26.12.07

"Algo com que sonhavam os nossos pais e avós"

Maria João Guimarães, fronteira da Alemanha com a Polónia, in Jornal Público

O alargamento derruba barreiras entre capitais mais distantes como Lisboa e Talin (4 mil quilómetros) ou próximas, Viena e Bratislava (40 quilómetros)


Um dia histórico, um grande dia, um dia, enfim, até mesmo feliz. As cerimónias do alargamento do espaço Schengen a mais nove países mereceram palavras de apreço e sorrisos dos líderes europeus mesmo com os dez graus negativos que estavam ao ar livre, nos postos fronteiriços onde decorreram as comemorações de ontem.

Primeiro na fronteira entre a Alemanha e a Polónia, um pouco depois na fronteira entre a Polónia e a República Checa, e já bastante mais tarde em Talin, Estónia, o presidente em exercício do Conselho da UE, José Sócrates, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pottering, andaram ontem numa maratona de cerimónias que continua durante o dia de hoje na Eslováquia e Eslovénia.

O dia gelado, mas límpido, começou em Zittau, Alemanha. A chanceler alemã, Angela Merkel, falou de uma "grande alegria" com esta "normalidade europeia", especialmente para os mais velhos - "algo com que sonhavam os nossos pais e avós". Merkel nasceu na então Alemanha de Leste, e este alargamento de Schengen engloba sobretudo antigos países comunistas (todos excepto Malta).

José Sócrates também puxou do baú de memórias a "primeira vez que os portugueses se sentiram europeus", quando se abriu a fronteira com Espanha. O primeiro-ministro português não deixou ainda de referir um "duplo orgulho" por a cerimónia de ontem, e o alargamento de Shengen ainda este ano, só ter sido possível por iniciativa de um ministro português, António Costa, e graças a um sistema concebido por uma empresa portuguesa. Terminando o discurso que fez em inglês, Sócrates mudou para o português para deixar um sonoro: "Viva a Europa!"

Na fronteira entre a Polónia e a República Checa, dois gigantes semáforos apenas com luzes verdes erguiam-se à entrada do posto de controlo. No seu discurso, Durão Barroso escolheu sublinhar a importância da livre circulação para os cidadãos da Europa. "Não é só uma construção para políticos e diplomatas", declarou. "É importante sobretudo para os cidadãos."

O espaço Schengen engloba agora das capitais mais distantes às mais próximas da Europa - dos 4000 quilómetros entre Lisboa e Talin aos 40 quilómetros entre Viena e Bratislava.

Os que ficam de fora

No caso de comunidades vizinhas como as antigas localidades divididas ao longo da fronteira da Alemanha e da Polónia, a alteração das regras de circulação vem, no fundo, confirmar a livre circulação de que as populações já gozavam, embora com a obrigação de mostrar passaporte. A diferença poderá afectar mais quem vem de fora para a UE - e são os que ficam do "outro lado" da nova fronteira europeia que já temem dificuldades.

Começou a notar-se, por exemplo, com os cidadãos da Bielorrússia, que correram para comprar os últimos vistos a seis euros para a Lituânia e agora terão de pagar 60 euros por um visto para todo o espaço Schengen. Também descontentes estão os estónios de origem russa - com a "deslocação" da fronteira, pessoas com familiares na Rússia têm receio de vir a ter dificultada uma circulação que até agora era simples. Outro caso é a minoria húngara da Roménia, que até à abertura do país, ainda sem data prevista, ficará mais isolada.

"A zona UE e Schengen são como uma fortaleza, e a UE é um pouco esquisita em relação a quem terá os "exclusivos" vistos Schengen", afirmou, citado pela BBC on-line, Miodrag Shresta, de um grupo que lida com questões de vistos e refugiados na Sérvia, Group 484.

Ainda assim, uma das principais questões levantadas, especialmente na Alemanha e na Áustria, tem a ver com a segurança - na Alemanha houve mesmo protestos de polícias. Sócrates garantiu que a primeira prioridade é a segurança. "Temos a maior confiança nos novos Estados-membros".