16.12.07

Mais de 120 mil alunos chumbaram no ensino básico em 2006

Isabel Leiria, in Jornal Público

Problemas sentem-se logo no 2.º ano da escola com milhares a reprovar. Secretário de Estado lembra que os países onde não há insucesso são os que têm melhores resultados


São os dados mais recentes sobre a percentagem de alunos que chumbam no ensino básico e confirmam a tendência dos últimos anos. As taxas de insucesso têm vindo a diminuir, mas a um ritmo muito lento. Desde 1995/1996 até 2005/2006, desceram menos de cinco pontos percentuais. Nesse ano lectivo, um em cada dez estudantes não passou, ou seja, mais de 120 mil no total, indicam os números apurados pelo Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação.

Outro dado recentemente revelado pelo último relatório internacional sobre educação (o PISA - Programme for International Students Assessment, da OCDE) mostra que a situação em Portugal só tem paralelo com mais dois países desta organização: Espanha, que apresenta taxas de retenção mais altas (entre os alunos de 15 anos) e o Luxemburgo, com uma situação mais favorável.

De resto, praticamente metade dos 30 Estados-membros da OCDE têm percentagens de chumbos inferiores a dois por cento, mostrando que nestes países este é um mecanismo de controlo da avaliação utilizado apenas em casos extremos, mesmo entre os que têm melhores resultados escolares. A média ronda os três por cento.

Taxas e repetência


"É um facto real que os países que não têm repetência, ou que têm taxas baixas, apresentam também melhores resultados escolares medidos em termos de aprendizagem. Em todos os estudos internacionais se verifica esta correlação alta entre o peso da repetência na amostra e os desempenhos", comenta o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos.

E está por provar que, em Portugal, os chumbos sejam uma medida eficaz, reforça. "O sistema de retenção foi instituído há muitos anos como o principal sistema de recuperação dos alunos. O que é extraordinário é que tem recuperado muito poucos jovens. Mas continuamos a acreditar nisso." Mais grave, continua, é que "os estudos também dizem que quem repete um ano tem uma maior probabilidade de o repetir outra vez - quem abandona o sistema tem um peso enormíssimo de repetência".

Se o sistema falha, pergunta-se então por que razão não se avança para modelos alternativos. E aí, Valter Lemos argumenta com o peso da tradição e das expectativas. "Enquanto houver a ideia generalizada de que a repetência é o único sistema de recuperação dos alunos, não serve de nada tentar mudar a situação de forma administrativa. Isso não ia levar à interiorização do problema, mas ao contrário. A reacção iria ser: "Lá estão eles a facilitar"", justifica. "Temos de continuar a reforçar os sistemas de apoio e de recuperação e percursos alternativos, de forma a fazer baixar as taxas de retenção [ver texto nestas páginas]."

Os mais complicados

Voltando aos dados do insucesso, verifica-se que os problemas surgem logo no início da escola. Se no 1.º ano a taxa de retenção é de zero por cento, pela simples razão de que a lei não permite chumbar, no ano imediato acontece o primeiro tropeção. Ainda que a situação esteja melhor do que em 1996, ainda afecta quase 10 por cento dos alunos. Ou seja, em 2006, mais de 11 mil meninos registaram aos 7 anos o seu primeiro fracasso.

A evolução ao longo dos anos também mostra que é no 3.º ciclo, e em particular no 7.º e 9.º anos, que as taxas são mais altas, com um quinto dos alunos a não conseguir passar. Mas por razões distintas.

Em relação ao 7.º, os investigadores são unânimes em considerar que é o embate da transição de ciclo que se faz sentir de forma muito pronunciada (o número de chumbos duplica do 6.º para o 7.º ano).

"Temos o problema de ter provavelmente as mais duras transições de ciclo da maior parte dos países. De um ano para o outro, os alunos mudam de espaço físico, de número de professores, de organização de tempo de estudo. Estamos a pagar os efeitos de uma série de opções feitas ao longo de muitos anos, em que o sistema foi organizado em função dos professores e de outras razões e não dos alunos e da sua continuidade educativa", argumenta o secretário de Estado.

A revisão do currículo do ensino básico, nomeadamente ao nível do 3.º ciclo, é uma das medidas que estão a ser estudadas para atenuar o problema.

Já em relação ao 9.º ano, em que as taxas de insucesso estão actualmente acima do que acontecia há dez anos, a explicação será outra. A introdução de exames nacionais a Matemática e Português (e que valem 30 por cento na nota final da disciplina) em 2005 fez o número de chumbos voltar a subir consideravelmente: de 13 para 21 por cento.

Assim, em 2005/2006, foram mais de 23 mil os alunos que ficaram retidos no final da escolaridade obrigatória.

Reprovar é a "medida administrativa mais simples"
Se os chumbos fossem uma medida pedagógica, os alunos que não passassem deveriam ter no ano seguinte estratégias e professores especiais, mais tempo para a recuperação das aprendizagens. Mas o que acontece é que são integrados em turmas normais ou de repetentes, atribuídas aos docentes mais novos. Ou seja, afirma Joaquim Azevedo, director da Universidade Católica do Porto (UCP) e ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário de um dos Governos de Cavaco Silva, a reprovação acaba por ser apenas a "medida administrativa mais simples" perante as dificuldades reveladas. "Desresponsabiliza-se quem reprova e quem recebe os alunos trabalha com eles como se fossem estudantes iguais aos outros."

O problema do insucesso tem muito "a ver com uma cultura enraizada na escola portuguesa e na pedagogia e que é muito pouco flexível e muito pouca atenta à diversidade de alunos que estão na escola", critica Domingos Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FPCE) da Universidade de Lisboa e também ex-secretário de Estado no Governo de António Guterres. "O sistema não tem respondido adequadamente e tudo o que é diferente é cilindrado e excluído. Mas que país somos nós que reprovamos milhares de meninos de sete anos? Temos uma escola de elites a funcionar no tempo da escola de massas", lamenta Joaquim Azevedo.

Se o diagnóstico não é bom, ambos os investigadores apontam caminhos para mudar a situação. O que falta nas escolas é o acompanhamento permanente dos alunos e a definição de estratégias e mecanismos de "remediação imediata", para que a intervenção aconteça logo ao primeiro sinal de atraso, tal como é feito nos países que têm sistemas de progressão automática, defende o director da UCP. "Os professores deviam ter no seu horário uma hora semanal só para fazer o acompanhamento da turma e verificar se os alunos estão ou não a progredir."

Para o professor da FPCE, a "aposta fundamental tem de centrar-se no trabalho que é feito dentro da sala de aula." "Têm-se feito actividades muito interessantes de natureza social e cultural, mas há pouca concentração nas tarefas que devem ser desenvolvidas para que os alunos aprendam aquilo que não podem deixar de aprender."
Parte do problema, aponta Domingos Fernandes, reside na formação dos docentes, que está "completamente desfasada da realidade." "A maior parte das instituições forma para o aluno médio. Lá fora, como em Oxford, toda a formação é baseada nas escolas.

Os futuros professores trabalham logo nos estabelecimentos de ensino e são confrontados com os problemas que vão encontrar, de indisciplina, de diversidade."
O "fraco investimento social e familiar na educação dos filhos" e a limitada autonomia das escolas para encontrar soluções flexíveis são outros das explicações referidas por Joaquim Azevedo para o elevado insucesso escolar, referindo exemplos de estabelecimentos que têm boas iniciativas, mas que são "desautorizadas" pelos serviços do Ministério da Educação. "Muitas vezes é a direcção regional de Educação que não autoriza ou a inspecção-geral que diz que a solução não obedece à norma." I.L.

Joaquim Azevedo diz que não se responsabiliza quem chumba e lembra que os alunos não são iguais