26.12.07

Despedimentos por inadaptação ao posto de trabalho vão ser mais fáceis

João Manuel Rocha, in Jornal Público

Recomendações são menos radicais do que as avançadas em Junho. Patrões falam em retrocesso, sindicatos querem descobrir "minas e armadilhas" do documento


A proposta de simplificação das regras do despedimento individual é uma das principais novidades do Livro Branco das Relações Laborais, o documento com sugestões de alteração ao Código do Trabalho ontem apresentado em Lisboa. Uma das áreas em que o despedimento poderá ser mais fácil é nos casos de inadaptação ao posto de trabalho.

A comissão entende que "o alongamento dos processos" de despedimento individual, "decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para ambas as partes".

O objectivo, disse Pedro Furtado Martins, um dos membros da equipa que elaborou o livro com propostas ao Governo para mudar as leis do trabalho, é "simplificar a carga processual sem pôr em causa a segurança no emprego". O empregador é obrigado a provar a justa causa do despedimento, quando haja contestação pelo trabalhador, e "ninguém pode ser despedido sem se defender do que o acusam", sublinhou.
Caso sejam seguidas as recomendações da Comissão, o despedimento por inadaptação ao posto de trabalho passa a poder depender de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho", mesmo que tal "não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos".

Outra das áreas em que a comissão presidida por Monteiro Fernandes defende que haja alterações na lei é sobre o "despedimento ilícito". "Só o despedimento sem justa causa deve ser inválido e pode conduzir à reintegração do trabalhador", disse Furtado Martins, que expressou o entendimento de que nos casos de despedimentos cuja ilegalidade resulte de "vícios de forma" não deve haver fundamento para impor a reintegração do trabalhador.

O Livro Branco das Relações Laborais, um documento de 139 páginas, avança com propostas em áreas como a organização do tempo de trabalho e a alteração da duração dos contratos a prazo - de um máximo de seis anos para um máximo de três anos -, mas a versão final, que o Governo vai usar na discussão com os parceiros sociais e partidos parlamentares, é bastante menos radical do que as primeiras propostas apresentadas no "relatório de progresso" dos trabalhos da comissão, em Junho deste ano.

Recuo na redução salarial

Fora da versão final do documento ficaram sugestões como a possibilidade de redução salarial em caso de "necessidades prementes" da empresa ou a alusão ao carácter obsoleto das diuturnidades. "A controvérsia sobre a flexi-segurança acabou por inibir o sentido de inovação", admitiu Cavaleiro Brandão, que apresentou as conclusões do Livro sobre organização do tempo de trabalho e férias. "Portugal é o país com maior regularidade e estabilidade de horários, só superado por Chipre", disse sobre estas matérias.

Outra das alterações propostas prevê que os contratos individuais só possam ser diferentes da lei geral e das convenções colectivas quando isso se traduzir em benefício para o trabalhador.

Sindicatos reservados

As confederações sindicais, que só ontem à tarde receberam o Livro Branco, reservam comentários fundamentados para mais tarde, mas as primeiras reacções foram críticas.
"O relatório de progresso era fortemente negativo. Vamos ler também este Livro Branco na perspectiva de [descobrir] minas e armadilhas", disse o secretário-geral da UGT, João Proença. "Nada tem que ver com as propostas que o Partido Socialista apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho há quatro anos", acrescentou o também militante socialista.

Carvalho da Silva, líder da CGTP, apelou aos trabalhadores "para que estejam atentos" e sublinhou que o diálogo a fazer na sociedade portuguesa "não é sobre este documento, é sobre a proposta que o Governo há-de apresentar".

Patronato contesta

As primeiras reacções do campo patronal dão conta de alguma desilusão com o documento ontem apresentado.

"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse à Lusa o vice-presidente da Confederação do Comércio (CCP), José Vieira Lopes. O relatório é "pouco atrevido", referiu José Carlos Pinto Coelho, presidente da Confederação do Turismo, à TVI.

O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, manifestou concordância com a "orientação geral" das propostas da comissão, que encara como um "instrumento de apoio à decisão" de rever o Código do Trabalho, e apelou à participação dos parceiros sociais na discussão.

O Governo já disse que pretende fazer chegar à Assembleia da República as propostas de alteração às leis laborais até ao final do primeiro trimestre do próximo ano.

CCP
"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse o vice-presidente da CCP, José Vieira Lopes. Segundo o responsável da CCP, questões essenciais como revisão das convenções colectivas, período experimental, contratos a termo, mobilidade funcional ou cessação do contrato de trabalho "ou não são contempladas ou não são apresentadas alternativas válidas". "Não abrindo caminho com propostas concretas para um debate profundo, a CCP irá avançar de novo com as propostas já produzidas", concluiu Vieira Lopes.

UGT
O secretário-geral da UGT afirmou que o Livro Branco "nada tem a ver" com as propostas que o PS apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho em 2003. João Proença ressalvou que ainda não tinha tido tempo para ler as propostas. Mas garantiu que a UGT vai ler o Livro Branco no seguimento do que foi o relatório de progresso da comissão, apresentado em Maio, e que foi um documento "fortemente negativo".

CGTP
O secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, salientou que as propostas apresentadas pela comissão do Livro Branco "não são lei". "Estas propostas não são lei, há que esperar pelas propostas legislativas", afirmou após a sessão de apresentação. O líder da CGTP disse ainda aos jornalistas não ter condições para dar uma opinião sustentada sobre o documento, tendo em conta que só hoje [ontem] teve acesso ao Livro Branco. Lusa

As propostas da Comissão

Vai ser mais fácil despedir?
Propõe-se simplificar os procedimentos do despedimento individual por se considerar que o arrastar dos processos, decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para as partes. O empregador é, em todo o caso, obrigado a provar a justa causa e "ninguém pode ser despedido sem se defender".

Quando é que há despedimento por inadaptação?
Admite-se que a inadaptação não esteja necessariamente associada a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e possa decorrer de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho". Mas com o objectivo de evitar abusos deve manter-se a "comprovação objectiva da situação de inadaptação" e mantém-se a obrigação de o empregador oferecer alternativas de ocupação antes de poder dar a relação de trabalho por "insubsistente".

Quem avalia a inadaptação?
É possível a verificação da falta de capacidade profissional por peritos. No caso de trabalhadores com cargos técnicos ou de direcção propõe-se que o despedimento por inadaptação não precise que se verifiquem três condições necessárias para afastar outros trabalhadores: existência de mudanças no processo de produção nos seis meses anteriores; acções de formação adequada às modificações introduzidas; e período de adaptação não inferior a 30 dias nos casos em que haja riscos para a segurança.

O que acontece no despedimento por "culpa" do trabalhador?
Mantém-se a exigência de acusação escrita e de comunicação da intenção de despedir, bem como do direito do trabalhador a consultar o processo e responder à nota de culpa. A instrução deixa, no entanto, de ser obrigatória, excepto no caso de o despedimento respeitar a trabalhadoras protegidas por motivos de maternidade.

O que substitui a instrução?
É consagrado um período de reflexão para a decisão e mantém-se a possibilidade de emissão de parecer pela Comissão de Trabalhadores. Actualmente o trabalhador tem 5 dias para pedir a suspensão do despedimento, após o que se segue a impugnação. Agora, propõe-se que, para aligeirar o processo, a suspensão preventiva do despedimento possa ser feita no prazo de 15 dias, podendo o trabalhador impugnar em simultâneo. Caso não o faça, o prazo para impugnar é de 60 dias.

Despedimento colectivo muda?
São afastados mecanismos de "autorização administrativa", mas considera-se necessário distinguir entre despedimentos decorrentes de encerramento total de grandes empresas e despedimentos para redução de pessoal.

O que é o despedimento ilícito?
O despedimento só é ilícito quando não há justa causa, ou seja, quando não há motivos para o despedimento ou ele é baseado em razões políticas ou ideológicas. Quando o despedimento foi ilegal "por faltas ou deficiências processuais", o trabalhador tem direito a ser reintegrado, mas se se comprovar que, apesar disso, há justa causa, o funcionário já não tem direito a voltar ao trabalho apesar de poder ser indemnizado. Quando haja excessiva demora da acção judicial prevê-se que, tal como em Espanha, os custos, nomeadamente salariais, possam ser suportados pelo Estado.

Há alterações na organização do tempo de trabalho?
Mantém-se a regra de o período normal de trabalho diário poder ser aumentado até um máximo de duas horas, desde que a duração semanal não ultrapasse as 50 horas. Contudo, o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior continua a não contar para este limite. Nas semanas em que a duração de trabalho seja inferior a 40 horas, a redução diária não pode, tal como agora, ser superior a duas horas, mas as partes podem acordar na redução da semana de trabalho em dias ou meios-dias, mantendo o direito ao subsídio de refeição.

Como se define o tempo
de trabalho?
O acordo poder ser obtido com a aceitação de pelo menos um terço dos trabalhadores a quem foi proposto (por exemplo a uma secção). Se for aceite por, pelo menos, três quartos dos visados, considera-se aplicável ao conjunto. Trabalhadores menores, deficientes, grávidas, mães recentes ou lactantes que não tenham aceite o acordo são dispensados da sua aplicação.

O trabalho suplementar
pode não ser pago?
A Comissão ponderou a hipótese de dar preferência a um "regime de descanso" em detrimento de remuneração reforçada estabelecida na lei e na contratação colectiva e admitiu também a possibilidade de criação de "bancos de horas" que o trabalhador receberia em tempo de descanso.

O tempo para os contratos a prazo muda?
A Comissão propõe que o contrato a prazo, que actualmente pode ser de três anos, renovável até um máximo de seis, passaria a não poder prolongar-se por mais de três anos.

Há mudanças nas férias?
Comissão não chegou a consenso.