24.4.07

Modernizar o Direito do Trabalho (IV)

Glória Rebelo, in Jornal de Negócios

Concluo esta abordagem ao tema da "Modernização do Direito do Trabalho" considerando dois grandes desafios específicos nacionais: transformar o trabalho num factor de imunidade contra a pobreza; e assegurar a sustentabilidade financeira do regime público de Segurança Social.

Em Portugal – e uma vez que continua a ser o país da União Europeia (UE) com maiores níveis de desigualdade e de pobreza – um desígnio importante é o de voltar a conferir dignidade social ao trabalho.

Um relatório apresentado pela Comissão Europeia, em Fevereiro último (com dados relativos aos 27 Estados-membros, mas a 2004), chama a atenção para o facto de um em cada seis europeus (ou seja, 16% da população) viver "abaixo do limiar da pobreza". De acordo com este estudo, 20% dos portugueses vivia nesta situação, o que coloca o nosso país numa das piores posições entre os Estados-membros da UE, apenas atrás da Polónia e da Lituânia, que registavam 21% de pobres.

Acresce que Portugal apresenta ainda o pior resultado da União num outro importante indicador: o dos trabalhadores pobres. De facto, em 2004, 14% dos portugueses com um emprego vivia abaixo do limiar de pobreza (contra os 8% da média europeia). Por contraste, na República Checa, cujo PIB é muito próximo do português, apenas 3% dos trabalhadores era pobre. Importa ainda realçar que o risco de pobreza aumenta quando os indivíduos e as famílias são confrontados com situações cíclicas de desemprego, sobretudo de desemprego de longa duração e não subsidiado. Além disso, em Portugal – onde a desigualdade na distribuição dos rendimentos é das mais elevadas da UE, com um rácio de 8,2 –, a situação é particularmente gravosa na medida em que, pertencendo à Zona Euro, as famílias sofrem presentemente as repercussões inerentes ao aumento progressivo das taxas de juro imposto pelo Banco Central Europeu.

Ora, porque o problema do aumento da desigualdade social e da pobreza é particularmente dramático no nosso país, urge conceber e implementar políticas sociais – passando também pela revisão do Código do Trabalho – que, facultando respostas a um desenvolvimento económico sustentável, permitam reduzir este flagelo.

Convém, designadamente, que ao nível de um hipotético alargamento do leque de formas de contratação, seja assegurada, em qualquer que seja a modalidade de contratação, o princípio da suficiência da remuneração – princípio tributário da justiça retributiva – de forma a garantir uma existência condigna aos trabalhadores e suas famílias. Depois, convirá ao nível da dinamização das regras relativas à retribuição do trabalho garantir, na linha do já disposto no artigo 266º do Código do Trabalho, mínimos de subsistência familiar que tenham em conta as "necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida e a evolução da produtividade".

Outro grande desafio que se coloca em Portugal ao nível do mercado de trabalho, e que não ser ignorado pelo legislador nesta revisão do Código, é o de responder à sustentabilidade, a médio prazo, do sistema público de Segurança Social.

Este sistema encontra-se fortemente afectado pelo acentuado envelhecimento, pela diminuição tendencial da população activa, pelo desemprego e pelo engrossar das fileiras de pensionistas e vê, progressivamente, crescer a sua despesa pública e, a contrario, diminuir a sua receita. Segundo dados do Eurostat divulgados em 2005, em Portugal, entre 1994 e 2002, a despesa em protecção social, em particular em função da velhice, mais do que duplicou. A este ritmo – e considerando a tendencial quebra de receitas que advém de um incremento na utilização de formas de contratação não permanente (desde os estágios, passando pelos contratos de trabalho provisórios até aos contratos de prestações de serviços) – a situação financeira do sistema público da Segurança Social português poderá ficar, irremediavelmente, comprometida.

Neste aspecto particular torna-se premente que, na revisão do Código do Trabalho, se promova a estabilidade dos percursos profissionais e se inclua um conjunto de disposições especificamente dirigidas à problemática do envelhecimento activo.

Além do mais, e perante os actuais desafios sociais a que os cidadãos europeus estão sujeitos, importa que, em nome do bem-estar individual e colectivo – e não esquecendo a "lição" das recentes legislativas suecas –, se reforce uma "cultura do trabalho", em detrimento de uma "cultura de inactividade socialmente assistida".