2.1.23

Envelhecimento: um longo caminho a percorrer

André Rito, Sara Tarita, Ilustradora in Expresso

Portugal: no final do ano fazemos um balanço sobre o projeto Longevidade, lançado em fevereiro pelo Expresso. Especialistas são consensuais: falta preparar a transição demográfica

Viver mais e melhor. Este foi o ponto de partida do projeto Longevidade, lançado em fevereiro deste ano pelo Expresso. Uns meses depois, e já no início de dezembro, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, esteve presente no 9º Congresso do Envelhecimento Ativo e Saudável. Organizado pelo consórcio Ageing Coimbra, o debate incluiu temas como o impacto da solidão na saúde ou o défice cognitivo associado ao envelhecimento. Perante dados que mostram que Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo, a ministra disse que não temos uma “sociedade preparada para os mais velhos”.

Essa é também a opinião de alguns membros do Conselho Consultivo do projeto Longevidade. “Trata-se de uma verdadeira revolução, que é necessária e urgente, tornando-se dentro de pouco tempo emergente”, afirma Nuno Marques, médico e presidente do Observatório Português do Envelhecimento, que tem trabalhado nesta área sobretudo na zona do Algarve, região distinguida pela Comissão Europeia como um centro de referência para o envelhecimento ativo e saudável. “As ideias têm passado, e percebeu-se desde já que a temática do envelhecimento é pluridisciplinar. Desde a componente social, reformas, saúde, economia, digitalização, condições de habilitação, segurança, acessibilidades ou cuidados aos idosos.”

Trata-se, portanto, de um assunto transversal a toda a sociedade portuguesa. Mas este não é um desafio exclusivamente português: países como o Japão (o mais envelhecido do mundo), Suíça, Países Baixos, França, Irlanda, Reino Unido e Finlândia têm antecipado as consequências do envelhecimento com políticas orientadas para a economia da longevidade. E se, em 2017, Portugal tinha delineado uma proposta de estratégia nacional para o envelhecimento ativo e saudável, com a pandemia o Governo acelerou e prometeu um investimento de €400 milhões, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Objetivo: encorajar iniciativas que permitam preparar e investir na transição demográfica de forma gradual e concreta.

“Algumas iniciativas têm sido tomadas no sentido de pôr a longevidade no centro da agenda política de Portugal, mas tenho de reconhecer que isto está longe de acontecer”, disse ao Expresso Maria Amélia Cupertino de Miranda, presidente da Fundação António Cupertino de Miranda, que tem organizado programas para capacitar os mais velhos, como o projeto Eu e a Minha Reforma, que envolve seis municípios do Norte do país: Porto, Maia, Vila Nova de Gaia, Valongo, Santo Tirso e Matosinhos.

“A iniciativa nasce da constatação de um grave défice social, que é a existência de uma muito baixa literacia financeira e digital das pessoas mais velhas. A iliteracia financeira inibe a qualidade de vida de todos, em especial a dos mais velhos”, afirmou a presidente da fundação, acrescentando a necessidade de estender o projeto a todos os municípios. Até porque um dos principais impactos da longevidade será a futura sustentabilidade da Segurança Social: atualmente temos 182 idosos por cada 100 jovens, um desequilíbrio que terá tendência para se agravar nas próximas décadas, dizem os especialistas. “É preciso escrever uma Estratégia da Longevidade e também um Plano de Ação com um conjunto de medidas que possam integrar políticas públicas e fiscais, para depois o Governo (poder central e local) poder investir na promoção de políticas públicas direcionadas às vidas longas que neste século vamos viver”, acrescentou Maria Amélia Cupertino de Miranda.

Perante este cenário, impõe-se a pergunta: o que foi feito? “A perceção que tenho é de que a sociedade está dividida entre o foco no envelhecimento, com um sector académico e social muito centrados nele, e o foco na longevidade, graças a um sector da saúde (sobretudo o privado) e financeiro”, afirma Ana Sepúlveda, fundadora da 40+Lab — consultora que trabalha com o tema da longevidade —, lembrando a necessidade de “envolver os cidadãos e dar visibilidade aos temas mais relevantes”. “Vamos ter a estratégia nacional aprovada. Tarde, mas é melhor que nada.”

Saúde, cuidados e economia

Foi em Salamanca, durante o Congresso Internacional Economia da Longevidade, que vários especialistas defenderam a importância de se criar uma nova categoria da economia, ligada à circunstância de estarmos a viver mais anos. Para quem se dedica a estudar o fenómeno, o aumento da esperança média de vida pode ser uma oportunidade económica e social. Segundo a Universidade de Oxford, a longevidade representa já €7,1 triliões a nível mundial, com vários negócios a florescerem e investimentos em campos como a inovação, saúde, habitação e cuidados domiciliários.

“Para que o paradigma do envelhecimento mude e as pessoas vivam uma longa vida, com sentido positivo, integrando a força de trabalho até mais tarde, com saúde, atividade física e intelectual, compromisso, felicidade e sem stresse financeiro, é indispensável uma mudança essencial: o país tem de crescer economicamente. É fundamental”, afirma Maria Amélia Cupertino de Miranda. “Se assim acontecer, alinhando o crescimento económico a políticas públicas e fiscais amigas dos mais velhos, então, sim, teremos conseguido mudar o paradigma do envelhecimento.”

Atualmente, em Portugal, existe apenas um gabinete público para dar resposta aos desafios da longevidade. Sediada no Funchal, a Direção Regional de Políticas Integradas de Longevidade prevê que nos próximos três anos sejam lançados concursos públicos na área da saúde no valor de €54 milhões. Parte deste montante está destinado a mudar o modelo dos lares de terceira idade, para dar uma melhor resposta às necessidades de cuidados de longa duração. Aliás, o apoio ao domicílio e uma maior eficácia das unidades de cuidados continuados afiguram-se como principais vetores de mudança neste tempo de longevidade. Porque não basta viver mais tempo, é preciso que esse tempo adicional seja vivido com saúde.

Basta comparar Portugal com os restantes países da União Europeia para se concluir que o país está muito abaixo da média no que respeita aos anos de vida saudável depois dos 65: se há países onde os cidadãos vivem 12 anos sem doenças, Portugal fica-se pelos 7, enquanto a média europeia está fixada nos 10 anos. “Portugal não dispõe dos cuidados adequados para lidar com essa morbilidade. O nosso sistema de saúde foi pensado para crises agudas. Falta adaptar-se aos cuidados prolongados, investindo também no apoio social. A integração do sector social será fundamental para que o envelhecimento seja vivido de forma mais sustentada, assegurando assim maior qualidade de vida”, conclui Luís Jerónimo, diretor-adjunto do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano da Fundação Calouste Gulbenkian.
P&R

Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo. Qual é a perceção da população portuguesa?

Segundo os especialistas contactados pelo Expresso, a perceção pública sobre a temática tem melhorado, mas é ainda insuficiente.

Que estratégias públicas existem para lidar com o envelhecimento?

Portugal destinou, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, perto de €400 milhões para o envelhecimento. Seguindo as recomendações europeias do “Livro Verde do Envelhecimento”, algumas medidas já estão a ser implementadas.

Qual é a posição do Governo relativamente à longevidade?

Embora o assunto seja muitas vezes subvalorizado pelo poder público, recentemente a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, disse que Portugal tem ainda “um caminho longo a percorrer” na área do envelhecimento ativo.
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Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de dezembro de 2022