27.12.07

Portugal termina presidência europeia com ventos de feição

in Jornal Público

A maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios


Portugal tem por hábito salientar o Tratado de Lisboa e as cimeiras com África e o Brasil como os grandes sucessos da sua terceira presidência da UE, mas foram outros feitos menos espectaculares que fizeram o essencial da sua reputação durante este semestre.

Mesmo se ninguém retira qualquer mérito à presidência a propósito da conclusão do Tratado de Lisboa, a verdade é que a sua aprovação já estava programada para a segunda metade deste ano, fosse qual fosse o país a presidir à UE. Isso foi o que a França, Alemanha e Reino Unido impuseram aos parceiros, decididos a aproveitar uma "janela de oportunidade" aberta no fim do primeiro semestre, com lideranças fortes nos três países e sem actos eleitorais no horizonte, para fechar de vez a saga constitucional.

Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha que presidiu à UE na primeira metade do ano, tratou, aliás, de negociar linha a linha as disposições da malograda Constituição que deveriam ser transferidas para o novo tratado. De tal forma que Portugal, que lhe sucedeu a 1 de Julho, não teve que fazer mais, praticamente, do que traduzir os termos do acordo político para a linguagem jurídica.

O sucesso deste processo teve o efeito de proporcionar "um vento favorável", segundo a expressão de um diplomata europeu de alto nível, que permitiu à presidência fazer avançar os seus "temas de estimação". Sobretudo as cimeiras com o Brasil, em Julho, e África, em Dezembro, em que a recusa do primeiro-ministro britânico de participar numa reunião com o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deixou, ao fim de quatro anos, de constituir um obstáculo.

Embora seja certo que o ciclo virtuoso de optimismo aberto pela conclusão do tratado influenciou muito favoravelmente todo o trabalho, a maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios sectoriais, a par dos técnicos e diplomatas que acompanharam o semestre em Bruxelas.

Três ministros e respectivas equipas, sobretudo, sobressaíram. Fernando Teixeira dos Santos, das Finanças, conseguiu um muito pouco esperado acordo unânime dos Vinte e Sete sobre a cobrança do IVA para os serviços electrónicos ou de radiodifusão no país de consumo, graças a uma mistura de profundo conhecimento do tema, intenso trabalho de consulta e escuta, e habilidade negocial.

Estas mesmas aptidões permitiram a Jaime Silva, da Agricultura e Pescas, fechar um acordo sobre a reforma da organização de mercado do vinho nos últimos dias da presidência.

Negócios Estrangeiros

Com um estilo diferente, mas a mesma capacidade de escuta e preocupação de acomodar as sensibilidades em jogo, Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, deixou a sua marca em diferentes processos, do tratado ao Kosovo, passando pelo processo de adesão da Turquia.

Já Vieira da Silva, ministro do Trabalho, deu provas do mesmo tipo de habilidade nas negociações sobre a definição do tempo de trabalho máximo anual e as condições dos trabalhadores temporários, mas teve de abandonar a corrida na recta final. Apesar de ter conseguido reunir as condições para a aprovação dos dois textos, foi obrigado a abandonar o processo no último minuto por ordem de José Sócrates, que se encontrava sob a ameaça do seu homólogo britânico, Gordon Brown, de não se deslocar a Lisboa para assinar o Tratado.

Por seu lado, Mário Lino, dos Transportes, fechou o acordo sobre o sistema Galileo de radionavegação por satélite quase sem dar por isso. Depois de resolvido o financiamento, o ministro tinha a seu cargo a questão não menos importante da definição do plano industrial do Galileo. Numa jogada de legitimidade duvidosa à luz das regras de decisão da UE e que assustou vários países, isolou a recalcitrante Espanha. O que acabou por convencer Madrid a mudar de posição, garantindo à presidência um sucesso significativo.

Finalmente, um dos sucessos mais mediatizados da presidência, resolvido ainda antes do seu início - a integração dos novos Estados-membros no sistema Schengen de livre circulação de pessoas - ficou a dever-se sobretudo ao ex-ministro da Administração Interna António Costa.