22.4.07

A paróquia rebelde de Madrid

Nuno Ribeiro, Madrid, Jornal Público

A hierarquia acusa-os de celebrar sem hóstias. São três padres que socorrem doentes e apoiam pobres

Fim da tarde de quarta-feira, 18 de Abril. Nos canteiros que rodeiam a igreja de San Carlos Borromeo, no bairro de Entrevias de Vallecas, concentra-se gente. Pessoas de meia-idade, outros idosos recebidos com afecto. "Luísa, estás cada vez mais linda", diz um homem a uma velha, curvada sobre a sua bengala. Ela ri e responde: "Guapo!" Mais tarde, aparecem alguns jovens. Pouco depois começa a assembleia da paróquia rebelde, que desafia as ordens de fecho do arcebispado de Madrid.

"O mais importante é ajudar os pobres." A frase é de Mari Carmen, conjunto de saia e casaco, acompanhada pelas duas filhas, que acaba de estacionar o Opel Vectra em cima do passeio. "Há gente que não vinha há 15 anos que agora aparece, foi o que conseguiu o bispo", diz ao PÚBLICO Sara, porta-voz da resistência. O bispo é monsenhor António Rouco Varela, um dos prelados mais conservadores de Espanha, que há um mês ordenou: a paróquia fecha, o centro social fica entregue à Cáritas e os três padres continuam a gestão da obra social.

"Não é o mesmo que fazíamos, implica uma atitude sócio-caritativa, assistencial e paternalista, diferente da concepção do Evangelho", garante o padre Enrique de Castro. "Dizem que fazemos muito bem o social, mas não a liturgia nem a catequese", prossegue o sacerdote. E desabafa: "Que está muito bem o social, mas não reconhecem a nossa fé." Castro, 64 anos, na paróquia desde 1981, contrapõe: "Jesus disse sempre nos seus gestos libertadores que a tua fé te curará, não a minha."

Daí o braço-de-erro. "A Igreja católica ficou para trás, conservadora, não lhe convém o Concílio Vaticano II, o povo mais perto da Igreja", refere Sara. Tem 59 anos, a conversa corre no entendimento fácil e cúmplice do português e do galego.
Sara é alegre e lutadora. Pioneira das Mães contra a Droga, não quer falar de casos pessoais. A heroína levou-lhe um filho. Na paróquia encontrou apoio e solidariedade. "Não sei como isto vai acabar, mas daqui não saímos", diz com firmeza. Depois, com um sorriso: "Se calhar os bispos vão-nos tornar "okupas" [ocupação de casas abandonadas]." Na parede da igreja está, num papel branco, um poema de León Felipe. Com uma estrofe significativa: "De aqui no se va nadie. Nadie/ Ni el místico ni el suicida." A consagração de uma vontade.

Às 19h30 começa a assembleia. No interior do templo sem altar, sacerdotes e paroquianos estão ao mesmo nível. Também não há confessionário. Aqui não há culpa. Nem pecados. Mas reina a expectativa. Afinal, as novidades são poucas. Tão pouco o arcebispado faz comentários. Mas há uma abissal diferença dos dias conturbados da Páscoa: os apoios não cessam de chegar.

Ao lado esquerdo do grande e rústico crucifixo, estão os testemunhos. Telegramas, cartas e mensagens via Internet. "Hasta la victoria siempre", assina Júlio Atineza. "Un saludo fraterno" de Ângel Ramos, e "besos" de Jaime, Pat e Chess. Em recortes de jornais está a repercussão mediática do fecho decretado pelos bispos. A prova de que não há solidão.

"Vivemos os Evangelhos"

Mais à esquerda lá está a resposta irónica às acusações de politização. É um conjunto de cartazes. No topo, um pergunta: "San Carlos Borromeo, Iglesia roja?" A frase está num rectângulo, onde está a figura clássica de uma igreja a vermelho. Em cinco cartazes, cinco respostas coloridas. As igrejas a amarelo, laranja, azul, verde e castanho. Se quisermos, a tradução gráfica da frase de Jesus na parede exterior: "A minha casa será casa de oração para todos os povos."

Não é retórica. Três vezes por semana, emigrantes em busca de emprego recorrem aos serviços de inserção laboral da paróquia. Na quarta-feira lá estava uma brasileira, dois venezuelanos e uma mulher marroquina. Outros, de fora e espanhóis, procuram os advogados ou psicólogos.

"Aqui não há apenas religião, o que importa são as pessoas", diz um paroquiano. É então que Sara não contém a revolta. "Aqui há rapazes em casa dos padres, na do novo [Javi Baez] morreram 32 com sida e andam os bispos para aí a dizer que não acompanham os doentes." São palavras de indignação. "Criticam-nos porque na missa há pão em vez de hóstias e os padres estão sem paramentos e vestem jeans, como se isso fosse importante. Queriam que fossem em cuecas?" Depois, mais calma, com um sorriso meio resignado, proclama: "Somos bem-aventurados porque vivemos os Evangelhos."