvido pela Câmara Municipal de Setúbal na igualdade de género foi elogiado pela presidente da CIG, uma vez que, referiu, “já vem evidenciando há muito” boas práticas nesta área.

Sandra Ribeiro, em representação da CITE – Comissão para a Igualdade de Género no Trabalho e no Emprego, congratulou-se por haver cada vez mais municípios a desenvolver planos e “por Setúbal estar neste caminho”.

Disparidades salariais e de oportunidades de emprego, bem como o direito às licenças maternais e parentais são alguns dos 400 casos que a CITE, de âmbito do Estado, a funcionar há 30 anos, recebe anualmente.

Em 98 por cento destes casos, os empregadores, públicos e privados, cumprem as indicações da CITE, que, enquanto entidade com competência jurídica e promotora do diálogo social para as questões de igualdade no contexto laboral, avalia cada uma das situações.

Sandra Ribeiro afirmou que se tem constatado um decréscimo no número de queixas, facto que pode ser relacionado com a atual situação económica do País. “As pessoas já não se queixam porque têm medo do desemprego”, explicou.

O seminário “Plano para a Igualdade de Género” abordou ainda o tema “Assédios e discriminação de género”, por Maria Odete Pereira, docente no IPS.

Antes do encerramento do evento, pela vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Setúbal, Carla Guerreiro, foi apresentado o Plano para a Igualdade de Género da Câmara Municipal de Setúbal 2013/2014.

Fonte - CMS

19.2.13

Portugueses defendem igualdade de género, mas nem sempre praticam

in RR

Dados do “European Social Survey”, realizado em 26 países, mostram que a família "é a principal prioridade da vida dos indivíduos" em toda a Europa quando a questão é escolher entre áreas, como trabalho, amigos, política ou religião.

Os europeus consideram a família a principal prioridade, defendem a igualdade entre homens e mulheres nas tarefas domésticas e com os filhos, mas nem sempre o praticam, sobrecarregando as mães, principalmente as portuguesas, disse hoje uma investigadora.

Com base em dados do “European Social Survey”, realizado em 26 países e conduzido em Portugal pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e pelo Instituto Superior das Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE), Anália Torres concluiu que "a família é a principal prioridade da vida dos indivíduos" em toda a Europa quando a questão é escolher entre áreas, como trabalho, amigos, política ou religião.

Em declarações à agência Lusa, a investigadora realçou que a família já não é encarada de uma forma "antiga, tradicional", mas sim como um agregado em que os pais devem centrar a sua atenção no bem-estar dos filhos, nomeadamente o emocional.

"A ideia que as pessoas têm de que agora não se valoriza a família é errada. Habitualmente diz-se é que a família, os amigos e o lazer são as coisas mais importantes na vida", frisou Anália Torres. E neste aspecto, "não há distinção entre países do sul e do norte da Europa", o que surpreendeu a investigadora.

Homens com mais responsabilidades domésticas
Os europeus apontam também que os homens devem ter mais responsabilidades nas tarefas domésticas e no cuidado com os filhos, valor defendido tanto por homens como por mulheres, "embora um bocadinho mais pelas mulheres". A especialista frisou, porém, que "o facto de se dizer que os homens devem atribuir a mesma responsabilidade não significa que depois, na prática, dediquem tanto tempo à família, aos trabalhos domésticos e aos cuidados com os filhos como as mulheres".

"Estamos muito longe de uma igualdade, na prática", na maior parte dos países, à excepção dos escandinavos, ou seja, no sul da Europa, e "em Portugal em particular", há um "sobre trabalho das mulheres porque acabam por trabalhar na área profissional quase tantas horas como os seus parceiros e acumular toda a parte das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos".

O stress associado a esta multiplicidade de tarefas "é grave, tem efeitos negativos, [ou seja], não é só uma situação de desigualdade, tem efeitos
em todas as esferas da vida, nos planos emocionais, de bem-estar e até no plano da saúde", alertou Anália Torres.

O trabalho de análise dos dados do European Social Survey "Perspectivas Igualitárias sobre Família na Europa: Evolução em Contexto de Crise" teve a colaboração de Bernardo Coelho e Diana Carvalho do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES).