24.1.23

Portugal vai medir as competências dos adultos pela primeira vez

Samuel Silva, in Público

Inquérito do PIAAC, estudo da OCDE que é uma espécie de PISA para a população mais velha, começa a ser aplicado nesta segunda-feira. Participantes vão receber até 80 euros para responder.

É a primeira vez que Portugal participa na mais abrangente pesquisa internacional sobre as competências cognitivas da população adulta. Nesta segunda-feira vão para o terreno os cerca de cem entrevistadores responsáveis pela aplicação do inquérito central do Programa de Avaliação Internacional de Competências dos Adultos (PIAAC, na sigla inglesa). Os resultados, que só serão conhecidos no final do próximo ano, vão permitir perceber qual o nível dos portugueses no domínio da língua, dos números e das competências digitais.

O estudo é promovido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e é comparado ao PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, aplicado aos estudantes de 15 anos a cada três anos. No caso do PIAAC, a análise centra-se na população adulta, entre os 16 e os 65 anos.

O PIAAC “vai dar-nos um conhecimento muito amplo da literacia e da numeracia da população adulta, mas também das suas competências digitais”, valoriza Luís Rothes, professor do Instituto Politécnico do Porto que coordena a equipa nacional responsável pelo estudo. Este docente e investigador tem sido uma das principais vozes que têm apontado as limitações à investigação e ao desenho de políticas públicas existentes por não se conhecerem dados sobre as competências da população adulta nacional.

A primeira edição desta pesquisa internacional da OCDE foi lançada em 2007. Portugal foi convidado a participar e chegou a ter uma equipa do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa a trabalhar no estudo, entre 2008 e 2012, tendo gasto cerca de 1,2 milhões de euros no processo. Contudo, o Governo liderado por Pedro Passos Coelho desistiu na fase final por “não haver disponibilidade financeira para participar no estudo”, justificou à época o Ministério da Educação. Por esse motivo, não existem dados nacionais do primeiro PIAAC, cujos resultados foram apresentados em 2013.

Além de avaliar as competências cognitivas da população, o estudo recolhe também informações sobre as condições laborais, os trajectos familiares ou hábitos de leitura e escrita, por exemplo, possibilitando análises mais complexas que permitam perceber que outros factores influenciam a literacia e a numeracia além das qualificações académicas.

"Não há hoje praticamente nenhuma dimensão das políticas públicas que não utilize os dados do PIAAC”, salienta João Queirós, também professor do Politécnico do Porto, que coordena este trabalho com Luís Rothes. “Não só na educação e formação de adultos, mas também na gestão de recursos humanos, migrações, questões de género, alteração no mundo do trabalho ou adaptações às novas tecnologias.”

Participação paga

A participação nacional na pesquisa da OCDE junta os ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Educação e custa quatro milhões de euros, financiados por fundos comunitários. A equipa nacional está a trabalhar desde 2019, adaptando os guiões, por exemplo, e aplicando um inquérito-piloto que permitiu validar o instrumento de recolha de dados para a população nacional.

A parte central do estudo, o inquérito às competências dos adultos, é aplicado a partir desta segunda-feira. Serão entrevistadas 5000 pessoas, em todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas, durante seis meses. Segue-se um longo trabalho de análise dos dados, pelo que os resultados globais só serão conhecidos no final do próximo ano.

Os inquéritos são aplicados no domicílio dos participantes, que são escolhidos aleatoriamente através das suas moradas. A resposta ao estudo é paga – através de um cartão de compras que pode ser usado em lojas do grupo Sonae (proprietária do PÚBLICO). Os respondentes recebem cinco euros depois do primeiro contacto, podendo a verba ascender a 80 euros, quando cumprirem as três fases do estudo.

O inquérito inclui uma entrevista, feita pessoalmente por um elemento da equipa responsável, coordenada pela Universidade Católica e dirigida por Ricardo Reis, que também está à frente do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião daquela instituição de ensino superior. Depois, há um segundo módulo, preenchido individualmente por cada pessoa, que terá de responder a um conjunto de desafios.

“São resoluções de tarefas, com questões do quotidiano, como calcular a quantidade de combustível necessária para encher um depósito de um automóvel ou seleccionar o melhor trajecto de comboio para determinada viagem”, explica Luís Rothes. É a resposta a estas questões que vai permitir avaliar os conhecimentos dos adultos.

O coordenador nacional do PIAAC antecipa que, em termos médios, o resultado nacional possa vir a estar “próximo do de outros países do Sul da Europa”. Na primeira edição do estudo, divulgada em 2013, Itália e Espanha tiveram os piores resultados. No extremo oposto surgiram, respectivamente, o Japão e a Finlândia.

“Tenho menos certezas sobre quais são as diferenças que vamos encontrar entre os vários grupos etários”, prossegue Rothes, que mostra particular curiosidade com a comparação entre o desempenho dos adultos mais jovens face aos adultos mais velhos. O alargamento da educação nos últimos 50 anos perspectiva que os grupos etários mais jovens possam apresentar competências muito acima dos mais velhos, como acontece, por exemplo, na Coreia do Sul, mostrou o primeiro PIAAC. “Mas não é assim em todos os países. Por exemplo, nos EUA, há um declínio de competências nas gerações mais novas, o que denota dificuldades novas do sistema de educação e formação.”