4.8.10

Dezenas de ciganos vivem em acampamentos montados às portas da cidade de Bragança

Por: Bruno Mateus Filena, in Jornal Nordeste

“Arrumados como lixo”

No Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e Exclusão, a degradação humana reflecte-se na história de três acampamentos ciganos às portas da cidade de Bragança. São dezenas de crianças pertencentes a numerosas famílias sem as mínimas condições de higiene e conforto.

Ratos, cobras, insectos e lagartos patrulham os vários quartos, traçando a roupa e infestando o ambiente, já por si contaminado. Sem água quente, casas de banho e, no acampamento do Bairro das Touças, nem mesmo um contentor do lixo nas proximidades.
É neste refúgio desolador, que nasceu no local da extinta lixeira, perto do cruzamento de Donai, que Eduarda Clarice vive há 20 anos. “Esta terra está suja e a bicharada é demais. Por causa da antiga lixeira é que a terra por baixo está toda infectada. Há lagartos, cobras, ratos. Às vezes, estão os garotos a dormir e acordam com aquelas bichas. Isto aqui é enfermidade!”, afirma, revoltada, esta mãe de 9 filhos.

Com perto de uma centena de ciganos, o acampamento está povoado, na sua maioria, por crianças. “Temos aqui um rebanho de filhos e para a escola e para o ciclo sabe Deus como é que eles vão porque no Inverno não é nada fácil. Isto é uma vergonha! Para os lavar e vestir sem casa de banho, sem água quente… Luz temos, mas a habilidade é nossa”, revela.

De acordo com Eduarda Clarice, a sua família, entre outras, inscreveu-se no Prohabita, programa de financiamento para acesso à habitação, ao passo que, há 10 anos, a Câmara Municipal de Bragança (CMB) prometeu retirá-los daqueles terrenos baldios e proporcionar-lhes uma vida mais condigna.

Aliás, a autarquia tinha em curso um projecto para realojar 26 famílias do concelho, mas os ciganos asseguram nada ter sido feito. O Jornal Nordeste procurou, por isso, obter uma reacção da autarquia face às queixas das famílias que vivem em acampamentos, mas sem sucesso, apesar dos vários contactos efectuados até à hora de fecho desta edição.

“Há 10 anos que estamos à espera disso... Só promessas! Somos ciganos e estamos arrumados como o lixo. A Câmara sabe bem a situação em que estamos e nunca cá vi ninguém. Eu só vejo é os ciganos enroscados nos lagartos e nas cobras”, relembra, angustiada. “E no último ano já deram, uma vez 12, outra vez 6 e outra vez 3 casas nos bairros sociais da Câmara, mas aos ciganos nunca deram nenhuma”, garante Eduarda.

“Prometem e não cumprem.Isto é uma vergonha! Haviam de botar os olhos aqui no povo”

Desmotivados e sem qualquer anseio ou vontade de falar, “fartos de promessas” e de pessoas que aparecem “de visita”, “cheias de boas intenções”... Foi assim com o patriarca do acampamento cigano, que se negou a prestar declarações. “Pedem-nos para falar, mas depois saem daqui e vão ao presidente da Câmara e nunca sai nada. Foi assim com outros, muitos, que já passaram por aqui. Até de Lisboa, da SIC e da TVI”, disse, enquanto virava costas para desaparecer no amontoado “de barracos”.
Celeste do Nascimento vive no acampamento da Avenida Abade de Baçal, perto da Escola Primária do Campo Redondo, com a sua família, num total de 15 pessoas. Nas suas queixas, também aponta o dedo à CMB, sempre por incumprimento de promessas.
“Já estou aqui há 20 anos. Há 10 que a Câmara me prometeu uma roullote para dormir eu e o mais novo e ainda nada. Recebo 230 euros da Segurança Social, desde que fui operada, só para a tensão gasto 160 euros em medicamentos. Tenho vezes em que não dá para comer”, lamenta.

Esta matriarca do acampamento da Avenida tem a cozinha numa carrinha e o seu quarto, bem como todos os seus pertences. Estão naquilo que resta de uma roulotte, onde dorme com o seu filho.

Quer Eduarda, quer Celeste, estão dispostas a pagar uma renda simbólica por uma habitação. “Eu não me importava de pagar uma renda dentro das minhas posses, pagar a água, a luz e ter as minhas condições como têm os demais... Não é aqui no barraco que nem a gente dorme com o medo às cobras e aos bichos. Vai a gente a vestir a roupa e está toda roída dos ratos. Isto aqui é uma miséria!”, protesta Eduarda. Apesar de receber 500 euros da Segurança Social, assevera não ser suficiente: “Que é isso? Tenho 9 filhos e nós aqui compramos tudo, do sal à água”, defende, com palavras que encontram eco nos habitantes do acampamento do Bairro dos Formarigos, bem perto da escola do 1.º ciclo…