31.8.10

Número de denúncias de abuso sexual de menores triplicou desde 2002

Por Maria João Lopes, in Jornal Público

Os inquéritos relacionados com abusos sexuais de menores investigados pela PJ triplicaram desde 2002, quando rebentou o caso Casa Pia. Além da PJ, outras instituições criaram novas respostas para o problema


O número de inquéritos relacionados com abusos sexuais de menores, com menos de 14 anos, investigados pela Polícia Judiciária (PJ) triplicou entre 2002 e 2009. Se no ano em que rebentou o caso Casa Pia havia 447 casos, no ano passado foram 1216. "O escândalo teve um impacte muito grande na nossa sociedade e, depois da Casa Pia, tivemos um boom de casos", diz a inspectora Paula Videira.

Também antes do caso, "não havia na PJ um serviço de prevenção de crimes sexuais": "Foi instituído em 2004, para haver mais rapidez na resposta. Este serviço inclui o abuso sexual de menores", explica Paula Videira, acrescentando que, antes, era ao piquete que cabia essa missão. "Não havia um sistema autónomo e é muito melhor ser um grupo especializado em crimes sexuais", defende.

Ainda por causa do caso Casa Pia foi alterada, na directoria de Lisboa, uma sala destinada a crianças vítimas de abusos sexuais. A sala já existia pelo menos desde início de 2002, mas foi reestruturada, em 2005, também com o objectivo de imprimir mais rapidez na resposta às inúmeras situações que começaram a chegar às mãos dos inspectores.

Resposta em tempo útil

A sala foi pintada de verde alface e de cor-de-laranja e apetrechada com televisão, computador, brinquedos, pufs, uma mesa e um quadro para os mais pequenos pintarem. "O factor para mudar a sala foi o caso Casa Pia. Era a hora para mudar, para criar outro ambiente que deixasse a criança mais à vontade, mais confiante para falar, para revelar. Como tivemos mais denúncias, precisávamos de dar resposta em tempo útil. A sala serve para desbloquear o discurso [da criança], criar uma relação de empatia e confiança", explica, ressalvando que as crianças são formalmente inquiridas nas salas dos inspectores e que, no futuro, a PJ pretende "criar salas específicas" para realizar as inquirições. Também no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa existe uma sala criada para receber crianças vítimas de abusos sexuais (ver caixa).

Apesar de reconhecer que "houve uma grande evolução" nos últimos tempos, a inspectora considera que "há sempre" aspectos a melhorar: um deles é haver "mais articulação" entre as instituições. Para Paula Videira, a PJ deve estar sobretudo concentrada no crime - e o apoio psicológico e social de que as vítimas necessitam não só ultrapassa essas competências como pode atrapalhar a investigação: "Também somos pessoas... Devia haver um sistema de apoio automático, extra PJ, que fizesse o acompanhamento psicológico, por exemplo", defende.

À espera do desfecho

Também a criação da Associação Portuguesa para o Estudo e Prevenção dos Abusos Sexuais de Crianças (APPEPASC), em Julho de 2006, não foi alheia ao caso que pôs a pedofilia nas manchetes dos jornais: "Embora já tivéssemos iniciado trabalho na área dos abusos sexuais de crianças antes do caso Casa Pia, o facto é que este caso ajudou a que este grupo de pessoas assumisse uma posição mais activa através da criação e desenvolvimento da APPEPASC", diz, por e-mail, a presidente da direcção, Susana G.S. Maria.

A dirigente considera que o caso "teve o "mérito" de quebrar o silêncio sobre o tema", o que fez com que, "nalguns casos, se avançasse com a denúncia de uma forma nunca antes pensada". Porém, teme que se tenha "criado a ideia errada" de que apenas nos contextos Casa Pia é que acontecem abusos sexuais: "Na realidade a maioria dos abusos são cometidos em casa das próprias crianças, muitas vezes pelos próprios familiares", alerta.

Porém, para Susana G.S. Maria, o processo judicial "moroso" não ajuda a que outras vítimas avancem com mais denúncias. Por isso, defende que "o desfecho do caso Casa Pia terá um impacto importantíssimo na história dos abusos sexuais de crianças em Portugal".

Esta associação sem fins lucrativos de direito privado surgiu da "necessidade" encontrada por parte de um grupo de académicos da área da Psicologia Comunitária do ISPA - Instituto Universitário e de outros profissionais, de serem desenvolvidos, em Portugal, à semelhança do que se passa noutros países, programas, estudos, projectos e estratégias que visem a prevenção primária dos abusos sexuais de crianças.