16.8.10

'Muro da vergonha' vai ter novas portas

por Luís Maneta, in Diário de Notícias

Câmara não vai demolir muro que isola comunidade cigana e diz que vai abrir portas para acabar com "paredão"

O chamado "muro da vergonha", que isola a comunidade cigana residente no Bairro da Pedreira, em Beja, não vai ser demolido mas irá sofrer obras para "deixar de ter o aspecto de parede que esconde um gueto", anunciou a autarquia local, revelando que serão abertas mais portas para permitir a circulação das pessoas.

Segundo o presidente da câmara, Jorge Pulido Valente, a intervenção - iniciada depois de a Amnistia Internacional ter classificado o muro como uma "situação de objectiva discriminação de que é vítima a comunidade cigana" - irá fazer com que o espaço deixe de ter o "aspecto de paredão", mantendo uma "função de segurança" para os moradores, que assim continuam afastados da estrada que passa nas proximidades. Ao mesmo tempo, foi iniciado um conjunto de trabalhos para resolver problemas de saneamento e de limpeza e intervenções no interior das habitações, onde vivem cerca de 50 famílias.

"Já para aí andam a trabalhar, mas isto não tem condições nenhumas. Há ratos por todo o lado, fomos para aqui deixados sem nada", diz um dos moradores, classificando o bairro como sendo "pior que uma prisão". "Se estivéssemos presos, ao menos não havia tanta bicheza nem se apanhava tanto calor." As cerca de 400 pessoas foram realojadas no Bairro das Pedreiras em 2006 depois de as casas que habitavam no vizinho Carmo Velho (oficialmente denominado Bairro da Esperança) terem sido demolidas. Mas a construção de um muro de betão à volta do bairro, com cerca de cem metros de comprimento por dois de altura, motivou duras críticas por parte dos moradores e a apresentação de uma queixa junto do Conselho da Europa por parte da European Roma Rights Centre.

"Isto é como se fosse um cemitério para gente viva", diz Joaquim Marques, um dos patriarcas da comunidade cigana. Outro habitante diz que "há uns meses" a situação "ainda era pior", pois de um lado do bairro "havia arame e do outro estava o muro". "Puseram aí uma parede para nos fecharem e encerraram o portão. A saída era pelo meio do mato. Peguei numa estaca e numa marreta e rebentei com o portão umas quatro vezes. Ainda aí veio a Polícia, mas não podíamos ficar aqui encerrados."

Agora, o portão está aberto. E surgiram outras portas através das quais se tornou possível a circulação de pessoas e carros. Para os moradores, o pior é o interior das casas, onde a Câmara de Beja promete realizar obras. "Casas de banho e esgotos deixaram logo de funcionar. Quando para aqui viemos, nem os casquilhos da luz meterem, nem o chão, nada de nada."

Afastados cerca de três quilómetros do centro da cidade, sem transportes públicos nem acesso a outros serviços básicos e com uma barreira de terra a servir de "tampão" para que nos dias de chuva a água com os dejectos provenientes de um canil vizinho não invada o interior de algumas casas, os moradores do Bairro da Pedreira dizem-se "cansados de esperar" pelas obras. O que não impede que continuem a chegar novos habitantes.

Para o bispo de Beja, D. António Vitalino, este realojamento veio gerar uma "maior segregação" da comunidade cigana, quando deveriam ter sido encontradas outras soluções que ajudassem a "integrar as pessoas na sociedade". "O muro não faz sentido", sublinha.

A Amnistia Internacional diz que o muro que circunda o Bairro das Pedreiras em Beja "não pode persistir, apesar das dificuldades que possam verificar-se na sua resolução imediata", pois constitui uma situação de "objectiva discriminação" da comunidade cigana.