25.4.07

Peritos exigem que violência doméstica não precise de ser reiterada para ser crime

Sofia Branco, in Jornal Público

Governo não exclui modificar caracterização do ilícito penal, desde que fique claro que não é necessário que a acção criminosa seja continuada

A proposta de revisão do Código Penal autonomiza o crime de violência, mas impõe que este tenha um carácter intenso ou reiterado. Ontem, na audição pública promovida pelo Parlamento, foram várias as vozes discordantes que exigiram a revogação do pressuposto, na discussão em sede de especialidade da reforma penal.

A presidente da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas, Teresa Féria, criticou a referência à intensidade do crime, por assumir que "um mau trato pode ser suave, meigo ou por gentileza" e sublinhou que a exigência de reiteração representaria "um retrocesso jurídico e civilizacional". A jurista defendeu ainda a criação de tribunais de competência mista em matéria criminal e de direito da família e a realização de estudos sobre os "preconceitos sexistas" existentes nos tribunais.

A perita das Nações Unidas Catarina Albuquerque sublinharia a necessidade de uma lei "clara e inequívoca", já que "a mentalidade prevalecente em Portugal e na magistratura" ainda tende a desvalorizar a violência contra mulheres e crianças.
Presente na sessão, na qualidade de orador, o próprio coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, Rui Pereira, afirmou ao PÚBLICO: "Não me repugna que se retire a referência à intensidade, desde que se mantenha que a violência doméstica, para ser crime, pode ser reiterada ou não".

No mesmo sentido acabaria por ir a intervenção do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que fechou a audição organizada pelo grupo de trabalho para a campanha de combate à violência doméstica. Sublinhando que "alguma jurisprudência mais conservadora" tem exigido a reiteração para qualificar o crime de violência doméstica, Jorge Lacão vincou: "A reiteração não é um elemento essencial da ponderação do crime e é possível, e até desejável, rever o conceito de intensidade".

O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, defendeu uma "efectiva e célere articulação" entre instituições, afirmando que cabe ao Ministério Público "contribuir de uma forma decisiva para a efectiva adequação da legislação à prática", nomeadamente concedendo "prioridade à tramitação dos processos por crime".
O painel da tarde debateu os custos da violência doméstica - económicos, sociais, familiares e pessoais. O sociólogo Manuel Lisboa, que tem coordenado os estudos sobre violência doméstica em Portugal, sublinhou que a violência doméstica tem consequências no mercado de trabalho: para as vítimas, é 69 por cento mais difícil arranjar emprego e o risco de (auto)despedimento aumenta em 107 por cento. Os filhos das vítimas têm mais problemas de saúde e maior insucesso escolar, o que o levou a dizer que o problema "está a hipotecar gerações futuras".

11.638
ocorrências de violência doméstica registadas em 2006 pela PSP, o que representa um aumento de 1822 casos face a 2005.

161
detenções por crimes de violência doméstica. Entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2006, verificaram-se 826 detenções.

34
casas-abrigo existentes em doze distritos, proporcionando 800 vagas.